1 Recebi sua pergunta,
Meu caro Tito Belém,
Sobre os momentos primeiros
De nossa vida no Além.
2 A pergunta é pequenina,
No assunto como se aponta.
Mas a resposta, a rigor,
Seria livros sem conta.
3 A morte é assim, qual a vida:
Renovação sem atraso…
Cada vida — nova história,
Cada morte — novo caso.
4 Embora o pouco que diga
Naquilo que eu não sabia,
Posso falar, de algum modo,
Sem muita filosofia.
5 Entre os que deixam a Terra,
Vê-se enorme diferença;
Cada pessoa que parte
Está naquilo que pensa.
6 Quem viveu para o trabalho,
Sempre em serviço constante,
Estudando e construindo,
Não para, segue adiante…
7 Entretanto, a maioria
Continua, muitas vezes,
Nos caprichos preferidos,
Por muitos e muitos meses.
8 Recorde nessa matéria,
O nosso amigo João Pio:
Morreu no abuso da pesca
E vive à beira do rio.
9 Anita do apego aos ouros,
No Roçado das Giboias,
Sem corpo vive atracada
Em velha caixa de joias.
10 Finou-se em brasas da ira,
O nosso Adálio Godinho.
Hoje, é um fantasma de casa,
Gesticulando sozinho.
11 Morreu apostando em bichos
O nosso Cecílio Luz.
Desencarnado ele clama
Por touro, cabra e avestruz…
12 Atarracado à cobiça
O Antonico do Hemetério,
Sem corpo, enxerga diamantes
Nas pedras do cemitério.
13 Bebia em caneco grande
Teotônio de Xique-Xique.
Desencarnado, deitou-se
Quase à frente do alambique.
14 Agarrado a bois de preço
Finou-se Juca Beiral.
Sem corpo, é um rondante aos gritos
Fiscalizando o curral.
15 Vivendo de sombra e rede,
Morreu Flausina da Granja.
Hoje é um fantasma de leito,
Pedindo prato de canja.
16 Tiro lá, tiro de cá,
Tombou Lino Santarém.
Desencarnado, quer briga,
Mas já não acha com quem.
17 Morreu perseguindo a muitos
Nhô Nico de João da Venda.
De tanta culpa ele é hoje
Assombração na fazenda.
18 Parada em sono e doença
Faleceu Joana Mangaba.
Depois da morte, carrega
Doença que não se acaba.
19 Sempre fugiu do trabalho
Dona França da Abadia.
Sem corpo, ela própria clama
Que sofre paralisia.
20 A Lei de Deus, caro amigo,
É clara, simples, segura…
Tudo o que temos na vida
É aquilo que se procura.
21 Deus nos inspire e nos guarde,
A verdade é isso aí…
Cada qual acha na morte
Aquilo que fez de si.
Cornélio Pires
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