1. EVOLUÇÃO MORFOLÓGICA E MORAL. — A evolução morfológica prosseguiu, emparelhando-se com a evolução moral.
2 O crânio avançou, com vagar,
no rumo de aprimoramento maior, os braços refinavam-se, as mãos adquiriam
excelência táctil não sonhada, e os sentidos, todos eles, progrediam
em acrisolamento e percepção.
3 Todavia, com o advento
da responsabilidade que o separara da orientação direta dos Benfeitores
da Vida Maior, entregou-se o homem a múltiplos tentames de progresso
no campo do Espírito.
4 No regime interior
de livre indagação, conferia asas audaciosas ao pensamento, e, com isso,
mais se lhe acentuava o poder de imaginar, facilitando-se-lhe a mentalização
e o desprendimento do corpo espiritual, 5
cujas células em conexão com as células do corpo físico se automatizavam
assim, na emancipação parcial, através do sono, para acesso da alma
a ensinamentos de estrutura superior.
6 Guarda a criatura
humana, então, consigo, na tessitura dos próprios órgãos, a herança
dos milhões de estágios diferentes, nos reinos inferiores, e, no fundo,
sente-se inclinada a viver no plano dos outros mamíferos que lhe respiram
a vizinhança, com o instinto absoluto dominando sem restrições; 7
no entanto, com a evolução irreversível, o amor agigantou-se-lhe no
ser, sugerindo-lhe novas disposições à própria existência.
2. NOÇÃO
DO DIREITO. — Em razão do apego aos rebentos da própria carne,
institui a propriedade da faixa de solo em que se lhe encrava a moradia
2 e, atendendo a essa
mesma raiz de afetividade, traça a si próprio determinadas regras de
conduta, para que não imponha aos semelhantes ofensas e prejuízos que
não deseja receber.
3 Acontece, assim, o inesperado.
O homem selvático que não pretende abandonar os apetites e prazeres da experiência animal, fabrica para si mesmo os freios que lhe controlarão a liberdade, a fim de que se lhe enobreça o caráter iniciante.
4 Estabelecendo a posse tirânica
em tudo o que julga seu, desiste de aproveitar o que pertence ao vizinho,
sob pena de expor-se a penalidades cruéis.
5 Nasce, desse modo, para
ele a noção do direito sobre o alicerce das obrigações respeitadas.
3. CONSCIÊNCIA DESPERTA. — É assim que ele transformado interpreta, sob novo prisma, a importância de sua presença na Terra.
2 Não mais lhe seduzem a despreocupação
e o nomadismo, assim como para o homem adulto é já passado o ciclo da
infância.
3 Sabe agora que o berço carnal
se reveste de significação mais profunda.
4 Compreende, a pouco
e pouco, que a vida lhe registra as contas pessoais, 5
porquanto aprende que pode negar o braço ao companheiro necessitado
de apoio, sabendo, porém, que o companheiro poderá recusar-lhe o seu,
no momento em que o desequilíbrio lhe bata à porta.
6 Reconhece que dispõe de
liberdade para matar o desafeto, mas não ignora que o desafeto, a seu
turno, pode igualmente exterminar-lhe o corpo ou amargar-lhe o caminho.
7 Percebe que os seus
gestos e atitudes, para com os outros, criam nos outros atitudes e gestos
semelhantes para com ele. 8
Com esse novo cabedal de observação, revela-se-lhe a vida mental mais
surpreendente e mais rica e, por essa mais intensa vida íntima, retrata
com relativa segurança as ideias dos Espíritos Abnegados que lhe custodiam
a rota.
9 Desde então, não guarda
a existência circunscrita à romagem berço-túmulo, por alongá-la, do
ponto de vista de causa e efeito, para além do sepulcro em que se lhe
guarda o invólucro anulado ou imprestável.
10 Incorporando
a responsabilidade, a consciência vibra desperta 11
e, pela consciência desperta, os princípios de ação e reação funcionam,
exatos, dentro do próprio ser, 12
assegurando-lhe a liberdade de escolha e impondo-lhe, mecanicamente,
os resultados respectivos, tanto na Esfera física quanto no Mundo Espiritual.
4. A LARVA E A CRIANÇA. — Nesse sentido, importa lembrar aqui, com as diferenças justas, o símile que a vida assinala entre as alterações da existência para a alma humana e para os insetos de metamorfose integral.
