Desencarnada às vésperas de completar 87 anos de idade, D. Nayá Siqueira de Amorim, de Goiânia, GO, deixou aos seus familiares as melhores lembranças que uma esposa, mãe e avó dedicada e virtuosa pode doar aos seus entes queridos.
Em sua longa e útil trajetória terrena também não esqueceu dos mais necessitados de outras famílias, dos irmãos em Deus — segundo depoimento de suas filhas Lélia e Lelé —, principalmente quando abraçou a Doutrina Espírita, que “a lançou numa ordem de coisas tão novas e tão grandes, que modificou totalmente sua vida, tornando-a mais desprendida, caridosa e humilde.”
D. Nayá sempre deu muito valor ao trabalho e dizia que “o vício entra pela hora vazia.” Levantava-se muito cedo e, de manhãzinha, os vizinhos já podiam escutar o barulho de sua máquina de costura, onde confeccionou, com carinho, centenas de roupas para os necessitados.
Na velhice, foi muito resignada, suportando os sofrimentos dos últimos anos sem queixa e amargura, dando sempre exemplos de fé e otimismo. “Quando ainda tinha condições de usar o telefone, utilizava-o para transmitir coragem e alegria aos familiares e amigos. Filhos, genros e netos adoravam suas cartas e chamavam-na fortaleza.”
Como veremos a seguir, um ano após sua desencarnação, em 12 de outubro de 1984, na reunião pública do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, pelo lápis mediúnico de Chico Xavier, ela voltou a dialogar com as filhas queridas, em carta repleta do habitual carinho maternal e rica em informações, que comoveu toda a família, principalmente quando abordou o episódio do reencontro com o esposo, já domiciliado no Além: “Queridas filhas, cheguei a pensar que éramos noivos outras vez e foi com lágrimas de alegria que agradecia a Deus por todas as estradas que atravessamos no mundo…”
1 Queridas filhas, Lélia n e Lelé. n Deus nos abençoe.
2 Ainda me vejo convalescente, embora com lucidez recuperada. A mamãe Zulmira n é quem me fez a bondade de trazer-me até aqui, a fim de afirmar-lhe que as mães nunca morrem. 3 Desejo, entretanto, agradecer à nossa Lelé, o tempo de renúncia total por minha causa. Presa quase ao meu leito, amparando-me a qualquer sinal que eu fizesse.
4 Querida Lélia, você sabe quanto amo vocês todas. Você, Lelé, Lucíola, Laila e Leny, n tanto quanto o nosso Leônidas com a estimada Arlene, n estão em meu carinho permanente.
5 Perdoem-me se nos tempos últimos de minha longa semi-consciência, alguma vez fui áspera em minhas observações. Creio que na velhice do corpo voltamos a ser crianças, por vezes teimosas e choramingas. 6 Aqueles meses de prostração me serviram muito, pois aqui vim a saber que todo aquele tempo de inércia mental me esperaria na vida em que hoje me encontro, caso não tivesse atravessado a prova que me encarcerava no leito.
7 Lelé, Deus abençoe os seus novos passos. n Conheci você, com mais segurança, quando a dor me criou imobilidade que a incomodava tanto. Eu fui a sua criança doente, e a sua doente complicada que o seu carinho tolerava com tanta bondade. Via em seus gestos as lembranças de São Francisco, a quem você consagrou a existência.
8 Filhas, não me vi liberta de um momento para outro. O meu entendimento estava obscurecido por aquilo que eu considerava por nuvens pesadas e, por isso, não posso precisar a hora exata em que me desligaram do corpo fatigado. 9 Lembro-me que me vi acordando numa outra casa com a minha mãe Zulmira à cabeceira e com a nossa irmã Filomena a fitar-me de frente. n Já conhecia bastante as descrições de amizade, que nos falavam da Vida Espiritual e por isso, embora surpreendida, não me espantei com a atmosfera leve que eu estava respirando e aceitei a presença de minha mãe e da nossa prezada Filomena por bênçãos de Deus.
