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1 Dei-te um berço de rendas e de flores,
Adorei-te por nume excelso e amigo
E inclinei-te, meu filho, a ser comigo
Soberano de sonhos tentadores.
2 Ordenava, no orgulho que maldigo:
— “Não te curves nem sirvas, onde fores…” n
Entreguei-te mentiras por louvores
E enganosa fortuna por abrigo.
3 Hoje, de alma surpresa, torno a casa;
Tremo ao ver-te no luxo que te arrasa,
Como quem dorme em trágico veneno!
4 E choro, filho meu, choro vencida,
Por guardar-te entre os grandes toda a vida,
Sem jamais ensinar-te a ser pequeno.
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1 Perdoa-me a loucura, pobre filha,
Entreguei-te ao salão, inerme criança, n
E ao dizer-te: — “repousa, folga e dança”,
Envolvi-te em meu logro, de partilha…
2 Contemplo-te a bailar… O palco brilha…
És volúpia, beleza, intemperança…
Escuto em prece o aplauso que te alcança
E lamento a vitória que te humilha…
3 Ah! minha triste pérola perdida,
Novamente daria sonho e vida
Para furtar-te ao fogo em que te abrasas!
4 Mas tudo agora é a mágoa que me entrega
À imensa dor de ver-te rica e cega,
Mariposa queimando as próprias asas!…
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1 Asserena-te e vara a desventura
No caminho de dor, áspero e azedo;
Serenidade — o lúcido segredo
Em que a vida se eleva e transfigura.
2 Tudo cresce na força da brandura.
A água desgasta os punhos do rochedo;
Olha a chuva cantando no arvoredo,
A transfundir-se em pão, bondosa e pura.
3 De coração batido e lodo à face,
Inda que o fel da injúria te traspasse,
Semeia o bem que as mágoas alivia…
4 Mesmo trazendo o peito por cratera,
Suporta, ampara e crê, ajuda e espera,
Que amanhã será sempre novo dia.
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[1] ANDRADINA América DE Andrada e OLIVEIRA — Poetisa, contista, romancista, iniciou sua vida literária, quase menina, conforme afirma sua filha Lola de Oliveira em Minha Mãe!, escrevendo em inúmeros periódicos sul-riograndenses. Foi também teatróloga e aplaudida conferencista. Professora pela Escola Normal de Porto Alegre, com distinção em todas as matérias, a poetisa de Folhas Mortas lecionou em cursos particulares, em várias cidades gaúchas, depois de nove anos dedicados ao magistério público. Fundou um jornal literário feminino, O Escrínio, mais tarde transformado em revista ilustrada, e formou, segundo Antônio Carlos Machado, entre as maiores feministas brasileiras de sua época. De 1920 até à sua desencarnação, residiu na capital paulista. (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 12 de Junho de 1878 — S. Paulo, 19 de Junho de 1935.)
BIBLIOGRAFIA: Folhas Mortas; Preludiando, contos ; Cruz de Pérolas, contos; etc.
[2] Verso 6 - onde. Cf. nota nº 72, pág. 141.
[3] Verso 16 - Ler com sinérese: crian-ça.