O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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E a vida continua… — André Luiz


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Reencontro

(Sumário)

1. Evelina despertou num quarto espaçoso, com duas janelas deixando ver o céu.

2 Emergia de um sono profundo, pensou.

Diligenciou recordar-se, assentando contas da própria situação.

3 Como teria entrado na amnésia de que estava tornando agora à tona da consciência?

4 Desemperrou a custo os mecanismos da memória e passou a lembrar-se, vagarosamente… A princípio, indescritível pesadelo lhe conturbara o repouso começante. 5 Sofrera, decerto, uma síncope inexplicável. Percebera-se movendo num mundo exótico de imagens que a faziam regredir na estrada das próprias reminiscências. 6 Recapitulara, não sabia como, todas as fases de sua curta vida. Voltara no tempo. Reconstituíra todos os dias já vividos, a ponto de rever o pai chegando morto ao lar, quando contava somente dois anos de idade. 7 Nesse filme que as energias ocultas da própria mente haviam exibido para ela, nos quadros mais íntimos do ser, ouvira, de novo, os gritos maternos e enxergava, à frente, os vizinhos espantados, sem compreender a tragédia que se lhe abatia sobre a casa…

8 Depois, registara a impressão de tremendo choque.

Algo como que se lhe desabotoara no cérebro e vira-se flutuar sobre o próprio corpo adormecido…

9 Logo após, o sono invencível.

De nada mais se apercebera.

10 Quantas horas gastara no torpor imprevisto? Estaria regressando a si, vencido o colapso, por efeito de algum tratamento de exceção? Porque não via, ali, junto do leito, algum familiar que lhe propiciasse as necessárias explicações?

11 Tentou sentar-se e o conseguiu, sem a menor dificuldade.

Inspecionou o ambiente, concluindo que o pouso se lhe trocara. Inferiu das primeiras observações que, tombada em desmaio, fora reconduzida ao hospital e ocupava, agora, larga dependência, que o verde-claro tornava repousante.

12 Em mesa próxima, viu rosas que lhe chamavam a atenção para o perfume.

Cortinas tênues bailavam, de manso, aos ritmos do vento, que penetrava as venezianas diferentes, talhadas em substância semelhante ao cristal revestido de essência esmeraldina.

13 Em tudo, simplicidade e previsão, conforto e leveza. Evelina bocejou, distendeu os braços e não se surpreendeu com qualquer dor.

Recuperara-se enfim, refletiu alegre.

Conhecia a presença da saúde e a testemunhava em si mesma. Nenhum sofrimento, nenhum estorvo.

14 Se algo experimentava de menos agradável, era precisamente um sinal de robustez orgânica: sentia fome.

15 Onde o marido? Onde os pais?

Desejava gritar de felicidade, comunicando-lhes que sarara. Aspirava a dizer-lhes que os sacrifícios efetuados por ela não haviam sido inúteis. No íntimo, agradecia a Deus a dádiva do próprio restabelecimento e ansiava estender a jubilosa gratidão aos seres queridos.


2. Não mais lograva sopitar o coração embriagado de regozijo e, por isso, buscou a campainha, rente a ela. Apertou o botão de chamada e uma senhora de semblante doce e atraente apareceu, saudando-a com palavras de irradiante carinho.

2 Evelina aceitou com naturalidade a cooperação da desconhecida.

— Enfermeira, — falou para a recém-chegada, — posso rogar-lhe o favor de chamar meu marido?

— Tenho instruções para, antes de tudo, informar o médico sobre suas melhoras.

3 A senhora Serpa concordou, afirmando, no entanto, que sentia necessidade de reencontrar os familiares, de maneira a repartir com eles o próprio júbilo.

— Compreendo… — Redarguiu a serviçal, com inflexão de ternura.

4 — Tenho sede de entender-me com alguém, — aditou a convalescente, animada, — como se chama a senhora?

— Chame-me Irmã Isa.

— Decerto, a senhora me conhece. Sou Evelina Serpa e devo ter aqui minha ficha…

— Sim.

