O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Luz acima — Irmão X


3

Pequena história do discípulo

1 Quando o Mestre visitou o aprendiz pela primeira vez, encontrou-o mergulhado na leitura das informações divinas.

Viu-o absorto na procura de sabedoria e falou:
Abençoado seja o filho do conhecimento superior!


2 E passou à frente, entregando-o ao cuidado de seus prepostos.

Voltando, mais tarde, a revê-lo, surpreendeu-o inflamado de entusiasmo pelo maravilhoso. Sentia-se dominado pelas claridades da revelação, propondo-se estendê-las por todos os recantos da Terra. Queria ganhar o mundo para o Senhor Supremo. Multiplicava promessas de sacrifício pessoal e interpretava teoricamente a salvação por absoluto serviço da esperança contemplativa.

O Companheiro Eterno afagou-lhe a fronte sonhadora e disse:
Louvado seja o apóstolo do ideal!


3 E seguiu adiante, confiando-o a dedicados mensageiros.

Regressou, em outra ocasião, a observá-lo e registou-lhe nova mudança. Guiava-se o aprendiz pelos propósitos combativos. Através do conhecimento e do ideal que adquirira, presumia-se na posse da realidade universal e movia guerra sem sangue a todos os semelhantes que lhe não pisassem o degrau evolutivo. Gravava dísticos incendiários, a fim de purificar os círculos da crença religiosa. Acusava, julgava e punia sem comiseração. Alimentava a estranha volúpia de enfileirar adversários novos. Pretendia destruir e renovar tudo. Nesse mister, desconhecia o respeito ao próximo, fazia tábua rasa das mais comezinhas regras de educação, assumindo graves responsabilidades para o futuro.

O Compassivo, todavia, reconhecendo-lhe a sinceridade cristalina, acariciou-lhe as mãos inquietas e enunciou:
Amparado seja o defensor da verdade!


4 E dirigiu-se a outras paragens, entregando-o à proteção de missionários fiéis.

Tornando ao círculo do seguidor, em época diferente, reparou-lhe a posição diversa. Dera-se o discípulo à sistemática pregação dos princípios edificantes que adotara, condicionando-os aos seus pontos de vista. Escrevia páginas veementes e fazia discursos comovedores. Projetava nos ouvintes a vibração de sua fé. Era condutor das massas, herói do verbo primoroso, falado e escrito.

O Instrutor Sublime abraçou-o e declarou:
Iluminado seja o ministro da palavra celestial!


 5 E ganhou rumos outros, colocando-o sob a inspiração de valorosos emissários.

Escoados longos anos, retornou o Magnânimo e anotou-lhe a transformação. O aprendiz exibia feridas na alma. A conquista do mundo não era tão fácil, refletia ele com amargura. Embora sincero, fora defrontado pela falsidade alheia. Desejoso de praticar o bem, era incessantemente visado pelo mal. Via-se rodeado de espinhos. Suportava calúnias e sarcasmo. Alvejado pelo ridículo entre os que mais amava, trazia o espírito crivado de dúvidas e receios perniciosos. Era incompreendido nas melhores intenções. Se dava pão, recebia pedradas. Se acendia luz, provocava perseguições das trevas. Lia os livros santos, à maneira do faminto que procura alimento; sustentava seus ideais com dificuldades sem conto; ensinava o caminho superior, de coração dilacerado e pés sangrando…

O Sábio dos sábios enxugou-lhe o suor copioso e falou:
Amado seja o peregrino da experiência!


