1.
A alegria plena coroara o trio doméstico.
2 Mostrando a expectativa
de uma colegial preocupada em receber a aprovação dos mentores, Odila
ergueu os olhos lacrimosos para Irmã Clara, perguntando:
— Terei agido corretamente?
Lia-se-lhe no rosto a necessidade de uma frase estimulante.
3 A venerável amiga conchegou-a
de encontro ao coração.
— Venceste, valorosa, — disse, terna; — compreendeste o santo dever
do amor. Abençoarás para sempre este maravilhoso dia de renúncia e doação
de ti mesma.
4 Vimos Odila colar-se a ela,
à maneira de uma criança nos braços maternais, chorando copiosamente.
— Não te comovas tanto assim! — Apelou a benfeitora, osculando-lhe os cabelos.
5 Sensibilizando-nos igualmente,
a primeira esposa de Amaro respondeu com dificuldade:
— Meu pranto não é de sofrimento… Sinto-me agora leve e feliz… Como não compreendia
eu assim, antes?!…
6 — Sim, — elucidou Clara,
de modo significativo, — perdeste peso espiritual, habilitando-te à
elevação de nível. Nossas paixões inferiores imantam-nos à Terra, como
o visco prende o pássaro a distância das alturas…
7 E, afagando-a, acentuou,
bondosa:
— Vamos! Deste agora o amor puro e, por isso, o amor puro não te faltará.
De ora em diante, serás aqui bem-aventurada mensageira, de vez que o
teu coração permanecerá em serviço dos anjos guardiãs de nossos destinos,
que velam por nós abnegadamente, esperando-nos na Vida Mais Alta. 8
Cedendo o carinho de teu companheiro à outra mulher, de cuja colaboração
necessita ele para redimir-se, conquistaste nele novo patrimônio de
afetividade, e, aproximando a filhinha daquela a quem devemos querer
como irmã, adquiriste o merecimento indispensável para recuperar o filhinho,
cujo futuro poderás orientar… Hoje mesmo, estarás ao lado de teu Júlio…
9 Odila, transfigurada, estampou
no semblante a luz da felicidade que lhe fluía do mundo interior.
O Sol inundava a Terra de raios vivificantes, quando a reconduzimos ao hospital, com a promessa de buscá-la, mais tarde, para a viagem ao Lar da Bênção.
2. Com efeito, transcorridas algumas horas, quando a pausa dos nossos compromissos de trabalho nos ofereceu a oportunidade precisa, convocamo-la ao reencontro.
2 Sustentada nos braços de
Clara, a mãezinha de Júlio revelava inexcedível contentamento.
Era a primeira vez, depois da morte física, que se confiava a romagem tão linda, prorrompendo em exclamações admirativas, ante os surpreendentes jogos da luz.
3 Nas vizinhanças do sítio
para o qual nos dirigíamos, inalava o ar tonificante a longos haustos,
deslumbrando-se na visão da Natureza saturada de perfumes e adornada
de flores.
4 Extasiou-se na contemplação
das centenas de pequeninos, que brincavam festivamente. Muito pálida,
de atenção presa à multidão infantil, na procura ansiosa do filho, achava-se
mentalmente muito distanciada de nosso grupo. Por isso mesmo, deixava-se
conduzir qual se fora um autômato.
5 Acompanhando Clarêncio,
atingimos a residência de Blandina, que nos acolheu com a gentileza
habitual.
Entramos.
Não houve necessidade de muitas palavras.
6 Atraída pelo grande berço
que se levantava à nossa vista, Odila precipitou-se sobre o menino enfermo,
bradando, alarmada:
— Meu filho! Júlio! Meu filho!…
7 Indubitavelmente, a Sabedoria
Universal colocou imperscrutáveis segredos no carinho materno. Algo
de milagroso e divino existe nos laços que unem mães e filhos que, por
enquanto, não podemos apreender.
8 A criança doente transformou-se,
de súbito.
Indefinível expressão de felicidade cobriu-lhe o semblante.
— Mãe! Mãe!… — Gritou, respondendo.
E alongou os braços, agarrando-se-lhe ao busto.
9 Em lágrimas, Odila retirou-o
instintivamente do leito, beijando-o enternecida.
Quando se lhe asserenou a desbordante emotividade, sentou-se ao nosso lado, trazendo o filho ao colo.
Júlio, completamente modificado, contava-lhe quanto lhe doía a garganta, mostrando-lhe a glote extensamente ferida.
10 E terminada que foi a hora
comovente que nos empolgara a todos, Blandina abriu a conversação geral,
acentuando, contente:
— Sabíamos que a Divina Bondade não deixaria o nosso doentinho sem a ternura maternal. Júlio agora terá junto dele a insubstituível dedicação.
11 Odila, que se mostrava compreensivelmente
conturbada, ante a posição orgânica do menino, nada respondeu; contudo,
Clara considerou, afetuosa:
— Esperamos localizar nossa amiga no Parque, por algum tempo, e, certo, sentirá prazer em encarregar-se do pequenino.
