1 Desde o astro primeiro exposto à Imensidade,
Na pauta da grandeza, o Regente Divino,
Num misto de beleza, alegria e bondade,
Fez os mundos e os sóis como notas de um hino.
2 Deu tons ao vento agreste e fala à tempestade, n
Rumor ao fogo estranho e voz ao mar leonino…
A eterna melodia a tudo atinge, invade
E sonoriza a paz nas claves do destino.
3 Mas o homem, só ele, era mudo e expectante… n
Eis, porém, que o Criador premiu-lhe a fonte inculta
E o pêndulo da vida inflou-lhe o peito arfante.
4 Se a dor te envolve o passo em sombra malfazeja,
Sente Deus em ti mesmo e, em prece viva, ausculta
O ritmo do amor que o coração harpeja!…
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EUGÊNIO Júlio SAVARD de Saint-Brisson — Poeta espontâneo, de vastos recursos e profunda emotividade, “caráter bondoso e coração terno”, Eugênio Savard bem cedo encontrou o termo de uma existência de desventura e sofrimento. Matriculando-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, não pôde terminar os estudos, por falta de recursos e em razão de seu precário estado de saúde. Grave neurastenia tomou conta do seu organismo, já debilitado pelo trabalho excessivo. Em busca de alívio aos padecimentos, esteve em Portugal, onde fez amizade com o brilhante orador e poeta português Silva Gonçalves, que escreveu, em memória de E. Savard, o livro Perpétuas e Goivos, no qual, apreciando o vate brasileiro pelo seu merecimento literário, pôs em destaque “as suas qualidades poéticas, o seu fino temperamento artístico, os requintes de cinzelamento, com que aprimorava a forma, e o sentir, que fazia transparecer nas suas composições” (apud Asas, página 8 da 2ª parte — “Juízo sobre Eugênio Savard”). O primoroso autor do soneto “Camões naufragado em Cambodge” foi igualmente músico, “delicioso compositor e ardente entusiasta de Verdi” (idem, ibidem, pág. 24). (Estado do Rio, 13 de Novembro de 1865 — Niterói, Est. do Rio, 1º de Dezembro de 1899.)
BIBLIOGRAFIA: Asas; dois poemetos: Serenata e O Espectro; etc.
Nota ao soneto “Sim!…”: Transcrevamos de “Dois Crepúsculos” (apud Asas, 2ª Parte, pág. 22) o último terceto, que nos parece haver suscitado este inimitável “Sim!… Senão vejamos:
“Dormes tranquila, natureza, certa
De que te acordas na manhã seguinte:
E a vida… nunca, nunca mais desperta!”
Digno de nota, no soneto “Sim!…, a virtuosidade do poeta. Com efeito, todos os versos são acentuados na 3ª, 6ª, 9ª e 12ª sílabas, ou seja, com ND (números distributivos) 3-6-9-12 e NR (número representativo) 3, 3, 3, 3.
[1] A aliteração em s sugere, com efeito, que as barcaças airosas singram mares do Cosmo.
[2] Leia-se com hiato: sin/to/ ân/sias.
[3] Duas leituras para este verso: a) Sim!/ Meu/ cor/po/ vi/via i/nun/da/do/ de/ al/ma; b) Sim!/ Meu/ cor/po/ vi/via/ i/nun/da/do/ de al/ma.
[4] Todos os verbos deste quarteto caracterizam-se por vigorosa expressão: “embuçar o horizonte”. “explodir ansiedade”, “escrevendo com luz”, “estrondeia o tambor do trovão”. Observe-se, ainda, a aliteração em t e tr.
[5] Hipérbole: rugir por mil bocas de fonte.
[6] Note-se o adensamento da ação verbal, pela sucessão de três verbos: “Verte, foge e me impele à oração da saudade…”
[7] Usando da figura poética — diástole ou alongamento (Ancípite), o poeta escreveu exul.
[8] Leia-se reen/con/trei, com sinérese.
[9] Novamente, aliteração em t.
[10] Ler assim este verso: “Mas/ o/ ho/mem/ só/ e/le e/ ra/ mu/do e ex/pec/tan/te.”