1 Como o dia ao findar, o decesso não trunca
O poder do ideal e a corrente da vida…
Nem ancinho a morder, nem mão em garra adunca…
A morte? Apenas sonho embalando a partida…
2 Se o caminho em que vais é trilha que se junca
De farpas, lama e fel, sem clareira ou saída,
Sê compaixão somente e não sentirás nunca
A sombra da tristeza ou a esperança perdida.
3 Se a agonia envenena o pranto de teus olhos,
Qual rocio letal no lodo que te banha,
Não te fira a visão de tremedais e abrolhos.
4 O amor é como o sol ante o charco profundo…
Amando, entenderás que a dor mais rude e estranha
É sempre a Lei de Deus que se move no mundo… n
|
1 Eis o tempo que passa… Um juiz onde fores,
Espírito da Lei que a tudo envolve e doma.
Ontem, do Nilo em festa à grandeza de Roma,
Era a glória do mundo em cinzas e esplendores.
2 Hoje, carro triunfal dos sonhos redentores,
Em que a bênção do dia é celeste redoma,
Onde a vida se alteia e, pura, se retoma
Para erguer-te a alegria e suprimir-te as dores.
3 Amanhã será sol em pleno trilho escuro,
Almenara de amor a indicar-te o futuro
No horizonte da paz, onde a esperança mora.
4 Mas do tempo que é sombra, anseio, plano e anelo,
Nos caminhos do Tempo, eis que o Tempo mais belo
É o momento imortal que chamamos “agora”.
|
1 E um dia chegará, de segundo a segundo,
A vitória imortal… Tiranias ultrizes
Dobrarão para sempre as trágicas cervizes
Ante o reino do amor a espraiar-se, fecundo!
2 A impiedade revel, o ódio a rir-se iracundo, n
A usura de Harpagão e o gládio de Cambises
Serão restos crostais de velhas cicatrizes,
Temerárias lições no semblante do mundo!
3 Não mais fome ou nudez… O arado, a escola e o malho
Entoarão sobre a Terra as canções do trabalho
Em trompas e clarins de concerto bendito!
4 E os homens, céus além, ao tato incontroverso,
Descobrirão, por fim, nos portais do Universo,
A bússola de Deus no timão do Infinito!
|
[1] ALCEU de Freitas WAMOSY — Poeta e jornalista, A. Wamosy trabalhou ativamente na imprensa, principalmente depois que fixou residência em Livramento, tendo sido diretor de O Republicano. Patrono da cadeira nº 40, na Academia Sul-Riograndense de Letras. Sua poesia é essencialmente subjetiva, com impressões de vida interior. Prefaciando-lhe a obra póstuma Poesias, Mansueto Bernardi afirmou: “Alma de eleição, um dos mais finos temperamentos artísticos do Rio Grande, uma das belas vozes da poesia, no Brasil.” E mais adiante, observava: “Ao mesmo tempo que o pensamento do amor, o pensamento da morte o acompanha sempre. (… ) Foram eles, por assim dizer, o amor e a morte, assim como a luz e a sombra dos seus olhos, o mel e a cicuta dos seus lábios, a sístole e a diástole do seu coração.” (Uruguaiana, Rio Grande do Sul, 14 de Fevereiro de 1895 — Livramento, Rio Grande do Sul, 13 de Setembro de 1923.)
BIBLIOGRAFIA: Na Terra Virgem; Coroa de Sonhos; etc.
[2] Verso 14 - Este soneto é, sem dúvida, uma resposta ao poema que Alceu Wamosy escreveu pouco antes de sua desencarnação, “Idealizando a Morte” (apud Col. Poetas Sul-Riogr., pág. 302), do qual vamos transcrever o último quarteto, grifando as rimas que se repetem no soneto de hoje:
“E morrer… e levar com a vida que se trunca,
Tudo que de doçura e amargor teve a vida:
O sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida,
E o segredo de amor, que eu não te disse nunca!”
[3] Verso 33 - Leia-se com sinérese: im-pie-da-de.