O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Ação e reação — André Luiz


3

A intervenção na memória

(Sumário)

1. O novo companheiro que o dirigente da casa nos apresentou como sendo o Assistente Barreto, exibindo recôndita aflição a sombrear-lhe os olhos, comunicou:

2 — Instrutor Druso, na Enfermaria Cinco, três dos irmãos recém-acolhidos entraram em crise de angústia e rebeldia…

— Já sei, — replicou o interpelado, — é a loucura por telepatia alucinatória. Ainda não se encontram suficientemente fortes para resistir ao impacto das forças perversas que lhes são desfechadas, a distância, pelos companheiros infelizes.

3 — Que fazer?

— Retire os enfermos normais e aplique na enfermaria os raios de choque. Não dispomos de outro recurso.

4 Despedia-se o mensageiro, renteando conosco, e outro funcionário já se apresentava, notificando:

— Instrutor, a tela de aviso que não funcionava, à face da tormenta agora em declínio, acaba de transmitir aflitiva mensagem… Duas das nossas expedições de pesquisas estão em dificuldade nos desfiladeiros das Grandes Trevas…

5 — A posição foi precisamente indicada? — Sim. n

— Conduza os textos recebidos à consideração do diretor de operações urgentes. O auxílio deve ser enviado tão imediatamente quanto possível.

6 De inesperado, outro colaborador veio até nós e pediu:

— Instrutor, rogo-lhe providências na solução do caso Jonas. Recolhemos agora um recado de nossos irmãos, cientificando-nos de que a reencarnação dele talvez seja frustrada em definitivo.

7 Pela primeira vez, notei que o dirigente da Mansão mostrou intensa preocupação no olhar. Patenteando enorme surpresa, indagou do emissário:

— Em que consiste o obstáculo?

8 — Cecina, a futura mãezinha, sentindo-lhe os fluidos grosseiros, nega-se a recebê-lo. Estamos presenciando a quarta tentativa de aborto, no terceiro mês de gestação, e vimos fazendo o que é possível por mantê-la na dignidade maternal.

9 Druso esboçou no semblante um sinal de serena firmeza e acentuou:

— É inútil. A jovem mãe aceitá-lo-á, segundo os compromissos dela própria. Além disso, precisamos da internação de Jonas, no corpo físico, pelo menos durante sete anos terrestres. Tragam Cecina até aqui, ainda hoje, logo se entregue ao sono natural, para que possamos auxiliá-la com a necessária intervenção magnética.

10 Outros elementos de serviço vinham chegando e, faminto de esclarecimentos, qual me achava, procurei um recanto próximo, em companhia do Assistente Silas a quem crivei de indagações em tom discreto, de modo a não perturbar o recinto.

11 Quem eram aqueles funcionários? Seria justo que o diretor da casa fosse molestado, assim, com tantas consultas, quando os trabalhos de administração poderiam ser compreensivelmente subdivididos?

12 O amigo deu-se pressa em elucidar-me, informando que os mensageiros não eram simples tarefeiros, mas condutores de serviço em subchefias determinadas, todos eles Assistentes e Assessores, cultos e dignos, detendo enormes responsabilidades, e que somente demandavam a presença de Druso depois de movimentarem todas as providências cabíveis no âmbito da autoridade a eles inerente. O problema não era, pois, de centralização, mas de luta intensiva.


2. — E aquele caso de reencarnação pendente? — Ousei perguntar, respeitoso. — A casa podia opinar com segurança na solução de semelhante assunto?

2 O interpelado sorriu, benevolente, e respondeu:

— Para que me faça compreendido, convém esclarecer que, se existem reencarnações ligadas aos Planos superiores, temos aquelas que se enraízam diretamente nos Planos inferiores. 3 Se a penitenciária vigora entre os homens, em função da criminalidade corrente no mundo, o inferno existe, na Espiritualidade, em função da culpa nas consciências. 4 E assim como já podemos contar na esfera carnal com uma justiça sinceramente interessada em auxiliar os delinquentes na recuperação, através do livramento condicional e das prisões-escolas, organizadas pelas próprias autoridades que dirigem os tribunais humanos em nome das leis, aqui também os representantes do Amor Divino podem mobilizar recursos de misericórdia, beneficiando Espíritos devedores, desde que se mostrem dignos do socorro que lhes abrevie o resgate e a regeneração.