10 Estava eu mesmo, a sentir-me doente, mas fui informada de que estaria em tratamento, por alguns meses, até que o Antenor n pudesse me buscar. 11 Nesse recanto, recebi a visita de amigas que eu sempre trouxe no coração: a nossa irmã Esmeralda Bittencourt n me cercou de carinho com um grupo de irmãs que faziam comigo, diariamente, o culto do Evangelho de Jesus; a irmã Olímpia Belém, n com quem muitas vezes entrei em contato sobre as crianças que ela tutelava; a nossa estimada Dona Gercina n veio reconfortar-me, falando-me dos nossos dias de trabalho no nascimento de Goiânia; a nossa irmã Luzia Seabra, de Rio Verde, n me fortalecia com expressões de amizade e compreensão; o Villela n veio renovar-me as forças em companhia do Alvicto n e fiquei feliz ao vê-los juntos.
12 Tanta gente me brindava com o melhor carinho e, bafejada por essas manifestações de bondade, atravessei tratamentos diversos, até que o Antenor chegasse para renovar a minha felicidade.
13 Queridas filhas, cheguei a pensar que éramos noivos outra vez e foi com lágrimas de alegria que agradecia a Deus por todas as estradas que atravessamos no mundo…
14 Antenor me conduziu a uma residência nova, em que consegui rever minha irmã Anita, n a Madre Otávia e a Irmã Rosa Gorda, n do Colégio Santana de Goiás, e tantas alegrias me foram doadas que paro aqui para dizer-lhes, incluindo o nosso Leônidas e as minhas filhas ausentes que, apesar de tantas concessões, as saudades de Mãe não diminuíram.
15 Filhas queridas, o Antenor que me acompanha e me assiste recomenda-me finalizar esta carta, o que faço com pesar. Saibam vocês todas, filhas queridas, que as amarei sempre, sem me esquecer dos netos, a começar por nossa querida Simone. n Meu carinho a todos.
16 Querida Lelé, tenho acompanhado a sua nova missão, e peço a Jesus abençoá-la sempre.
17 Querida Lélia, não a esqueço e continuo rogando a Jesus lhe aumente o ânimo e a fortaleza espiritual, diante da vida.
18 Com muita confiança em Deus e muita esperança de sabê-las sempre unidas e de saber também que o nosso Leônidas está feliz, reúno-as a todas as filhas queridas e ao meu filho sempre lembrado, e no mesmo abraço em que os retenho junto de meu coração, sou a mamãe para sempre agradecida,
Nayá
Nayá S. de Amorim. n
NOTAS E IDENTIFICAÇÕES
1 — Lélia — D. Lélia de Amorim Nogueira, filha, residente à Rua 85-A, nº 53, Apto. 1.101, Setor Sul, Goiânia, GO. Interessante depoimento de sua autoria, sobre a mediunidade de Chico Xavier, integra o livro Amor e Luz (F. C. Xavier, Emmanuel, Testemunhos Diversos, R.S. Germinhasi, IDEAL, S. Paulo, pp. 42-49).
2 — Lelé — Assim chamada na intimidade, D. Adelaide Siqueira de Amorim, filha de D. Nayá.
3 — Mamãe Zulmira — Sua progenitora, desencarnada em 1940.
4 — Lucíola, Laila e Leny — filhas.
5 — Leônidas com a estima Arlene — Filho e nora.
6 — Lelé, Deus abençoe os seus novos passos. (…) Via em seus gestos as lembranças de São Francisco, a quem você consagrou a existência (…) tenho acompanhado a sua nova missão — Os novos passos aqui citados referem-se às atividades atuais de sua filha — no momento, é diretora administrativa da Maternidade Dona Íris, um dos órgãos das Legionárias do Bem Estar Social de Goiás —, depois que abandonou o hábito religioso e tornou-se espírita. Na época desse fato houve repercussão de sua decisão, tendo o jornal Diário da Manhã, de Goiânia, GO, em sua edição de 31/12/1980, publicado extensa reportagem-entrevista, transcrita pelo Anuário Espírita 1982 (IDE, Araras, SP, pp. 179-183), do qual reproduziremos alguns tópicos:
“Depois de 31 anos de vida monástica, Adelade Siqueira de Amorim, uma freira franciscana conhecida pelo nome de Irmã Nelly, mudou não só de hábito como também de religião, tornando-se espírita.
Durante muitos anos, Irmã Nelly dirigiu o Colégio Santa Clara, sendo talvez a principal responsável pelo ótimo conceito em que esse educandário era tido até há algum tempo, quando geralmente era apontado como um dos melhores de Goiás. Sempre ligada ao magistério, ela tornou-se, depois, diretora do Colégio Coração Imaculado de Maria, de Itaberaí, onde lecionava matérias como português, latim e francês. (…) Pelo relevante trabalho educacional realizado em Itaberaí, GO, a ex-freira Adelaide recebeu os títulos de Cidadania e Benemérita do Ensino em Goiás, do Governo Estadual.
