1.
Depois do entendimento com os internados, o Instrutor Druso aquiesceu
em dispensar-nos alguns minutos de conversação educativa.
2 Explanara brilhantemente
sobre o problema das provas na experiência terrestre. Alertara-nos quanto
à necessária renovação mental nos padrões do bem, destacando a necessidade
do estudo, para a assimilação do conhecimento superior, e do serviço
ao próximo, para a colheita de simpatia, sem os quais todos os caminhos
da evolução surgem complicados e difíceis de ser transitados.
3 Junto dele, enquanto prelecionava,
fora colocada singular escultura — uma estátua notável reproduzindo
o corpo humano, transparente aos nossos olhos, à qual apenas faltava
o sopro espiritual para revelar-se viva.
4 Patenteavam-se, ali, à nossa
visão, todos os órgãos e apetrechos do carro físico, sob a proteção
do sistema nervoso e do sistema sanguíneo.
5 O coração, à maneira
de um grande pássaro no ninho das artérias enrodilhadas na árvore dos
pulmões; o fígado, à feição de um condensador vibrante; o estômago e
os intestinos como alambiques técnicos e os rins, quais aparelhos complexos
de filtragem, convidavam-nos a profunda admiração; 6
contudo, nosso maior interesse concentrava-se no sistema endocrínico,
no qual as glândulas se salientavam por figurações de luz. A epífise,
a hipófise, a tireóide, as paratireóides, o timo, as supra-renais, o
pâncreas e as bolsas genésicas caracterizavam-se, perfeitas, sobre o
fundo vivo dos centros perispirituais, que se combinavam uns com os
outros, em sutilíssimas ramificações nervosas, singularmente ajustadas,
através dos plexos, emitindo cada centro irradiações próprias, constituindo-se
o conjunto num todo harmônico, que nos impelia à contemplação extática.
7 Anotando-nos a surpresa,
o chefe da casa disse, bondoso:
— Habitualmente convidamos a atenção de nossos internados para os veículos
de nossas manifestações, mostrando-lhes, quanto possível, a correspondência
entre nossos estados espirituais e as formas de que nos servimos. 8
É indispensável compreendamos que todo mal, por nós praticado conscientemente,
expressa, de algum modo, lesão em nossa consciência e toda lesão dessa
espécie determina distúrbio ou mutilação no organismo que nos exterioriza
o modo de ser. 9 Em
todos os Planos do Universo, somos Espírito e manifestação, pensamento
e forma. Eis o motivo por que, no mundo, a Medicina há de considerar
o doente como um todo psicossomático, se quiser realmente investir-se
da arte de curar.
10 E, tocando a bela escultura
à nossa vista, continuou:
— Da mente clareada pela razão, sede dos princípios superiores que
governam a individualidade, partem as forças que asseguram o equilíbrio
orgânico, por intermédio de raios ainda inabordáveis à perquirição humana,
raios esses que vitalizam os centros perispiríticos, em cujos meandros
se localizam as chamadas glândulas endócrinas, que, a seu turno, despedem
recursos que nos garantem a estabilidade do campo celular. 11
Como é óbvio, nas criaturas encarnadas esses elementos se consubstanciam
nos hormônios diversos que atuam sobre todos os órgãos do corpo físico,
através do sangue. 12
O homem comum, que já conhece a tiroxina e a adrenalina, energias fabricadas
pela tireóide e pelas supra-renais, com influência decisiva no trabalho
circulatório, nos nervos e nos músculos, não ignora que todas as demais
glândulas de secreções internas produzem recursos que decidem sobre
saúde e enfermidade, equilíbrio e desequilíbrio nos indivíduos encarnados.
13 Ora, em substância,
como é fácil de ver, todos os estados acidentais das formas de que nos
utilizamos, no espaço e no tempo, dependem, assim, do comando mental
que nos é próprio. 14
É por isso que a justiça, sendo instituto fundamental de ordem, na Criação,
começa invariavelmente em nós mesmos, em toda e qualquer ocasião que
lhe defraudemos os princípios. 15
A evolução para Deus pode ser comparada a uma viagem divina. O bem constitui
sinal de passagem livre para os cimos da Vida Superior, enquanto que
o mal significa sentença de interdição, constrangendo-nos a paradas
mais ou menos difíceis de reajuste.
2.