 6 E seguiu, estrada a fora, confiando-o a carinhosos benfeitores.

Retornando, tempos depois, o Salvador assinalou-lhe a situação surpreendente. Chorando para dentro, reconhecia o discípulo que muito mais difícil que a conquista do mundo era o domínio de si mesmo. Em minutos culminantes do aprendizado, entregara-se também a forças inferiores. Embora de pé, sabia, de conhecimento pessoal, quão amargo sabor impunha o lodo à boca. Cedera, bastas vezes, às sugestões menos dignas que combatia. Aprendera que, se era fácil ensinar o bem aos outros, era sempre difícil e doloroso edificá-lo no próprio íntimo. Ele que condenara a vaidade e o egoísmo, a volúpia e o orgulho, verificava que não havia desalojado tais monstros de sua alma. Renunciava ao combate com o exterior, a fim de lutar consigo muito mais. Vivia sob a pressão de tempestade renovadora. Ciente das fraquezas e imperfeições de si mesmo, confiava, acima de tudo, no Altíssimo, a cuja bondade infinita submetia, os torturantes problemas individuais, através da prece e da vigilância entre lágrimas.

O Divino Amigo secou-lhe o pranto e exclamou:
Bendito seja o irmão da dor que santifica!


7 E seguiu para diante, recomendando-o aos colaboradores celestiais.

Anos decorridos, regressou o Misericordioso e admirou-lhe a situação diversa. O discípulo renovara-se completamente. Preferia calar para que outros se fizessem ouvir. 8 Analisava as dificuldades alheias pelos tropeços com que fora defrontado na senda. A compreensão em sua alma era doce e espontânea, sem qualquer tendência à superioridade que humilha. 9 Via irmãos em toda parte e estava disposto a auxiliá-los e socorrê-los, sem preocupação de recompensa. Aos seus olhos, os filhos de outros lares deviam ser tão amados quanto os filhos do teto em que nascera. 10 Entendia os dramas dolorosos dos vizinhos, honrava os velhos e estendia mãos protetoras às crianças e aos jovens. Lia os escritos sagrados, mas enxergava também a Eterna Sabedoria na abelha operosa, na nuvem distante, no murmúrio do vento. 11 Regozijava-se com a alegria e o bem-estar dos amigos, tanto quanto lhes partilhava os infortúnios. Inveja e ciúme, despeito e cólera, não lhe perturbavam o santuário interior. Não sentia necessidade de perdoar, porque amava os semelhantes como Jesus lhe havia ensinado. 12 Orava pelos adversários gratuitos do caminho, convencido de que não eram maus e, sim, ignorantes e incapazes. Socorria os ingratos, lembrando que o fruto verde não pode oferecer o sabor daquele que amadurece a seu tempo. 13 Chorava de júbilo, a sós, na oração de louvor, reconhecendo a extensão das bênçãos que recebera do Céu… Interpretava dores e problemas como recursos de melhoria substancial. As lutas eram para ele degraus de ascensão. Os perversos, ao seu olhar, eram irmãos infelizes, necessitados de compaixão fraternal. 14 Sua palavra jamais condenava. Seus pés não caminhavam em vão. Seus ouvidos mantinham-se atentos ao bem. Seus olhos enxergavam de mais alto. Suas mãos ajudavam sempre. 15 Sintonizava sua mente com a Esfera Superior. Seu maior desejo, agora, era conhecer o programa do Mestre e cumpri-lo. 16 Pregava a verdade e a ensinava a quantos procurassem ouvi-lo; entretanto, experimentava maior prazer em ser útil. 17 Guardava, feliz, a disposição de servir a todos. Sabia que era imprescindível amparar o fraco para que a fragilidade não o precipitasse no pó, e ajudar ao forte a fim de que a força mal aplicada não o envilecesse. 18 Conservava o conhecimento, o ideal, o entusiasmo, a combatividade em favor do bem, a experiência benfeitora e a oração iluminativa, todavia, acima de tudo, compreendia a necessidade de refletir a Vontade de Deus no serviço ao próximo. 19 Suas palavras revestiam-se de ciência celestial, a humildade não fingida era gloriosa auréola, em sua fronte, e, por onde passava, agrupavam-se em torno dele os filhos da sombra, buscando em sua alma a luz que amam quase sempre sem entender…

20 O Senhor, encontrando-o em semelhante estado, estreitou-o nos braços, de coração a coração, proclamando:
Bem-aventurado o servo fiel que busca a Divina Vontade de Nosso Pai!


E, desde então, passou a habitar com o discípulo para sempre.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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