5 — Quer dizer, — exclamei! — Que em boa lógica terrena e utilizando-me de uma linguagem de que usaria um homem na experiência física, há reencarnações em perfeita conexão com os Planos infernais…

6 — Sim. Como não? Valem como preciosas oportunidades de libertação dos Círculos tenebrosos. E como tais renascimentos na carne não possuem senão característicos de trabalho expiatório, em muitas ocasiões são empreendimentos planejados e executados daqui mesmo, por benfeitores credenciados para agir e ajudar em nome do Senhor.

7 — E, nesses casos, — aduzi, — o Instrutor Druso dispõe da necessária delegação de competência para resolver os problemas dessa espécie?

8 — Nosso dirigente, — falou o amigo prestimoso, — como é razoável, não retém faculdades ilimitadas e esta instituição é suficientemente ampla para absorver-lhe os maiores cuidados. Entretanto, nos processos reencarnatórios, funciona como autoridade intermediária.

— De que modo?

9 — Duas vezes por semana reunimo-nos no Cenáculo da Mansão n e os Mensageiros da Luz, por instrumentos adequados, determinam no assunto, apreciando os processos que a nossa casa lhes apresenta.

— Mensageiros da Luz?

10 — Sim, são prepostos das Inteligências angélicas que não perdem de vista as plagas infernais, porque, ainda que os gênios da sombra não o admitam, as forças do Céu velam pelo inferno que, a rigor, existe para controlar o trabalho regenerativo na Terra.

11 E, sorrindo:

— Assim como o doente exige remédio, reclamamos a purgação espiritual, a fim de que nos habilitemos para a vida nas Esferas superiores. O inferno para a alma que o erigiu em si mesma é aquilo que a bigorna [e a fornalha] ardente constitui para o ferro bruto. Purifica e modela…


3. O companheiro ia continuar, mas estranho ruído nos tomou a atenção, ao mesmo tempo que um emissário varou uma das portas, situada rente a nós, e, abeirando-se de Druso, anunciou:

2 — Instrutor, depois de amainada a tormenta, voltou o assalto dos raios desintegrantes…

3 O orientador esboçou um gesto de preocupação e recomendou:

— Liguem as baterias de exaustão. Observaremos a defensiva, instalados na Agulha de Vigilância.

4 Em seguida, convidou-nos a acompanhá-lo. Silas, Hilário e eu seguimo-lo sem hesitar.

Atravessamos vastíssimos corredores e largos salões, em sentido ascendente, até que começamos a subir de maneira direta.

5 O local conhecido por Agulha de Vigilância era uma torre, servida por escadaria circular, algumas dezenas de metros acima do grande e complicado edifício.

6 No topo, descansamos em pequeno gabinete, em cujo recinto interessantes aparelhos nos facultaram a contemplação da paisagem exterior.

7 Assemelhavam-se a telescópios diminutos, trabalhando em base de raios que eliminavam o nevoeiro, permitindo-nos exata noção do ambiente constrangedor que nos cercava, povoado de criaturas agressivas e exóticas, que fugiam, espavoridas, ante vasto grupo de entidades que manobravam curiosas máquinas à guisa de canhonetes.

8 — Estaremos assediados por um exército atacante? — Perguntei, intrigado.

— Isso mesmo, — confirmou Druso, calmamente, — esses ataques porém, são comuns. Com semelhante invasão, pretendem nossos irmãos infelizes deslocar nossa casa e levar-nos à inércia, a fim de senhorearem a região.

9 — E aquelas equipagens? Que vêm a ser? — Enunciou meu companheiro, assombrado.

— Podemos defini-las como canhões de bombardeio eletrônico, — informou o orientador. — As descargas sobre nós são cuidadosamente estudadas, a fim de que nos atinjam sem erro na velocidade de arremesso.