Aproveitando breve pausa, Hilário observou:
2 — É admirável o trabalho
educativo em andamento nas zonas inferiores, com vistas à reencarnação…
— Inegavelmente, — respondeu o instrutor. — É preciso informar a todos
os nossos irmãos, em vias de retorno ao Círculo dos homens, que o corpo
carnal, com as tarefas que lhe são consequentes, vale por verdadeiro
prêmio da Bondade Divina, que é necessário valorizar. 3
Aqui, nas Esferas purgatoriais, contamos com verdadeiras multidões de
criaturas desencarnadas que procedem do mundo em deploráveis crises
alucinatórias, após malversarem os bens da vida humana. 4
Muitas, por infelicidade da própria ignorância, não puderam acomodar-se
a qualquer tipo de concepção religiosa, entretanto, milhões de pessoas,
longe do respeito pela fé maternal que as esclarecia, nos compromissos
esposados perante Deus, entregavam-se, conscientemente, à crueldade
mental, cavando ruína e amargura para si mesmas, porque o mal infligido
a outrem era sempre mal que amontoavam sobre as suas cabeças. 5 É assim que, desentrançadas da matéria densa, aqui aportam, batidas
pelo remorso e pelo arrependimento, padecendo frustrações lamentáveis,
quando não estacionam por tempo mais ou menos longo em furnas expiatórias,
nas quais, presas de antigos adversários ou de velhos comparsas do vício,
sofrem tristes alterações em seus centros
de força, a se lhes expressarem na mente por desequilíbrios funestos.
6 Depois de acolhidas
em nosso pouso de amor, refazem-se a pouco e pouco… A reencarnação retificadora,
isto é, a internação na carne em condições penosas, surge por alternativa
inevitável. Será preciso renascer, suportando os obstáculos tremendos,
oriundos da desarmonia perispirítica criada por nós mesmos. Ainda assim,
quanto possível, antes do novo berço entre os homens, é imprescindível
melhorar as contas… 7
Daí o motivo por que instituições qual a nossa
funcionam, em vários campos das regiões inferiores, que, na teologia da retaguarda,
equivalem a regiões infernais… Para nós, no entanto, é o imenso
Umbral, entre
a Terra e o Céu, doloroso continente de sombras, erguido e cultivado pela
mente humana, em geral rebelde e ociosa, desvairada e enfermiça. 8
Os companheiros desencarnados que despertam, devagarinho, para a responsabilidade
de viver, encarando face a face o imperativo do renascimento difícil
no mundo, passam a trabalhar aqui laboriosamente, vencendo óbices terríveis
e superando tempestades de toda a sorte, para a conquista dos méritos
que descuraram durante a permanência no corpo, de modo a implantarem,
no próprio Espírito, os valores morais de que não prescindem para a
sustentação de novas e abençoadas lutas no Plano material.
9 O orientador, mostrando
o olhar coruscante de entendimento e carinho, à feição do professor
emérito e bondoso que deseja o progresso dos aprendizes, fez longa pausa
e perguntou-nos:
— Compreenderam?
— Sim, sim… — Respondemos a um só tempo, interessados em maior amplitude da
lição.
3.
— É assim que todos nós, — continuou ele, — para o recomeço das lides
carnais, solicitamos o regime de sanções, ou alguém, quando não disponhamos
do direito de faze-lo, no-lo obtém, suplicando-o, em nosso benefício,
às autoridades superiores.
2 — Regime de sanções?
— Indagou Hilário, surpreendido.
— Perfeitamente. 3
Não nos reportamos aqui às medidas de natureza moral, pelas quais enfrentamos,
compreensivelmente, na família consanguínea ou na intimidade da luta,
a reaproximação com os Espíritos de que sejamos devedores de paciência
e ternura, tolerância e sacrifício, na solução de certas dívidas que
nos obscurecem a senda; mas sim, a providências retificantes, depois
de muitas quedas reiteradas nos mesmos deslizes e deserções, que imploramos
em favor de nós e em nós mesmos, quais sejam as deficiências congeniais
com que ressurgimos no berço físico. 4
Aqueles que por vezes diversas perderam vastas oportunidades de trabalho
na Terra, pela ingestão sistemática de elementos corrosivos, como sejam
o álcool e outros venenos das forças orgânicas, tanto quanto os inveterados
cultores da gula, quase sempre atravessam as águas da morte como suicidas
indiretos e, despertando para a obra de reajuste que lhes é indispensável,
imploram o regresso à carne em corpos desde a infância inclinados à
estenose do piloro, à ulceração gástrica, ao desequilíbrio do pâncreas,
à colite e às múltiplas enfermidades do intestino que lhes impõem torturas
sistemáticas, embora suportáveis, no decurso da existência inteira.
