1 Há séculos, num carro de esplendores,
Minha vida era a angústia de outras vidas,
Estraçalhava multidões vencidas,
Coroado de púrpura e de flores.
2 Depois… a morte, os longos amargores… n
Depois ainda… a volta a novas lidas,
O berço pobre, o manto de feridas,
A solidão e os prantos redentores. n
3 Volve do rei antigo um réu que espanta,
E o Senhor concedeu-me a lepra santa
Para cobrir-me em chagas benfazejas!…
4 Mas, hoje, livre enfim de toda algema,
Posso saudar a dor justa e suprema:
— Emissária da luz, bendita sejas!…
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[1] JESUS GONÇALVES — Poeta, jornalista e teatrólogo. Filho de pais pobres, só à custa de muito trabalho e esforço próprio conseguiu ocupar o cargo de tesoureiro na Prefeitura Municipal de Bauru. Inteligente e estudioso, fez parte da redação do Correio da Noroeste, da mesma cidade. Por volta de 1930, ao saber-se portador do mal de Hansen, abandonou aqueles cargos. Internando-se no Asilo Colônia de Aimorés, prestou ativa e ampla colaboração às autoridades do Sanatório e aos companheiros de infortúnio. Transferido, em 1937, para o Asilo Colônia de Pirapitingui, aí construiu e dirigiu um Centro Espírita, que, a seu tempo, constituía autêntico oásis de paz para quantos ali se encontravam agrilhoados ao carro da provação. Sua vida, como ele mesmo o afirmou (Flores de Outono, pág. 7), “está dividida em duas etapas, — a do homem comum, sem objetivo além da morte, e a do homem espírita-cristão, que já viu os clarões da aurora boreal da imortalidade”. Não obstante coberto pelo manto da lepra redentora, o poeta de “Uma Vida” soube alimentar a esperança, confiante na Providência. (Borebi, Est. de S. Paulo, 12 de Julho de 1902 — Asilo Colônia Pirapitingui, Est. de S. Paulo, 16 de Fevereiro de 1947.)
BIBLIOGRAFIA: Flores de Outono.
[2] Verso 5 - Cf. nota nº 1, pág. 44.
[3] Verso 8 - Cf. nota nº 4-11, pág. 58.