1 Natal! Grande bolo à mesa
A árvore linda em festa. n
O brilho da noite empresta
Regozijo ao coração…
É como se a Natureza
Trouxesse Belém de novo
Para os júbilos do povo
Em doce fulguração.
2 Tudo é bênção que se enflora,
De envolta na melodia
Da luminosa alegria
Que te beija e segue além…
Mas se reparas, lá fora,
O quadro que tumultua,
Verás quem passa na rua
Sem ânimo e sem ninguém. n
3 Contemplarás pequeninos
De faces agoniadas,
Pobres mães desesperadas,
Doentes em chaga e dor…
E, ajudando aos peregrinos
Da esperança quase morta,
Talvez enxergues à porta
O Mestre pedindo amor.
4 É sim!… É Jesus que volta
Entre os pedestres sem nome,
Dando pão a quem tem fome,
Luz às trevas, roupa aos nus!
Anjo dos Céus sem escolta,
Embora a expressão serena,
Tem nas mãos com que te acena
Os tristes sinais da cruz.
5 Natal! Reparte o carinho
Que te envolve a noite santa.
Veste, alimenta e levanta.
O companheiro a chorar.
E, na glória do caminho
Dos teus gestos redentores,
Recorda por onde fores
Que o Cristo nasceu sem lar.
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1 Esse pequeno sozinho,
À noite, no pó da estrada,
De roupa suja e rasgada,
Que passa pedindo pão, n
É um anjo pobre a caminho,
Sob inocente amargura…
Pássaro triste à procura
De ninho e consolação.
2 Criança desconhecida…
Dormirá? Quem sabe onde?… n
É órfão?… Ninguém responde.
Aceita o que se lhe dê.
Quantas mágoas tem na vida,
Quanta miséria a consome,
Quanto anseio, quanta fome, n
Ninguém sabe, ninguém vê…
3 Nunca lhe atires ao lado
Qualquer palavra ferina…
Socorre, ampara, ilumina
Em nome do Eterno Bem,
Que esse menino exilado,
Sem lar e sem companhia, n
Se o Céu quisesse podia n
Ser teu filhinho também!
4 Encoraja-lhe a esperança,
Envolve-o no teu sorriso
E sentirás, de improviso,
A bênção de doce luz!
É que no amor da criança,
Que te agradece o carinho,
Receberás, de mansinho,
A gratidão de Jesus!
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1 Não julgues o companheiro
Por desumano e insensato
Porque te não busque o trato,
Nas rosas de teu jardim.
Entende, ampara primeiro…
Não digas, em contrassenso:
— “Decerto, isso é como eu penso,
Deve aquilo ser assim…”
2 Muita vez, quem vai ausente,
Do conforto que te afaga,
Mostra o peito aberto em chaga,
A golpes de provação.
E enquanto o Céu te consente
A paz das horas seguras,
O pobre irmão que censuras
Traz fogo no coração.
3 De outras vezes, quem se isola,
Longe de falas e festas,
Não tem o mal que lhe emprestas,
Nem delibera fugir.
Apenas vive na escola
Do dever e da constância,
E se respira, a distância,
É para melhor servir.
4 Não vasculhes lodo e jaça,
Mirando a alheia conduta.
Quase sempre há dor e luta
Onde vês passo infiel. n
Frequentemente, na taça
Que aparenta vinho oculto,
O pranto cresce de vulto,
Tisnado de angústia e fel.
5 Se ensinas a caridade,
Ouve Jesus que nos chama!
Não guardes vinagre e lama
Sob a fé que te conduz.
Acende a luz da bondade,
Porquanto também um dia
Mendigarás simpatia
Nas sombras da própria cruz!
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1 Recebe a provação de alma serena.
Desculpa todo golpe que te doa.
Guarda contigo a paz singela e boa,
Inda mesmo ante a voz que te condena.
2 Tudo no mundo é caridade plena.
A fonte beija a pedra que a magoa
A estrela mostra o brilho na lagoa.
A rosa enfeita o acúleo que envenena.
3 A árvore esquece o vento que a desnuda.
A Terra inteira serve, humilde e muda.
A chuva desce ao bojo da cisterna…
4 Perdoa e quebrarás grilhões e algemas,
Buscando, enfim, as vastidões supremas
Para a glória do amor na vida eterna.
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1 Escuta serenamente
Quem te repele ou censura.
Há muito fel de amargura,
Em forma de maldição.
