1 O Espírito de Luz desce à noite umbralina…
Doce nume a lenir as feridas da furna,
Escuta um malfeitor de face taciturna,
Que a estorcer-se, mordaz, acusa e desatina.
2 Anjo à frente de um monstro… A compaixão divina
Oferta ao frio e à sombra o bem por flâmea urna. n
Rende-se a fera humana e conta, em voz soturna,
A história de si mesmo, expondo a senda em ruína…
3 Amaldiçoava o pai que outrora lhe trouxera
A riqueza e o prazer em dourada quimera, n
Sem jamais dar-lhe amor ao peito maltrapilho…
4 Cala-se… O benfeitor beija-lhe o férreo pulso n
E cai-lhe, humilde, aos pés, sob pranto convulso…
O emissário dos Céus achara o próprio filho.
|
José Júlio da SILVA RAMOS — Emérito professor de Português do Colégio Pedro II, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira nº 37, prosador primoroso e poeta lírico de profunda inspiração, Silva Ramos fez o curso de Direito na Universidade de Coimbra. Filólogo dos mais eminentes, soube influenciar Espíritos de escol quais Antenor Nascentes, Manuel Bandeira e Sousa da Silveira. Colaborou em diversas publicações, como A Semana, Revista da Academia Brasileira de Letras, Renascença, etc. “A magnanimidade de Silva Ramos” — disse Alcântara Machado — “é atestada não por este ou aquele capítulo, mas por todas as páginas da sua existência.” (Recife, Pernambuco, 6 de Março de 1853 — Rio de Janeiro, Gb, 16 de Dezembro de 1930.)
BIBLIOGRAFIA: Adejos; Pela Vida Fora; A Reforma Ortográfica; Centenário de João de Deus, conferência; etc.
[1] As poesias de números ímpares foram recebidas pelo médium Francisco Cândido Xavier e as de números pares pelo médium Waldo Vieira. Dispomo-las assim, por sugestão dos Amigos Espirituais.
[2] Leia-se com a, numa sílaba (Ectlipse).
[3] 29-30. doirada. Tendo usado a forma ouro no 1º verso, é natural que o filólogo e poeta, no 2º verso, preferisse a forma doirada, fazendo que os versos se tornassem mais eufônicos. A propósito, cf. uma observação de Garrett, em Camões citada por Sousa da Silveira, Trechos Seletos, pág. 433.
[4] 39-41. Leia-se ca-viar e ca-sua-ri-nas, com sinérese.
[5] Atente-se na epanástrofe: “…era a morte, e a morte…”
[6] Leia-se com hiato: flâ/me/a ur/na.
[7] dourada. Cf. a nota aos versos 29-30 deste capítulo.
[8] Observe-se a aposiopese : “Cala-se…”