(…) a senhora é, hoje, espírita?
— Se ser espírita kardecista — responde a ex-freira — é servir a Deus nas criaturas, procurá-Lo e vivenciá-Lo nelas; ir ao encontro do Cristo que se apresenta, velado, nos pobres mais pobres, nos corações desesperados e aflitos, nos doentes de corpo e da alma, nos abandonados, desprezados por todos, até por si mesmos; se ser espírita é socorrer os leprosos; se ser espírita é ser presença de Jesus, ter fé, ser apóstolo, perdoar, receber ofensa com humildade, ver nos humildes sua própria inferioridade, renunciar ao próprio gozo em favor do bem comum; se ser espírita é isto, então eu estou tentando tornar-me espírita, que é o mesmo que ser cristã. A Doutrina Espírita é o Evangelho Redivivo, porque o Espiritismo traz de novo as lições de Jesus.”
7 — irmã Filomena a fitar-me de frente. — “Dona Filomena, desencarnada em 1968, foi a senhora que morou com meu pai, Antenor, e lhe deu cinco filhos, antes dele se casar com mamãe. Com o casamento, criou-se uma inimizade entre Filomena e mamãe. Mas; graças a Deus, com o tempo, essa inimizade acabou-se. Antes da desencarnação de Filomena, mamãe sempre a visitava em Pirenópolis. A expressão: “a fitar-me de frente” nos dá a certeza de que houve compreensão e perdão reais.” Informação de D. Lélia.
8 — Antenor — Antenor de Amorim, esposo, desencarnado em 1948. Suas cartas mediúnicas fazem parte do livro Enxugando Lágrimas (Francisco C. Xavier, Elias Barbosa, Espíritos Diversos, IDE, Araras, SP).
9 — Esmeralda Bittencourt — Profa. Esmeralda Campos Bittencourt, amiga, que residia no Rio de Janeiro. Desencarnou em 1963. Organizou quatro livros psicografados por Chico Xavier: Relicário de Luz, Dicionário da Alma, Cartas do Coração e Nosso Livro, conforme depoimento de sua filha Isabel Bittencourt de Souza no livro Luz Bendita (F.C. Xavier, Emmanuel, R.S. Germinhasi, IDEAL, S. Paulo, pp. 45-56). Ramiro Gama, em seu livro Seareiros da Primeira Hora (Ed. ECO, Rio, pp. 70-74) dedica várias páginas à memória da Profa. Esmeralda.
10 — a irmã Olímpia Belém, com quem muitas vezes entrei em contato sobre as crianças que ela tutelava; — Olímpia Gomes de Souza Belém, amiga que residia no Rio de Janeiro. Desencarnada em 1969. Espírita dedicadíssima, fundou, na Tijuca, o Centro Espírita Discípulos de Jesus e um obra assistencial de amparo à menina órfã e abandonada, hoje chamada “Olímpia Belém”. Também foi oradora e escritora, tendo deixado quatro livros publicados, dentre eles dois romances mediúnicos: Jerusa e Dolória. (Ver Anuário Espírita 1980, pp. 147-149; e Personagens do Espiritismo, A. S. Lucena e Paulo A. Godoy, ED. FEESP, S. Paulo.)
11 — Dona Gercina — Amiga, residia em Goiânia e desencarnou em 1976.
12 — Luzia Seabra, de Rio Verde — Amiga, desencarnada em 1964.
13 — Villela — Dr. Villela, genro e médico, desencarnado em 1978.
14 — Alvicto — Alvicto Osoris Nogueira, genro, foi casado com D. Lélia. Desencarnado em 1967, já enviou carta mediúnica à esposa, que integra o livro Enxugando Lágrimas.
15 — irmã Anita — Irmã, desencarnada em 1962.
16 — Madre Otávia e Irmã Rosa Gorda — Freiras amigas do Colégio Santana, da cidade de Goiás, desencarnadas há muitos anos.
17 — Simone — Neta, filha do casal Alvicto e Lélia.
18 — Nayá Siqueira de Amorim — Nascida em 11/9/1896, desencarnou a 5/9/1983.
Hércio Arantes