5 Inteligências notáveis,
com sucessivas quedas morais, através da leviandade com que se utilizaram
do esporte e da dança, espalhando desespero e infortúnio nos corações
afetuosos e sensíveis, pedem formas orgânicas ameaçadas de paralisia
e reumatismo, visitadas de achaques e neoplasmas diversos, que lhes
obstem os movimentos demasiado livres. 6
Companheiros que, em muitas circunstâncias, se deixaram envenenar pelos
olhos e pelos ouvidos, comprometendo-se em vasta rede de criminalidade,
através da calúnia e da maledicência, imploram veículos fisiológicos
castigados por deficiências auditivas e visuais que lhes impeçam recidivas
desastrosas. 7 Intelectuais
e artistas que despedem sagrados recursos do espírito na perversão dos
sentimentos humanos, por intermédio da criação de imagens menos dignas,
rogam aparelhos cerebrais com inibições graves e dolorosas para que,
nas reflexões de temporário ostracismo, possam desenvolver as esquecidas
qualidades do coração. 8
Homens e mulheres que abusaram de dotes físicos, manobrando a beleza
e a perfeição das formas para disseminar a loucura e o sofrimento naqueles
que lhes admitiam as falsas promessas, solicitam corpos vulneráveis
às dermatoses aflitivas, quais o eczema e a tumoração cutânea, ou portadores
de alterações da tireóide que os constranjam a reiteradas lutas educativas.
9 Grandes faladores
que escarneceram da divina missão do verbo, conturbando multidões ou
enlouquecendo almas desprevenidas, suplicam doenças das cordas vocais,
para que, atravessando afonias periódicas, desistam de tumultuar os
espíritos por intermédio da palavra brilhante. 10
E milhares de pessoas que transformaram o santuário do sexo numa forja
de perturbações para a vida alheia, arruinando lares e infelicitando
consciências, imploram equipamentos físicos atormentados por lesões
importantes no campo genésico, experimentando, desde a puberdade, inquietantes
desequilíbrios ovarianos e testiculares. 11
A cegueira, a mudez, a idiotia, a surdez, a paralisia, o câncer, a lepra,
a epilepsia, o diabete, o pênfigo, a loucura e todo o conjunto das moléstias
dificilmente curáveis significam sanções instituídas pela Misericórdia
Divina, portas a dentro da Justiça Universal, atendendo-nos aos próprios
rogos, para que não venhamos a perder as bênçãos eternas do Espírito
a troco de lamentáveis ilusões humanas.
12 — Mas, existem
institutos especiais que providenciem, por exemplo, as irregularidades
orgânicas pedidas para a reencarnação? — Perguntou meu colega, intrigado.
13 O interlocutor generoso
sorriu, significativamente, e acentuou:
— Sim, Hilário, a Bondade do Senhor é infinita e permite-nos a graça
de suplicar os impedimentos a que nos referimos, porque o reconhecimento
de nossas fraquezas e transgressões nos faz imenso bem ao Espírito endividado.
14 A humildade, em
qualquer situação, acende luz em nossas almas, gerando, em torno de
nós, abençoados recursos de simpatia fraterna. 15
Entretanto, ainda mesmo que não pedíssemos a aplicação das penas de
que necessitamos, nossa posição não se modificaria, porquanto a prática
do mal opera lesões imediatas em nossa consciência, que, entrando em
condição desarmônica, desajusta, ela própria, os centros de força em
que se mantém. 16 Desse
modo, os nossos institutos de trabalho para a reencarnação colaboram
para que todos venhamos a receber na ribalta terrestre a vestimenta
carnal merecida.
17 — Então, de que vale a súplica,
rogando essa ou aquela medida, atinente à nossa reeducação?
— Oh! Não formule semelhante problema! — Falou Druso em voz grave.
— 18 A prece, no
sentido a que aludimos, é sempre um atestado de boa vontade e compreensão,
no testemunho da nossa condição de Espíritos devedores… 19
Sem dúvida, não poderá modificar o curso das leis, diante das quais
nos fazemos réus sujeitos a penas múltiplas, mas renova-nos o modo de
ser, valendo não só como abençoada plantação de solidariedade em nosso
benefício, mas também como vacina contra reincidência no mal. 20
Além disso, a prece faculta-nos a aproximação com os grandes benfeitores
que nos presidem os passos, auxiliando-nos a organização de novo roteiro
para a caminhada segura.
