1 O mundo político e social do Ocidente encontra-se exausto.
Desde as pregações de Pedro, o Eremita, † até a morte do rei Luís IX, n diante de Túnis, acontecimento que colocara um dos derradeiros marcos nas guerras das Cruzadas, as sombras da idade medieval haviam confundido as lições do Evangelho, ensanguentando todas as bandeiras do mundo cristão.
2 Foi depois dessa época, no último quartel do século XIV, que o Senhor desejou realizar uma de suas visitas periódicas à Terra, a fim de observar os progressos de sua doutrina e de seus exemplos no coração dos homens.
Anjos e Tronos formavam-lhe a corte maravilhosa. Dos céus à terra, foi colocado outro símbolo da escada infinita de Jacob, † formado de flores e de estrelas cariciosas, por onde o Cordeiro de Deus transpôs as imensas distâncias, clarificando os caminhos cheios de treva. 3 Mas, se Jesus vinha do coração luminoso das Esferas superiores, trazendo nos olhos misericordiosos a visão dos seus impérios resplandecentes e na alma profunda o ritmo harmonioso dos astros, o planeta terreno apresentava-lhe ainda aqueles mesmos caminhos escuros, cheios da lama da impenitência e do orgulho das criaturas humanas, e repleto dos espinhos da ingratidão e do egoísmo… 4 Embalde procuraram os seus olhos compassivos o ninho doce do seu Evangelho; em vão procurou o Senhor os remanescentes da obra de um de seus últimos enviados à face do orbe terrestre. No coração da Umbria haviam cessado os cânticos de amor e de fraternidade cristã. De Francisco de Assis só haviam ficado as tradições de carinho e de bondade, e os pecados do mundo, como novos lobos de Gúbio, † haviam descido novamente das selvas misteriosas das iniquidades dos homens, roubando-lhes a paz e aniquilando-lhes a vida.
5 — “Helil, — disse a voz suave e mansa do Mestre a um dos seus mensageiros encarregado dos problemas sociológicos da Terra, — meu coração se enche de profunda amargura, vendo a incompreensão das criaturas, no que se refere às lições do meu Evangelho. Por toda parte, é a luta fratricida, como um polvo de infinitos tentáculos, destruindo todas as esperanças; enquanto que recomendei aos homens se amassem como irmãos, vejo-lhes os movimentos impetuosos, aniquilando-se uns aos outros como Cains desvairados…”
6 — “Mas, — replicou o emissário solícito, como se desejasse desfazer a impressão dolorosa e amarga do Mestre, — esses movimentos, Senhor, intensificaram as relações dos povos da Terra, aproximando-se o Oriente e o Ocidente, para aprenderem a lição da solidariedade nessas experiências penosas; novas utilidades da vida foram descobertas; o comércio progrediu além de todas as fronteiras, reunindo as pátrias do orbe. E, sobretudo, devemos considerar que os príncipes cristãos, empreendendo as iniciativas dessa natureza, guardavam a nobre intenção de velar pela paisagem suave dos Lugares Santos.”
7 — “Contudo, — retornou tristemente a voz compassiva do Cordeiro, — qual o lugar da Terra que não é santo? Em todas as partes do mundo, por mais recônditas que sejam, paira a bênção de Deus, convertida na luz e no pão de todas as criaturas. Era preferível que Saladino † guardasse, para sempre todos os poderes temporais da Palestina, a cair um só dos fios de cabelo de um soldado, numa guerra incompreensível por minha causa, que, em todos os tempos, deve ser a do amor e da fraternidade universal.”
8 E, como se a sua visão devassasse todos os mistérios do porvir, continuou a falar:
— “Infelizmente, não vejo senão o caminho do sofrimento para modificar tão desoladora situação… Aos feudos de agora, seguir-se-ão as coroas poderosas e, depois dessa concentração de autoridade e de poder serão os embates da ambição e da carnificina, da inveja e da felonia, pelo estabelecimento do mais forte…”
9 A amargura divina empolgara toda a formosa assembleia de querubins e de arcanjos. Foi quando Helil, para renovar a impressão ambiente, dirigiu-se a Jesus com brandura e humildade:
— “Senhor, se esses povos infelizes, que procurarão na grandeza material uma felicidade impossível, marcham irremediavelmente para os grandes infortúnios coletivos, visitemos os continentes ignorados, onde espíritos jovens e simples aguardam a semente de uma vida nova. Nessas terras, para além dos grandes oceanos, poderíeis instalar o pensamento cristão, dentro das doutrinas do amor e da liberdade.”
