1 Rojando em tudo a peste aos guinchos aziagos,
Tragando força e vida em torturas severas,
Lêmures, avejões, harpias, manes, dragos, n
Mostram gestos de gana, urram quais loucas feras!…
2 Trasgos de olhares vis, disformes, feios, gagos,
Quais monstros em tropéis, ontem foram, deveras,
Homens que agora são abantesmas e magos,
Mulheres que hoje são vampiros e megeras!…
3 Parcas, bruxas, lusbéis, hidras que fazem ágoras; n
Larvas, serpes, tritões envoltos em mandrágoras;
Demos que vêm e vão em funestos reclamos!… n
4 Tais formas e visões, frutos de nossas mentes,
Morrem sempre igual sombra exposta a sóis ardentes,
Ao vencermos o mal que nós mesmos criamos!… n
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1 Contempla o campo agreste… Eis a tela soturna
Do imenso chapadão a perder-se de vista…
Mas se tudo é deserto e tristeza na crista, n
Sob a terra que dorme, a semente se enfurna.
2 Da cova pequenina, improvisada urna, n
Anônima e largada à lama que a contrista,
A árvore nasce ao sol com beleza imprevista,
Vencendo a expectação da gleba taciturna…
3 Ausculta, assim também, a solidão da lousa…
Nem fala que a revele ou força que a transporte…
Tudo aparente inércia ao lodo em que se olvida!
4 Entanto, à plena sombra, em que a cinza repousa,
Onde se junge o caos à escuridão da morte,
Emerge, soberana, a excelência da vida… n
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[1] FÁBIO MONTENEGRO — Como poeta, colaborou na imprensa santista e paulistana, tendo sido um dos redatores da revista O Verso, escrita toda em versos, inclusive os anúncios. É patrono de uma das cadeiras da Academia Santista de Letras. A seu respeito diz Fernando Góes (Pan. V, pág. 157): “Seus versos traem, a todo instante, a preocupação da forma, que ele próprio confessa, mais de uma vez, desejar seja impecável.” E S. Galeão Coutinho, no seu prefácio a Flâmulas, pág. 12, escreveu: “O verso foi para ele o palácio encantado onde se isolava para entregar-se a orgias maravilhosas de sons e coloridos.” (Santos, Est. de S. Paulo, 28 de Maio de 1891 — Santos, 21 de Agosto de 1920.)
BIBLIOGRAFIA: Jornada Lírica; Flâmulas; etc.
[2] Verso 3 - Enumeração.
[3] Verso 9 - Cf. nota anterior (nº 3).
[4] Verso 11 - Demo: “Demônio; pessoa turbulenta ou astuciosa”.
Obs.: Tomem-se as palavras demônio, Lúcifer e outras que tais com o significado de Espíritos, nossos irmãos, que permanecem temporariamente nos círculos da ignorância, Espíritos esses, no entanto, que, um dia, se voltarão para o Eterno Bem.
[5] Verso 14 - Dos diversos aedos que nos trouxeram notificas do Umbral, nesta Antologia nenhum talvez tenha alcançado tanto realismo nas descrições quanto F. Montenegro, nestes perfeitos alexandrinos. E o mais importante é que, depois de fazer um inventário completo de todo o museu, fecha o soneto com chave de ouro, afirmando que “Tais formas e visões, frutos de nossas mentes,/ Morrem sempre igual sombra exposta a sóis ardentes,/ Ao vencermos o mal que nós mesmos criamos!…”
[6] Verso 17 - Aliteração em t.
[7] Verso 19 - Leia-se com hiato: “…improvisada/ ur/na.”
[8] Verso 28 - Não obstante o poeta em algumas de suas composições, tais como “Introspecção” e “A um descrente”, deixe transparecer, pelo menos intuitivamente, ideias reencarnacionistas, pedimos vênia para transcrever-lhe, aqui, o soneto “A Árvore” (apud Pan. V, págs. 157-158), escrito por ele quando se achava no Plano Físico a fim de comprovar que “Nem tudo é silêncio” revela a preocupação do poeta de desfazer a ideia negativa que existe em “A Árvore”:
“Hirta, negra, espectral, chora talvez. Responde
Seu próprio choro à voz do vento que a fustiga,
Ela que ao sol floriu, floriu às chuvas, onde
A paz é santa, o campo é doce, a noite é amiga…
Essa que esconde a chaga, essa que a história esconde,
Que conhece a bonança e a borrasca inimiga,
Já foi flor, foi semente, e, sendo arbusto, a fronde
Ergueu para a amplidão às aves e à cantiga.
Que infinita tristeza o fim da vida encerra
A quem já pompeou do Sol na própria luz.
As flores para o céu e a sombra para a terra!
Foi semente, brotou… Árvore transformada,
Sorriu em cada flor; e hoje, de galhos nus,
Velha, aguarda a tortura estúpida do nada!”