1.
Enquanto regressávamos ao nosso círculo de trabalho e de estudo, para
articular novas providências de auxílio, em favor dos protagonistas
da história que a vida estava escrevendo, concluí que não me cabia perder
a oportunidade de mais amplo entendimento com o nosso orientador, com
alusão aos esclarecimentos que nos fornecera, acerca do perispírito.
2 Assim como o homem comum
mal conhece o veículo em que se movimenta, ignorando a maior parte dos
processos vitais de que se beneficia e usando o corpo de carne à maneira
de um inquilino estranho à casa em que reside, também nós, os desencarnados,
somos compelidos a meticulosas meditações para analisar a vestimenta
de que nos servimos, de modo a conhecer-lhe a intimidade.
3 Efetivamente, em
novas condições na vida espiritual, passamos a apreciar, com mais segurança,
o corpo abandonado à Terra, penetrando os segredos de sua formação e
desenvolvimento, sustentação e desintegração, mas somos desafiados pelos
enigmas do novo instrumento que passamos a utilizar. 4
Lidamos, na Vida Maior, com o carro sutil da mente, pelo menos na Esfera
em que nos situamos, acentuando, pouco a pouco, os nossos conhecimentos,
quanto às peculiaridades que lhe dizem respeito.
5 Reparei que Hilário, pela
expressão dos olhos, demonstrava não menor anseio de saber. E, encorajado
pela atitude do companheiro, desfechei a primeira questão, considerando:
— Inegavelmente, será difícil alcançar o grande equilíbrio que nos outorgará o trânsito definitivo para as eminências do Espírito Puro.
6 — Ah! Sim. — Concordou
o Ministro, com grave entono, — para que tivéssemos na Crosta Planetária
um vaso tão aprimorado e tão belo, quanto o corpo humano, a Sabedoria
Divina despendeu milênios de séculos, usando os multiformes recursos
da Natureza, no campo imensurável das formas… 7
Para que venhamos a possuir o sublime instrumento da mente em Planos
mais elevados, não podemos esquecer que o Supremo Pai se vale do tempo
infinito para aperfeiçoar e sublimar a beleza e a precisão do corpo
espiritual que nos conferirá os valores imprescindíveis à nossa adaptação
à Vida Superior.
8 — Compete-nos, então,
— observou Hilário, atencioso, — atribuir importante papel às enfermidades
na Esfera humana. Quase todas estarão no mundo, desempenhando expressivo
papel na regeneração das almas.
— Exatamente.
9 — Cada “centro
de força”, — ponderei, — exigirá absoluta harmonia, perante as Leis
Divinas que nos regem, a fim de que possamos ascender no rumo do Perfeito
Equilíbrio…
— Sim, — confirmou Clarêncio, — nossos deslizes de ordem moral estabelecem
a condensação de fluidos inferiores de natureza gravitante, no campo
eletromagnético de nossa organização, compelindo-nos a natural cativeiro
em derredor das vidas começantes às quais nos imantamos.
10 Hilário, conduzindo mais
longe as próprias divagações, perguntou:
— Imaginemos, contudo, um homem puramente selvagem, a situar-se em plena ignorância dos Desígnios Superiores, que se confia a delitos indiscriminados… Terá nos tecidos sutis da alma as lesões cabíveis a um europeu supercivilizado, que se entrega à indústria do crime?
11 Clarêncio sorriu, compreensivo,
e acentuou:
— Sigamos devagar. Comentávamos, ainda há pouco, o problema da evolução.