10 E a caravana fulgurante, deixando um rastro de luz nas imensidades dos espaços, encaminhou-se ao continente que seria, mais tarde, o mundo americano.
O Senhor abençoou aquelas matas virgens e misteriosas. Enquanto as aves homenageavam-lhe a inefável presença com seu cântico harmonioso, as flores inclinavam-se nas árvores ciclópicas, aromatizando-lhe os eterizados caminhos. O perfume do mar casava-se ao oxigênio agreste da selva bravia, impregnando todas as coisas de um elemento de força desconhecida. No solo, eram os silvícolas humildes e simples, aguardando uma era nova, com o seu largo potencial de energia e de bondade.
11 Cheio de esperanças, emociona-se o coração do Mestre, contemplando a beleza do sublimado espetáculo.
— “Helil, — perguntou ele, — onde fica, nestas terras novas, o recanto planetário do qual se enxerga, no infinito, o símbolo da redenção humana?
— “Esse lugar de suaves encantos, Mestre, de onde se vê do mundo as homenagens dos céus aos vossos martírios na Terra, fica mais para o sul.”
12 E, quando no seio da paisagem repleta de aroma e de melodia, contemplavam as almas santificadas dos orbes felizes, na presença do Cordeiro, as maravilhas daquela terra nova, que seria mais tarde o Brasil, desenhou-se no firmamento, formado de estrelas maravilhosas, no jardim das constelações de Deus, o mais suave de todos os símbolos.
13 Mãos erguidas para o Alto, como se invocasse a bênção de seu Pai para todos os elementos daquele solo extraordinário e bendito, exclama então Jesus:
— “Para esta terra maravilhosa e bendita será transplantada a árvore do meu Evangelho de piedade e de amor. No seu solo dadivoso e fertilíssimo, todos os povos da Terra aprenderão a lei da fraternidade universal. Sob estes céus serão entoadas as hosanas mais doces à misericórdia do Pai Celestial… 14 Tu, Helil, serás corporificado na Terra, no seio do povo mais pobre e mais trabalhador do Ocidente; instituirás um roteiro de coragem, para que sejam transpostas as imensidades desses oceanos perigosos e solitários, que separam o velho do novo mundo… Instalaremos aqui uma tenda de trabalho para a nação mais humilde da Europa, glorificando os seus esforços na oficina de Deus. 15 Aproveitaremos o elemento simples de bondade, o coração fraternal dos habitantes destas terras novas, e, mais tarde, ordenarei a reencarnação de muitos Espíritos já purificados no sentimento da humildade e da brandura, entre as raças oprimidas e sofredoras das regiões africanas, para formarmos o pedestal de solidariedade desse povo fraterno que aqui florescerá, no futuro, a fim de exaltar o meu Evangelho, nos séculos gloriosos do porvir… Aqui, Helil, sob a luz misericordiosa das estrelas da cruz, ficará localizado o Coração do Mundo!…”
16 E, consoante a vontade piedosa do Senhor, todas as suas ordens foram cumpridas integralmente.
Daí a alguns anos, o seu mensageiro se estabelecia na Terra, em 1394, como filho de D. João I † e de D. Filipa de Lancastre, † e foi o heroico Infante de Sagres, † que operou a renovação das energias portuguesas, expandindo as suas possibilidades realizadoras para além dos mares. 17 O elemento indígena foi chamado a colaborar na edificação da pátria nova; almas bem-aventuradas pelas suas renúncias corporificaram-se nas costas da África, flagelada e oprimida, e, juntas a outros Espíritos em prova, formaram a falange abnegada que veio escrever na Terra de Santa Cruz, com os seus sacrifícios e com os seus sofrimentos, um dos mais belos poemas da raça negra em favor da humanidade.
18 Foi por isso que o Brasil, onde confraternizam hoje todos os povos da Terra e onde será modelada a obra imortal do Evangelho do Cristo, muito antes do Tratado de Tordesilhas † que veio fixar as balizas das possessões espanholas, trazia já, nos seus contornos, a forma geográfica do coração do mundo.
Humberto de Campos
(Irmão X)
[1] [No original impresso “Luís XI”, provável erro na composição da 1ª edição impressa.]