2 A larva que se afasta do
ovo ingressa em novo período de desenvolvimento, que pode perdurar por
muito tempo, como ocorre entre os efemerídeos, mostrando, no começo,
a membrana do corpo ainda amolecida e conservando no tubo digestivo
os remanescentes de gema da fase embrionária, para iniciar, depois da
excreção, os processos de alimentação e digestão.
3 A criança recém-nata retira-se
do útero e entra em nova fase de evolução, que se firma através de alguns
anos. A princípio, tenra e frágil, retém na própria organização os recursos
sanguíneos que lhes foram doados, por manutenção endosmótica, no organismo
materno, para, somente depois, eliminar, quanto lhe seja possível, esses
mesmos recursos, gerando os que lhe são próprios.
4 Avançando na execução dos
programas traçados para a sua existência, a larva cresce e recorre a
matérias nutritivas que lhe garantam o aumento do corpo e, conforme
a espécie, promove por si mesma a mudança de pele, indispensável ao
condicionamento de seu próprio volume.
5 Satisfazendo aos imperativos
da própria vida, a criança se desenvolve, tomando o alimento preciso
à expansão de sua máquina orgânica, passando a realizar por si, isto
é, ao comando da mente, a renovação celular dos tecidos e órgãos que
lhe constituem o campo somático, de maneira a que se lhe ajuste a forma
física aos moldes do corpo espiritual.
5. METAMORFOSE DO INSETO. — A larva dos insetos de transformação completa experimenta vários períodos de renovação para atingir a condição de adulto, embora permaneça com o mesmo aspecto, porquanto apenas depois da derradeira mudança de pele é que se torna pupa.
2 Em semelhante estágio, acusa
progressiva diminuição de atividade, até que não mais suporte a alimentação.
Esvaziam-se-lhe os intestinos e paralisam-se-lhe os movimentos.
3 A larva protege-se, então,
no solo ou na planta, preparando a própria liberação.
4 Permanece, assim imóvel,
e não se alimenta do ponto de vista fisiológico, encrisalidando-se,
segundo a espécie, em fios de seda por ela própria constituídos com
a secreção das glândulas salivares, agregados a pequeninos tratos de
terra ou a tecidos vegetais, formando, desse modo, o casulo em que repousa,
durante certo tempo, fixado em alguns dias e até meses.
5 Na posição de pupa, ao impacto
das vibrações de sua própria organização psicossomática, sofre essencial
modificação em seu organismo, modificação que, no fundo, equivale a
verdadeiro aniquilamento ou histólise, ao mesmo tempo que elabora órgãos
novos pelo fenômeno da histogênese, valendo-se dos tecidos que perduraram.
6 A histólise, que
se efetua por ação dos fermentos, verifica-se notadamente nos músculos,
no aparelho digestivo e nos tubos de Malpighi, ( † ) ( † )
com reduzida atuação no sistema nervoso e circulatório.
7 Pela histogênese, os remanescentes
dos músculos estriados desfazem-se das características que lhes são
próprias, perdendo, gradativamente, a sua estriação, até que se convertam,
qual se obedecessem a processo involutivo, em células embrionárias fusiformes,
com um núcleo exclusivo, ou mioblastos, que se dividem por segmentação,
plasmando novos elementos estriados para a configuração dos órgãos típicos.
8 Somente então, quando as
ocorrências da metamorfose se realizam, é que o inseto, integralmente
renovado, abandona o casulo, revelando-se por falena leve e ágil, com
o sistema bucal transformado, como acontece na borboleta de tipo sugador,
na qual as maxilas se alongam, convertendo-se numa trompa, enquanto
que o lábio superior e as mandíbulas se atrofiam.
9 Entretanto, embora magnificentemente
modificada, a borboleta alada e multicor é o mesmo indivíduo, somando
em si as experiências dos três aspectos fundamentais de sua existência
de larva-ninfa-inseto adulto.
6. “HISTOGÊNESE
ESPIRITUAL”. — Assim também, a criatura humana, depois do período
infantil, atravessa expressivas etapas de renovação interior, até alcançar
a madureza corpórea, não obstante apresentar-se com a mesma forma exterior,
2 porquanto somente
após o esgotamento da força vital no curso da vida, através da senectude
ou da caquexia por intervenção da enfermidade, é que se habilita à transformação
mais profunda.