10 — E se nos alcançassem? — Perguntou meu colega.

— Decerto provocariam aqui fenômenos de desintegração, suscetíveis de conduzir-nos à ruína total, sem nos referirmos às perturbações que estabeleceriam em nossos irmãos doentes, ainda incapazes de qualquer esforço para a emigração, porque o impacto dos raios desfechados contra nós contêm princípios de flagelação, que provocam as piores crises de pavor e loucura.

11 Não longe de nós, ruído soturno vibrava na atmosfera.

Guardávamos a ideia de que milhares de projéteis invisíveis cortavam o ar, violentamente, sibilando a reduzida distância e acabando em estalidos secos, a nos infundirem pavorosa impressão.

12 Talvez porque Hilário e eu demonstrássemos insofreável espanto, Druso ponderou, paternal:

— Estejamos tranquilos. Nossas barreiras de exaustão movem-se com eficiência.

13 E designou-nos ao olhar assustadiço longa muralha, constituída por milhares de hastes metálicas, cercando a cidadela em toda a extensão, qual se fosse larga série de para-raios habilmente dispostos.

14 Em todos os lances do flanco atacado, surgiam faíscas elétricas, a fulgurarem nos pontos de contato, atraídas pelas pontas a prumo.

15 O espetáculo, em sua beleza terrível, caracterizava-se, a olho nu, pela cintilação dos contrastes, entre a sombra imensa e a luz relampagueante.

16 — Os conflitos aqui são incessantes, — disse-nos o orientador com dignidade serena; — no entanto, temos aprendido nesta Mansão que a paz não é conquista da inércia, mas sim fruto do equilíbrio entre a fé no Poder Divino e a confiança em nós mesmos, no serviço pela vitória do bem.


4. Nesse instante, porém, um servidor da casa penetrou no recinto e disse:

2 — Instrutor Druso, conforme as recomendações havidas, o doente recolhido na noite passada foi instalado no gabinete de socorro magnético, aguardando-lhe a intervenção.

— Conseguiu dizer algo?

— Não. Continua apenas com os gemidos periódicos.

— Nenhum indício de identificação?

— Nenhum.

3 O mentor infatigável convidou-nos a segui-lo, explicando que a operação em perspectiva poderia oferecer importantes elementos de estudo ao trabalho que nos propúnhamos realizar.

A breve trecho de tempo, vimo-nos os quatro numa sala de regulares proporções, que primava pela simplicidade e pelo azul repousante.

4 Em mesa desmontável, um homem disforme estirava-se em decúbito dorsal, respirando apenas.

Para referir-nos com franqueza à criatura sob nossos olhos, cabe-nos afirmar que o aspecto do infeliz chegava a ser repelente, apesar dos cuidados de que já fora objeto.

5 Parecia sofrer inqualificável hipertrofia, mostrando braços e pernas enormes. Entretanto, onde o aumento volumétrico do instrumento perispirítico se fazia mais desagradável era justamente na máscara fisionômica, em que todos os traços se confundiam, qual se estivéssemos à frente de uma esfera estranha, à guisa de cabeça.

Seria um homem desencarnado em algum atropelamento terrestre, aguardando, ali, o imediato alívio que se deve aos acidentados comuns?

6 Druso sentiu-nos a pergunta silenciosa e explicou:

— Trata-se de um companheiro, dificilmente identificável, trazido até aqui por uma de nossas expedições socorristas.

7 — Mas terá sido recentemente liberto do mundo físico? — Indagou meu colega, tanto quanto eu, dolorosamente impressionado.

— Por enquanto, não sabemos, — elucidou o orientador. — É uma dessas pobres almas que terá deixado o Círculo carnal sob o império de terrível obsessão, tão terrível que não terá podido recolher o amparo espiritual das caridosas legiões que operam nos túmulos. Indubitavelmente, largou o corpo denso sob absoluta fascinação mental, caindo em problemas angustiantes.

8 — Mas, por que semelhante calamidade? — Inquiriu Hilário, empolgado de assombro.