12 — Sim, a Escola
das Mães apresenta vastas disponibilidades, — informou Blandina, prestimosa.
— Odila poderá entregar-se com segurança à tarefa assistencial que Júlio
exige. Receberá todos os recursos…
13 — Aflige-me encontrá-lo
assim, — alegou a genitora preocupada, indicando o pequeno enfermo,
— não posso atinar com a razão de uma úlcera tão grande, sem o corpo
de carne… não tenho bases para entender de uma só vez tudo quanto vejo,
mesmo porque também eu andava louca, incapaz de raciocinar…
14 Reparei que o Ministro e
a Irmã Clara se entreolharam, de modo expressivo, dando-me a ideia de
que conversavam, através do pensamento.
15 Assinalando as doloridas
referências maternas, a instrutora designou com a destra o nosso orientador,
ajuntando bem humorada:
— Clarêncio tem a palavra elucidativa.
16 — Sim, — ponderou
o Ministro, cauteloso, — nossa irmã, como é natural, encontrará pela
frente variados problemas ligados ao caminho de elevação que lhe é próprio.
Achamo-nos todos infinitamente longe do Céu que fantasiávamos na Terra e cada qual de nós detém consigo deficiências que será preciso superar. O passado reflete-se no presente.
17 Sorrindo, acrescentou:
— Nosso destino é assim como o rio. Por mais diferenciado se encontre, à distância da nascente que lhe dá origem, está sempre ligado a ela pela corrente em ação contínua…
18 — Procurarei
compreender, — disse Odila mais segura de si, — sou mãe e não posso
desvencilhar-me da obrigação de amparar meu filhinho. Dispensar-lhe-ei
todos os cuidados imprescindíveis ao seu bem-estar. Sinto que a felicidade
pode ser conquistada no mundo a que fomos trazidos pela renovação… Trabalharei
quanto estiver ao meu alcance para ver Júlio integralmente refeito.
19 Hoje, novos ideais
me banham o coração. É imperioso esforçar-me. Todos os que amamos virão
ter conosco, mais cedo ou mais tarde… Esperanças diferentes me animam
o espírito. Amanhã, no porvir talvez próximo, terei meus familiares
aqui, de novo, e não posso olvidar a necessidade de algo fazer para
conseguir o abrigo de que necessitamos…
20 Passeou o olhar vago e cismarento
pelo recinto como se estivesse contemplando remotos horizontes e concluiu:
— Um lar… a felicidade restaurada… a bênção do reencontro…
21 Por largo tempo, o comentário
edificante brilhou na sala, aquecendo a chama da amizade e da confiança
em nossos corações.
Blandina e Mariana prometeram cooperar, insistindo para que Odila se demorasse junto delas, até situar-se, em definitivo, no educandário a que se destinava.
A renovada senhora aceitou, reconhecidamente.
22 Despedimo-nos, felizes.
Após nos separarmos de Clara, retomando o caminho de volta ao nosso domicílio espiritual, julguei conveniente interpelar o instrutor, acerca dos problemas que me esfervilhavam no cérebro.
3.
Por que não esclarecer Odila, com respeito ao pretérito de Júlio? Seria
aconselhável deixá-la entregue a informações deficientes, quando lhe
conhecíamos extensamente os enigmas da organização familiar? Por que
não lhe explanar francamente o impositivo da reencarnação do menino?
2 Clarêncio, como de outras
vezes, ouviu sereno e generoso.
Quando acabei o interrogatório, replicou sem alterar-se:
— À primeira vista, seria efetivamente esse o caminho a seguir, entretanto
as recordações do pretérito não devem ser totalmente despertadas, para
que ansiedades inúteis não nos dilacerem o presente. 3
A verdade para a alma é como o pão para o corpo que não pode exorbitar
da quota necessária a cada dia. Toda precipitação gera desastres. 4
Além do mais, não nos cabe a vaidade de qualquer antecipação a providências
que serão agradáveis e construtivas ao amor de nossa irmã. Sentindo-se
ainda plenamente integrada no carinho materno, ela própria assumirá
a responsabilidade do trabalho alusivo à reencarnação do pequeno. Advogando
ela mesma essa medida e destinando-se a criança ao seu antigo lar, encontrará
no assunto abençoado serviço de fraternidade, ao mesmo tempo que se
reconhecerá mais responsável. 5
Se movêssemos as decisões, Odila observar-se-ia anulada em sua capacidade
de agir, ao passo que, confiando a ela as deliberações que o caso reclama,
adquirirá novo interesse para auxiliar Zulmira, de vez que a segunda
esposa de Amaro substituí-la-á na condição de mãe, oferecendo novo corpo
ao filhinho…
6 Admirado com os apontamentos
ouvidos, vi-me satisfeito na inquirição.
Clarêncio, todavia, com o sorriso natural que lhe marcava habitualmente o semblante, aduziu, calmo:
— A vida é uma escola e cada criatura, dentro dela, deve dar a própria lição. Esperemos agora alguns dias. Interessada em socorrer o filhinho doente, a própria Odila virá até nós, lembrando para ele a felicidade da volta à Terra.
André Luiz