Do medo
O golpe de vento n
1 Ali, na solidão do quarto de estudo, Joanino Garcia descerrara a grande janela, à procura de ar fresco.
Repousara minutos breves.
Agora, porém, acreditava ter chegado ao fim.
2 Julgara haver lido numa obra de clínica médica a própria sentença de morte.
Facilmente sugestionável, há muito vinha dando imenso trabalho ao médico.
E, não obstante espírita convicto, deixava-se levar por impressões.
3 Em menos de dois anos, sentira-se vitimado por sintomas diversos.
A princípio, dominado por bronquite rebelde, compulsara um livro sobre tuberculose e supusera-se viveiro dos bacilos de Koch.
4 Tempo e dinheiro foram gastos em exames e chapas.
Entretanto, mal não acabara de se convencer do contrário, quando, numa noite, ao sentir-se trêmulo, sob o efeito de determinada droga, começou a estudar a doença de Parkinson e foi nova luta para que lhe desanuviassem o crânio.
5 Joanino mostrara-se contente, por alguns dias; entretanto, uma intoxicação alterou-lhe a pele e ei-lo crente de que fora atacado pela púrpura hemorrágica, obrigando o médico e a família a difícil trabalho de exoneração mental.
6 Naquele instante, contudo, via-se derrotado.
Experimentando muita dor, buscara o consultório na antevéspera e o clinico amigo descobrira uma artrite reumatóide, recomendando cuidados especiais.
7 No grande sofá, depois de leve refeição, ao sentir pontadas relampagueantes no ombro esquerdo, tomou o livro de anotações médicas e abriu no capítulo alusivo à moléstia que lhe fora diagnosticada.
8 Antes de iniciar a leitura, levantou-se, com dificuldade, para um gole d’água, tentando aliviar as agulhadas nervosas, e não viu que o vento virara as folhas do volume.
Voltando, sobressaltado leu nas primeiras linhas da página:
— “A moléstia assume a forma de dor pungente e agoniante. Geralmente a crise perdura por segundos e termina com a morte. Sofrimento agudo e invencível. A dor começa no ombro esquerdo a refletir-se na superfície flexora do braço esquerdo até as pontas dos dedos médios.”
9 Joanino rendeu-se.
Quis gritar, pedir socorro, mas a “dor agoniante”, ali referida, crescia, assustadora.
Pensou na mulher e nos quatro filhinhos.
Suava.
Afligia-se como que sufocado.
10 Não podendo resistir, por mais tempo, aos próprios pensamentos concentrados na ideia da desencarnação, rendeu-se à morte.
11 Despertando, porém, fora do corpo de carne, afogado em preocupações, ao pé dos familiares em chorosa gritaria, viu o benfeitor espiritual que velava habitualmente por ele.
O amigo abraçou-o, emocionado, e falou:
— É lamentável que você tenha vindo antes do tempo…
— Como assim? — Respondeu Garcia, arrasado.
— Li os sintomas derradeiros de minha enfermidade.
— Houve engano, — explicou o instrutor; — os apontamentos do livro reportavam-se à angina de peito e não à artrite reumatóide como a sua leitura fez supor. A corrente de ar virou a página do livro. Você possuía, em verdade, um processo anginoso, mas com catorze anos de sobrevida… Entretanto, com o peso de sua tensão mental…
12 Só aí Joanino veio a saber que morrera, de modo prematuro, em razão da sensibilidade excessiva, ante a leitura alterada por ligeiro golpe de vento.
Hilário Silva
*
Marujo domina o mar
Remando contra a maré.
Sem sofrimento na vida,
Ninguém sabe se tem fé. ( † )
Teotônio Freire
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Teme apenas a ti mesmo
Na esfera de teu dever.
Quem se amedronta consigo
Nada mais tem a temer. ( † )
Casimiro Cunha
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Para o homem iluminado a estrada não tem sombras. ( † )
Mariano José Pereira da Fonseca
[1] Esta mensagem foi publicada originalmente em 1960 pela FEB e é a 2ª lição da 2ª parte do
livro “Almas em desfile.”