21 Meu companheiro
guardou, reverente, a anotação e considerou:
— Caro instrutor, depreendemos da elucidação que, ao nos reencarnarmos, conduzimos conosco os remanescentes de nossas faltas, que nos partilham o renascimento, na máquina fisiológica, como raízes congeniais dos males que nós mesmos plantamos…
22 — Perfeitamente,
— acentuou o mentor amigo, — nossas disposições, para com essa ou aquela
enfermidade no corpo terrestre, representam zonas de atração magnética
que dizem de nossas dívidas, diante das Leis Eternas, exteriorizando-nos
as deficiências do Espírito.
23 Druso meditou alguns instantes,
como se estivesse ponderando no íntimo a gravidade do assunto, e apreciou:
— Nossas assertivas não excluem, decerto, a necessidade da assepsia
e da higiene, da medicação e do cuidado preciso, no tratamento dos enfermos
de qualquer procedência. 24
Desejamos simplesmente acentuar que a alma ressurge no equipamento físico
transportando consigo as próprias falhas a se lhe refletirem na veste
carnal, como zonas favoráveis à eclosão de determinadas moléstias, oferecendo
campo propício ao desenvolvimento de vírus, bacilos e bactérias inúmeros,
capazes de conduzi-la aos mais graves padecimentos, de acordo com os
débitos que haja contraído, 25
mas também carreia consigo as faculdades de criar no próprio cosmo orgânico
todas as espécies de anticorpos, imunizando-se contra as vicissitudes carnais, 26 faculdades
essas que pode ampliar consideravelmente pela oração, pelas disciplinas
retificadoras a que se afeiçoe, pela resistência mental ou pelo serviço
ao próximo com que atrai preciosos recursos em seu favor. 27
Não podemos esquecer que o bem é o verdadeiro antídoto do mal.
4.
— Ainda assim, — ajuntou Hilário, — será lícito recordar que os animais
igualmente sofrem moléstias diagnosticáveis, como sejam a aftose, a
raiva e a pneumonia…
2 — Como também as plantas
experimentam enfermidades peculiares, reclamando adubos e fungicidas
completou o mentor, sorrindo.
3 E acrescentou:
— A dor é ingrediente dos mais importantes na economia da vida em expansão.
O ferro sob o malho, a semente na cova, o animal em sacrifício, tanto
quanto a criança chorando, irresponsável ou semiconsciente, para desenvolver
os próprios órgãos, sofrem a dor-evolução, que atua de fora para dentro,
aprimorando o ser, sem a qual não existiria progresso. 4
Em nosso estudo, porém, analisamos a dor-expiação, que vem de dentro
para fora, marcando a criatura no caminho dos séculos, detendo-a em
complicados labirintos de aflição, para regenerá-la, perante a Justiça…
É muito diferente…
5 — Curioso! — Exclamou
Hilário, — não havia pensado ainda em semelhantes conceitos… Dor-evolução,
dor-expiação…
— Como temos ainda dor-auxílio, — atalhou Druso, benevolente.
— Como assim?
6 E percebendo a surpresa
que se nos estampava no rosto, o orientador aduziu:
— Em muitas ocasiões, no decurso da luta humana, nossa alma adquire
compromissos vultosos nesse ou naquele sentido. Habitualmente, logramos
vantagens em determinados setores da experiência, perdendo em outros.
7 Às vezes, interessamo-nos
vivamente pela sublimação do próximo, olvidando a melhoria de nós mesmos.
É assim que, pela intercessão de amigos devotados à nossa felicidade
e à nossa vitória, recebemos a bênção de prolongadas e dolorosas enfermidades
no envoltório físico, seja para evitar-nos a queda no abismo da criminalidade,
seja, mais frequentemente, para o serviço preparatório da desencarnação,
a fim de que não sejamos colhidos por surpresas arrasadoras, na transição
da morte. 8 O enfarte,
a trombose, a hemiplegia, o câncer penosamente suportado, a senilidade
prematura e outras calamidades da vida orgânica constituem, por vezes,
dores-auxílio, para que a alma se recupere de certos enganos em que
haja incorrido na existência do corpo denso, habilitando-se, através
de longas reflexões e benéficas disciplinas, para o ingresso respeitável
na Vida Espiritual.
9 Druso, no entanto, a essa
altura, foi chamado a outras linhas de ação, deixando-nos entregues
aos nossos pensamentos.
André Luiz