— Meu amigo, — replicou Druso, benevolente, — não será mais justo sondar os motivos pelos quais nos decidimos a contrair débitos, assim tão escabrosos?

9 E, modificando o tom de voz que se fez algo triste e comovedor, aconselhou:

— As regiões infernais estão superlotadas do sofrimento que nós mesmos criamos. Precisamos equilibrar a coragem e a compaixão no mesmo nível, para atender com segurança aos nossos compromissos nestes lugares.

10 Fitei o irmão desventurado que se mantinha em funda prostração, qual enfermo em posição comatosa, e, considerando os imperativos de nosso aprendizado, indaguei:

— Poderemos conhecer a razão da surpreendente deformidade sob nosso exame?

11 O orientador percebeu a essência construtiva de minha perquirição e respondeu:

— O fenômeno, todo ele, é de natureza espiritual. 12 Recorda-se você de que a dor no veículo físico é um acontecimento real no encéfalo, mas puramente imaginário no órgão que supõe experimentá-la. A mente, através das células cerebrais, regista a desarmonia corpórea, constrangendo a urdidura orgânica ao serviço, por vezes torturado e difícil, do reajuste. 13 Aqui, também, o aspecto descontínuo ou monstruoso, resulta dos desequilíbrios dominantes na mente que, viciada por certas impressões ou vulcanizada pelo sofrimento, perde temporariamente o governo da forma, permitindo que os delicados tecidos do corpo perispirítico se perturbem, tumultuados, em condições anormais. 14 Em tal situação, a alma pode cair sob o cativeiro de Inteligências perversas e daí procedem as ocorrências deploráveis pelas quais se despenha em transitória animalização por efeito hipnótico.

15 Notei, contudo, que o Instrutor, compadecido, não desejava alongar entendimentos que se não reportassem ao socorro devido ao infortunado, e calei-me.

16 Druso inclinou-se sobre ele com a ternura de alguém que auscultasse um irmão muito amado, e anunciou:

— Procuremos ouvi-lo.

Incapaz de conter o assombro que me empolgava, inquiri:

— Ele dorme?

17 O mentor fez um gesto afirmativo, notificando:

— Nosso desventurado amigo encontra-se sob terrível hipnose provocada. Inegavelmente, foi conduzido a essa posição por adversários temíveis, que, decerto, para torturá-lo, fixaram-lhe a mente em alguma penosa recordação.

18 — Mas, — insisti, emocionado, — semelhante martírio poderia sobrevir sem razão justa?

— Meu amigo, — falou o orientador, expressivamente, — com exceção do caminho glorioso das grandes almas, que elegem no sacrifício próprio o apostolado de amor com que ajudam os companheiros da Humanidade, não se ergue o espinheiro do sofrimento sem as raízes da culpa. Para atingir a miserabilidade em que se encontra, nosso irmão terá acumulado débitos sobremaneira escabrosos.


5. Em seguida, contrariando-nos qualquer propósito de divagação, acentuou:

2 — Desintegremos as forças magnéticas que lhe constringem os centros vitais e ajudemos-lhe a memória, para que se liberte e fale.

3 E talvez porque o meu olhar lhe endereçasse mudo apelo a esclarecimento mais amplo, acrescentou:

— Não seria lícito agir à base de hipóteses. É indispensável ouvir os delinquentes e as vítimas, a fim de que, através das informações deles mesmos, saibamos por onde começar a obra de auxílio.

Procurei sopitar inquirições extemporâneas e entreguei-me à expectativa.

4 Logo após, o Assistente, Hilário e eu, de maneira instintiva, estabelecemos uma corrente de oração, sem prévia consulta, e nossas forças reunidas como que fortaleciam o Instrutor, que, demonstrando fisionomia calma e otimista, passou a operar, magneticamente, aplicando passes dispersivos no companheiro em prostração.

O enfermo reagiu, com movimentação gradativa, qual se acordasse de longo sono.

5 Decorridos alguns minutos, o orientador pousou a destra sobre a cabeça disforme, como se lhe chamasse a memória ao necessário despertamento e, logo em seguida, o desventurado começou a gemer, revelando o pavor de quem suspira por desvencilhar-se de um pesadelo.