5 — Irmã Isa, que me sucedeu? Estou bem, mas num estado estranho que não sei definir…

— A senhora passou por longa cirurgia, precisa descansar, refazer-se…

6 Para Evelina, em verdade, nada havia de surpreendente naquelas palavras articuladas em tom significativo. Sabia-se operada. Passara pela dolorosa ablação de um tumor. Estivera em casa, melhorara tanto que obtivera um passeio com o marido pelas estradas do Morumbi. Apesar de tudo, reconhecia-se novamente hospitalizada, sem poder ajuizar dos motivos.


3. Enquanto alinhava indagações mudas, não viu que a atendente pressionava um ponto cinza, em determinado recanto, comunicando-se com o médico de plantão.

2 Em dois minutos, um homem de branco entrou, calmo.

Cumprimentou a doente, examinou-a, sorriu satisfeito.

3 — Doutor… — Começou dizendo, ansiosa por justificar-se.

E pediu informes. Desejava saber como e quando conseguiria rever o esposo e os pais.

Não seria justo dar aos seus a notícia do êxito com que o hospital a brindava?

4 O facultativo ouviu-a, paciente, e rogou-lhe conformidade. Retornaria aos parentes, mas precisava reajustar-se.

5 Gesticulando carinhosamente, qual se sossegasse uma filha, aclarou:

— A senhora está melhor, muito melhor; entretanto, ainda sob rigorosa assistência de ordem mental. 6 Em se ligando a quaisquer agentes suscetíveis de induzi-la a recordações muito ativas da moléstia que sofreu, é provável que todos os sintomas reapareçam. Pense nisso. Não lhe convém, por agora, recolocar-se entre os seus.

7 E com um olhar ainda mais compreensivo, ajuntou:

— Coopere…

8 Evelina ouviu a observação, de olhos lacrimosos, mas resignou-se.

Afinal, concluiu intimamente, devia ser reconhecida aos que lhe haviam granjeado a bênção da nova situação. Não lhe cabia interferir em providências, cujo significado era incapaz de apreender. 9 Adivinhando que o médico se dispunha a sair, solicitou com humildade se lhe seria permitido ler e, se essa concessão lhe fosse feita, rogaria que a casa lhe emprestasse algum volume em que pudesse colher ensinamentos de Cristo. 10 Sensibilizado, o médico lembrou o Novo Testamento e, a breves instantes, a atendente trouxe o livro mencionado.


4. Restituída à solidão, Evelina começou a ler o Sermão da Montanha; ( † ) todavia, a advertência clínica se lhe intrometia na imaginação, insistentemente. 2 Se estava restaurada, qual se via, porque simples lembranças lhe imporiam retorno aos padecimentos de que se acusava liberta? Porquê? 3 Percebia-se na posse de inenarrável euforia. Deliciosa sensação de leveza lhe mantinha a disposição para a alegria, como nunca sentira em toda a existência.

4 Tais recursos de equilíbrio orgânico seriam assim tão fáceis de perder?

Retirou a atenção do livro e engolfou-se em novas cogitações… 5 E se reconstituísse em espírito a presença de Caio e dos pais, com veemência? E se concentrasse os próprios pensamentos nas dores que havia deixado à retaguarda?

6 Infelizmente para ela, confiou-se a semelhantes exercícios e, decorridos alguns minutos, a crise revelou-se, agigantando-se-lhe no corpo em momentos rápidos. Regelavam-se-lhe as extremidades, enquanto que mantinha a ideia de que um braseiro a requeimava por dentro, com a dispneia afrontando-lhe o peito. 7 Desencadeados os sintomas, quis reagir, contrapor conceitos de saúde aos de doença; entretanto, era tarde. O sofrimento ganhou-lhe as forças e passou a contorcer-se no suplício de que se admitira definitivamente distanciada…

8 Atônita, premiu a campainha e a prestimosa atendente se desdobrou na tarefa assistencial.

O médico reapareceu e administrou sedativos.