3 Nesse período característico
da caducidade celular ou da moléstia irreversível, demonstra gradativa
diminuição de atividade, não mais tolerando a alimentação.
4 Pouco a pouco, declinam
as suas atividades fisiológicas e a inércia substitui-lhe os movimentos.
5 Protege-se, desde
então, no repouso horizontal em decúbito, quase sempre no leito, preparando
o trabalho liberatório. 6
Chega, assim, o momento em que se imobiliza na cadaverização, mumificando-se
à feição da crisálida, mas envolvendo-se no imo do ser com os fios dos
próprios pensamentos, 7
conservando-se nesse casulo de forças mentais, tecido com as suas próprias
ideias reflexas dominantes ou secreções de sua própria mente, durante
um período que pode variar entre minutos, horas, dias, meses ou decênios.
8 No ciclo de cadaverização
da forma somática, sob o governo dinâmico de seu corpo espiritual, padece
extremas alterações que, na essência, correspondem à histólise das células
físicas, 9 ao mesmo
tempo que elabora órgãos novos pelo fenômeno que podemos nomear, por
falta de termo equivalente, como sendo histogênese espiritual,
aproveitando os elementos vivos, desagregados do tecido citoplasmático,
e que se mantinham até então, ligados à colmeia fisiológica entregue
ao desequilíbrio ou à decomposição.
10 A histólise ou
processo destrutivo na desencarnação resulta da ação dos catalisadores
químicos e de outros recursos do mundo orgânico que, alentados em níveis
de degenerescência, operam a mortificação dos tecidos 11
e, do ponto de vista do corpo espiritual, afetam principalmente a morfologia
dos músculos e os aparelhos da nutrição, com escassa influência sobre
os sistemas nervoso e circulatório.
12 Pela histogênese espiritual,
os tecidos citoplasmáticos se desvencilham em definitivo de alguns dos
característicos que lhes são próprios, voltando temporariamente, qual
se atendessem a processo involutivo, à condição de células embrionárias
multiformes que se dividem, através da cariocinese, plasmando, em novas
condições, a forma do corpo espiritual, segundo o tipo imposto pela
mente.
7. DESENCARNAÇÃO
DO ESPÍRITO. — Apenas aí, quando os acontecimentos da morte se
realizam, é que a criatura humana desencarnada, plenamente renovada
em si mesma, abandona o veículo carnal a que se jungia; 2
contudo, muitas vezes intimamente aprisionada ao casulo dos seus pensamentos
dominantes, quando não trabalhou para renovar-se, nos recessos do espírito,
passa a revelar-se em novo peso específico, segundo a densidade da vida
mental em que se gradua, 3
dispondo de novos elementos com que atender à própria alimentação, equivalentes
às trompas fluídico-magnéticas de sucção, embora sem perder de modo
algum o aparelho bucal que nos é característico, 4
salientando-se, aliás, que semelhantes trompas ou antenas de matéria
sutil estão patentes nas criaturas encarnadas, a se lhes expressarem
na aura comum, como radículas alongadas de essência dinâmica, exteriorizando-lhes
as radiações específicas, 5
trompas ou antenas essas pelas quais assimilamos ou repelimos as emanações
das coisas e dos seres que nos cercam, tanto quanto as irradiações de
nós mesmos, uns para com os outros.
8. CONTINUAÇÃO
DA EXISTÊNCIA. — Metamorfoseada, pois, não obstante o fenômeno
da desencarnação, a personalidade humana continua, além-túmulo, o estágio
educativo que iniciou no berço, sem perder a própria identidade, 2
somando consigo as experiências da vida carnal, da desencarnação e da
metamorfose no Plano extrafísico.
3 Perceberemos, desse
modo, que a existência da criatura, na reencarnação, substancializa-se
não apenas na Terra, onde atende à plantação dos sentimentos, palavras,
atitudes e ações com que se caracteriza, 4
mas também no Mundo Espiritual, onde incorpora a si mesma a colheita
da sementeira praticada no campo físico, 5
pelo desdobramento do aprendizado com que entesoura as experiências
necessárias à sublime ascensão a que se destina.
André Luiz
Uberaba, 5/3/1958.