I
1 As paredes da casa em vão procuro,
Quero dizer adeus e não consigo…
Vejo apenas o vulto amargo e amigo n
Da morte que me estende o manto escuro.
2 Choro a estirar-me, trêmulo, inseguro;
O leito ensaia a pedra do jazigo…
Padeço, clamo e indago a sós comigo,
Qual pássaro que tomba contra um muro.
3 A névoa espessa enreda o corpo langue.
É o terrível crepúsculo do sangue
Que me tinge de sombra os olhos baços;
4 Mas surge alguém, no caos que me entontece,
É minha mãe, que alonga as mãos em prece,
Doce estrela brilhando nos meus braços!…
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II
1 Ave que torna, em chaga, ao brando ninho, n
Ouço divina música na sala,
É a sua voz celeste que me embala,
Motes do lar que tornam de mansinho.
2 Ergo-me agora… O corpo é o pelourinho n
De que me desvencilho por beijá-la…
“Mãe! Minha Mãe!…” — suspiro, erguendo a fala, n
A soluçar de júbilo e carinho.
3 — “Dorme, filho querido! Dorme e sonha!…” n
Nossa velha canção terna e risonha
Regressa com beleza indefinida…
4 Tomo-lhe os braços em que me acrisolo
E durmo novamente no seu colo
Para acordar no berço de outra vida.
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[1] CARLOS Dias FERNANDES — Jornalista, romancista, poeta, crítico, autor dramático, Carlos D. Fernandes residiu em várias cidades e, por onde passava, era temido por sua combatividade característica. Esteve no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Pará, no Recife. De sua vida nesta última cidade, onde se formou em Direito, Gilberto Amado, em Minha Formação no Recife, dá-nos fiel descrição do poeta. Como redator, ou colaborador, escreveu em inúmeros jornais e revistas. Amigo dos mais calorosos de Cruz e Souza, participou do movimento da Rosa-Cruz e da Meridional, segundo informações que colhemos em A. Muricy (Pan. Mov. Simb. Bras., II, pág. 195). (Mamanguape, Paraíba, 20 de Setembro de 1875 — Rio de Janeiro, Gb, 9 de Dezembro de 1942.)
BIBLIOGRAFIA: Solaus; Vanitas Vanitatum; Livro das Parcas; Terra da Promissão; etc.
[2] Verso 3 - Note-se o efeito expressional resultante da aproximação de amargo e amigo.
[3] Verso 15 - Há leve semelhança deste soneto com “Volta à Casa Paterna” de Luís Guimarães Júnior. Todavia, aqui o poeta consegue receber, em generosas manifestações de carinho, as vibrações de coragem do amor materno, que lhe aconselha dormir e sonhar para, em breve, “acordar no berço de outra vida.”
[4] Verso 19 - Cf. nota nº 1, pág. 44.
[5] Verso 21 - Cf. nota nº 7, pág. 42.
[6] Verso 23 - Cf. nota nº 2, pág. 36.