9 Ambos, nem ele nem a enfermeira, lhe endereçaram o mínimo reproche, mas a doente lhes leu no olhar a convicção de que tudo haviam compreendido. Em silêncio, davam-lhe a saber que não lhe ignoravam a teimosia e que, com toda a certeza, não se acomodando aos avisos recebidos, quisera experimentar por si mesma o que vinha a ser um tipo de mentalização inconveniente.

10 Conquanto a bondade de que dava mostras, o médico agiu com energia.

Forneceu instruções severas à companheira de serviço, depois da injeção calmante que ele próprio aplicou à senhora Serpa, em determinada região da cabeça, e recomendou medidas especiais para que ela dormisse. Aconselhável obrigá-la a repousar mais tempo, controlada por anestésicos. A doente não podia e nem devia entregar-se a ideias fixas, sob pena de voltar a sofrer sem necessidade.

11 Evelina registou as observações dele, em franca modorra. Depois, abismou-se em pesado sono, do qual despertou muitas horas depois, consciente de que lhe competia cuidar-se, evitando novo pânico. 12 Mostrou o desejo de alimentar-se e foi imediatamente atendida com caldo quente e reconfortante, que lhe calhou gostosamente ao paladar, à feição de néctar.

13 Refez-se, vigilante. Reconhecia-se sob uma espécie de assistência cuja eficácia e poder não lhe cabia agora subestimar.


5. Finda uma semana em descanso absoluto, com entretenimentos de leitura escolhida pelas autoridades que a cercavam, passou a caminhar no recinto do quarto.

2 Ao retomar a verticalidade, assinalava em si mesma inequívocas diferenças. Os pés se lhe patenteavam leves, qual se o corpo houvesse diminuído de peso, intensivamente, 3 e, sobretudo, no cérebro, as ideias lhe nasciam em torrente, vigorosas e belas, quase a se lhe materializarem diante dos olhos.


6. Numa tarde em que se via mais amplamente estimulada a reaver os movimentos normais, abeirou-se da janela que dava para um pátio enorme e, do alto do terceiro andar que a hospedava, contemplou dezenas de pessoas que conversavam alegremente, muitas delas sentadas em torno de irisada fonte que se erigia em centro de florido e extenso jardim.

2 Aquela sociedade serena atraiu-a.

Tinha sede de convivência, atreita que se achava a austeras disciplinas. A vista disso, consultou a enfermeira se lhe era concedido descer, travar conhecimento com alguém. Afinal, sugeriu com otimismo, uma casa de saúde não deixa de assemelhar-se a um navio, em cujo bojo as criaturas se interessam umas pelas outras, estendendo-se as mãos.

3 A serviçal achou graça e escorou-a nos braços, para a descida.

Poderia, sim, divertir-se ali. O ambiente lhe faria bem, ao mesmo tempo que lhe seria lícito granjear uma que outra amizade.

4 Deixada a sós, fitou ansiosamente os rostos que a rodeavam. Figurou-se-lhe estar no seio de vasta família de pessoas afins, pelo coração, mas quase todas desconhecidas entre si, qual acontece num balneário.

5 Todos os circunstantes acusavam-se na posição de convalescentes, adivinhando-se-lhes, sem dificuldade, os vestígios das enfermidades de que haviam conseguido evadir-se.


7. Evelina interrogava-se, quanto ao melhor processo de estabelecer contato com alguém, quando viu um homem, não longe, que a fitava, evidentemente assombrado. 2 Oh! Não era aquele cavalheiro, exatamente Ernesto Fantini, o improvisado amigo das termas? O coração bateu-lhe agitado e estendeu, na direção dele, os dois braços, dando-lhe a certeza de que o aguardava, de alma aberta.

3 Fantini, pois era ele mesmo, ergueu-se da poltrona em que se guardava e avançou para ela, a passos rápidos.

— Evelina!… Dona Evelina!… Estarei realmente vendo a senhora?

— Eu mesma! — Respondeu a moça, chorando de alegria.

4 O recém-chegado não foi estranho à emotividade daquele minuto inesquecível. Lágrimas lhe rolaram no rosto simpático e sisudo, lágrimas que ele buscava enxugar, embaraçado, procurando sorrir.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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