Assim como o aperfeiçoado veículo do homem nasceu das formas primárias
da Natureza, o corpo espiritual foi iniciado também nos princípios rudimentares
da inteligência. 12
É necessário não confundir a semente com a árvore ou a criança com o
adulto, embora surjam na mesma paisagem de vida. 13
O instrumento perispirítico do selvagem deve ser classificado como protoforma
humana, extremamente condensado pela sua integração com a matéria mais
densa. Está para o organismo aprimorado dos Espíritos algo enobrecidos,
como um macaco antropomorfo ( † )
está para o homem bem-posto das cidades modernas. 14
Em criaturas dessa espécie, a vida moral está começando a aparecer e
o perispírito nelas ainda se encontra enormemente pastoso. Por esse
motivo, permanecerão muito tempo na escola da experiência, como o bloco
de pedra rude sob marteladas, antes de oferecer de si mesmo a obra-prima…
15 Despenderão séculos
e séculos para se rarefazerem, usando múltiplas formas, de modo a conquistarem
as qualidades superiores que, em lhes sutilizando a organização, lhes
conferirão novas possibilidades de crescimento consciencial. 16
O instinto e a inteligência pouco a pouco se transformam em conhecimento
e responsabilidade e semelhante renovação outorga ao ser mais avançados
equipamentos de manifestação… 17
O prodigioso corpo do homem na Crosta Terrestre foi erigido pacientemente
no curso dos séculos, e o delicado veículo do Espírito, nos Planos mais
elevados, vem sendo construído, célula a célula, na esteira dos milênios
incessantes…
18 E, com um olhar significativo,
Clarêncio concluiu:
— … Até que nos transfiramos de residência, aptos a deixar, em definitivo, o caminho das formas, colocando-nos na direção das Esferas do Espírito Puro, onde nos aguardam os inconcebíveis, os inimagináveis recursos da suprema sublimação.
2. Calara-se o instrutor, mas o assunto era por demais importante para que eu me desinteressasse dele apressadamente.
2 Recordei os inúmeros casos
de moléstias obscuras de meu trato pessoal e aduzi:
Decerto a Medicina escreveria gloriosos capítulos na Terra, sondando com mais segurança os problemas e as angústias da alma…
3 — Gravá-los-á mais
tarde, — confirmou Clarêncio, seguro de si. — Um dia, o homem ensinará
ao homem, consoante as instruções do Divino Médico, que a cura de todos
os males reside nele próprio. A percentagem quase total das enfermidades
humanas guarda origem no psiquismo.
4 Sorridente, acrescentou:
— Orgulho, vaidade, tirania, egoísmo, preguiça e crueldade são vícios da mente, gerando perturbações e doenças em seus instrumentos de expressão.
5 No objetivo de aprender,
observei:
— É por isso que temos os vales purgatoriais, depois do túmulo… A morte não
é redenção…
— Nunca foi, — esclareceu o Ministro, bondoso. — O pássaro doente não
se retira da condição de enfermo, tão só porque se lhe arrebente a gaiola.
6 O inferno é uma criação
de almas desequilibradas que se ajuntam, assim como o charco é uma coleção
de núcleos lodacentos, que se congregam uns aos outros. 7
Quando de consciência inclinada para o bem ou para o mal perpetramos
esse ou aquele delito no mundo, realmente podemos ferir ou prejudicar
a alguém, mas, antes de tudo, ferimos e prejudicamos a nós mesmos. 8
Se eliminamos a existência do próximo, nossa vítima receberá dos outros
tanta simpatia que, em breve, se restabelecerá, nas leis de equilíbrio
que nos governam, vindo, muita vez, em nosso auxílio, muito antes que
possamos recompor os fios dilacerados de nossa consciência.
9 Quando
ofendemos a essa ou àquela criatura, lesamos primeiramente a nossa própria
alma, de vez que rebaixamos a nossa dignidade de Espíritos eternos,
retardando em nós sagradas oportunidades de crescimento.
10 — Sim, — concordei,
— tenho visto aqui aflitivas paisagens de provação que me constrangem
a meditar…
— A enfermidade, como desarmonia espiritual, — atalhou o instrutor, — sobrevive
no perispírito. As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda
escapam ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas Esferas
torturadas da alma, conduzindo-nos ao reajuste. 11
A dor é o grande e abençoado remédio. Reeduca-nos a atividade mental,
reestruturando as peças de nossa instrumentação e polindo os fulcros
anímicos de que se vale a nossa inteligência para desenvolver-se na
jornada para a vida eterna. Depois do poder de Deus, é a única força
capaz de alterar o rumo de nossos pensamentos, compelindo-nos a indispensáveis
modificações, com vistas ao Plano Divino, a nosso respeito, e de cuja
execução não poderemos fugir sem graves prejuízos para nós mesmos.
12 Nosso domicílio, porém,
estava agora à vista.
Os raios dourados da manhã varriam o horizonte longínquo.
Despediu-se o Ministro, paternal.
Aquele era um dos momentos em que, desde muito, se devotava ele à oração.
André Luiz