Às vezes quem te maltrata
Arrasta apenas consigo
Sede, fome e desabrigo
Por brasas no coração.
2 Quem te injuria e escarnece,
Na frase agressiva, azeda,
Em si sofre a labareda
Que verte do próprio mal.
Toda cólera é doença.
Aquele que se enraivece
Solicita o pão e a prece
Do socorro fraternal.
3 Muita gente cai nas trevas,
Por não achar, no caminho,
Brandura, silêncio e ninho,
No peito amigo de alguém.
Inda que ofensas te cubram
E lâminas te retalhem,
Que as tuas forças não falhem
Na força que espalha o bem.
4 Desculpa, constantemente,
O golpe, a pedrada, o insulto,
Apesar do pranto oculto,
Amargo, desolador!
Quem tolera e quem perdoa, n
Embora de alma ferida,
Encontra, na própria vida,
O reino do Eterno Amor.
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1 Deus te abençoe o gesto de carinho,
Alma da caridade, branda e pura,
Pela migalha de ventura
Aos tristes do caminho.
2 Deus te abençoe a refeição sem nome
Que trazes, cada dia,
Aos cansados viajores da agonia n
Que esmorecem de fome.
3 Deus te abençoe a roupa restaurada
Com que vestes, contente,
A penosa nudez de tanta gente
Que vagueia na estrada!…
4 Deus te abençoe a bolsa de esperança
Que abres, a sós, sem que ninguém te espreite,
Para a gota de leite
Destinada à criança…
5 Deus te abençoe o pano do lençol
Com que envolves, em doce cobertura,
Os enfermos que choram de amargura,
À distância do sol.
6 Deus te abençoe, por onde fores,
E te conserve as luzes
Em que extingues, removes ou reduzes
Os problemas, as lágrimas e as dores!
7 Deus te abençoe a fala humilde e santa, n
Com que aplacas a ira n
Da calúnia, do escárnio, da mentira,
Na frase que perdoa e que levanta.
8 Caridade, que o teu nome ressoe,
Pleno de amor profundo,
E por tudo o que fazes neste mundo,
Deus te guarde e abençoe!…
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[1] IRENE Ferreira de SOUSA PINTO — Poetisa de fino talento e bela inspiração. A seu respeito, diz Enéas de Moura (Colet. Poetas Paul., pág. 97): “Começou seus estudos no Colégio Florence, de Jundiaí, e os terminou no Sion, de São Paulo. Colaborou na Revista Feminina; foi a criadora das crônicas sociais do Correio Paulistano.” Contista, escreveu na Feira Literária, e em 1921 estreava como romancista, publicando Rosa Maria. No Cemitério da Consolação, de S. Paulo, os filhos da poetisa erigiram-lhe um túmulo, onde gravaram o belíssimo soneto “Último Desejo”, de autoria dela. (Amparo, Estado de São Paulo, 8 de Abril de 1887 — Rio de Janeiro, Gb, 21 de Maio de 1944.)
BIBLIOGRAFIA: Primeiro Voo; Gorjeios; O Tutor de Célia, contos; etc.
[2] Verso 2 - Leia-se com hiato: A/ ár/vo/re.
[3] Verso 16 - Cf. nota nº 2, pág. 36.
[4] Verso 44 - Aliteração em p.
[5] Versos 50-51 - Ler com hiato: sa/be/ on/de e, no verso seguinte É/ ór/fão.
[6] Verso 55 - Poliptoto: “Quantas…/Quanta…/ Quanto…”
[7] Verso 62 - Cf. nota nº 2, pág. 36.
[8] Verso 63 - “Se o Céu quisesse podia.” Entenda-se: se a Espiritualidade Maior indicasse…
[9] Verso 102 - Leia-se in-fi-el, com diérese.
[10] Verso 155 - Epímone — Cf. 1ª nota do cap. 3 da 1ª Parte.
[11] Verso 165 - Ler via-jo-res, com sinérese.
[12] Verso 183 - Note-se a mestria com que a poetisa se serve do cólon “Deus te abençoe…”. — Cólon: “Expressão usada pelos preceptistas gregos para designar um MEMBRO MÉTRICO qualquer, repetido no poema sempre com as características métricas e rítmicas, …” (Geir Campos, Op. cit.)
[13] Verso 184 - Ler com hiato: Com/ que a/pla/cas/ a/ i/ra.
[14] [Essa é a 2ª lição do livro “Antologia Mediúnica do Natal”, editado pela FEB em 1966.]