6 Porque Druso interrompesse a operação, detendo-o nesse estado, Hilário indagou, aflito:

— Deverá permanecer, então, assim, à beira da vigília, sem reapossar-se de si mesmo?

— Não lhe convém o imediato retorno à realidade, — esclareceu o mentor amigo. — Poderia sofrer deplorável crise de loucura, com graves consequências. Conversará conosco, assim qual se vê, com a mente enovelada à ideia fixa que lhe encarcera os pensamentos no mesmo círculo vicioso, a fim de que lhe venhamos a conhecer o problema crucial, sem qualquer distorção.

7 O apontamento do orientador denotava grande experiência na psicologia dos Espíritos vitimados nas trevas.

Depois de nova intervenção do mentor sobre a glote, o infeliz descerrou as pálpebras e, mostrando os olhos esgazeados, começou a bramir:

— Socorro! socorro!… Sou culpado, culpado!… Não posso mais… Perdão! Perdão!

8 Dirigindo-se a Druso, categorizou-o, decerto, à conta de magistrado, exclamando:

— Senhor juiz, senhor juiz!… Até que enfim, posso falar! Deixem-me falar!…

O dirigente da Mansão afagou-lhe a cabeça atormentada e replicou em tom amigo:

— Diga, diga o que deseja.

9 O rosto do asilado cobriu-se de lágrimas, entremostrando a superexcitação dos sonâmbulos que transformam a própria fraqueza em energia inesperada, e começou a falar, compungidamente:

— Sou Antônio Olímpio… O criminoso!… Contarei tudo. Em verdade, pequei, pequei… Por isso é justo… que eu sofra no inferno… O fogo tortura minhalma sem consumi-la… É o remorso, bem sei… Se eu soubesse, não teria… cometido a falta… entretanto, não pude resistir à ambição… 10 Depois da morte de meu pai… vi-me obrigado… a partilhar nossa grande fazenda com meus dois irmãos mais novos… Clarindo e Leonel… Trazia, porém, a cabeça… dominada de planos… Pretendia converter a propriedade… que eu administrava… em larga fonte de renda, contudo… a partilha me estorvava… Notei que os manos… tinham ideias diferentes das minhas… e comecei a maquinar o projeto que acabei… executando…

11 Uma crise de soluços embargou-lhe a voz, mas Druso, amparando-o magneticamente, insistiu:

— Continue, continue…

12 — Admiti, — continuou o enfermo com acento mais firme, — que somente poderia ser feliz, aniquilando meus irmãos e… quando o inventário estava prestes a decidir-se, convidei-os a passear comigo… de barco… inspecionando grande lago de nosso sítio… Antes, porém, dei-lhes a beber um licor entorpecente… Calculei o tempo que a droga reclamaria para um efeito seguro e… quando a nossa conversação ia acesa… percebendo-lhes os sinais de fadiga… num gesto deliberado desequilibrei a embarcação, em conhecido trecho… onde as águas eram mais fundas… 13 Ah! que calamidade inesquecível!… Ainda agora, escuto-lhes os brados arrepiantes de horror, implorando socorro… Mas… de nervos dormentes… a breves minutos… encontraram a morte… Nadei de consciência pesada, mas firme em meus aloucados propósitos… abordando a praia e clamando por auxílio… Com atitudes estudadas, pintei um imaginário acidente… 14 Foi assim que me apossei da fazenda inteira, legando-a, mais tarde, a Luís… o meu filho único… Fui um homem rico e tido por honesto… O dinheiro granjeou-me considerações sociais e privilégios públicos que a política distribui com todos aqueles que se fazem vencedores no mundo… pela sagacidade e pela inteligência… 15 De quando em quando… recordava meu crime… nuvem constante a sombrear-me a consciência… mas… em companhia de Alzira… a esposa inolvidável… procurava distrações e passeios que me tomassem a atenção… 16 Nunca pude ser feliz… Quando meu filho se fez jovem… minha mulher adoeceu gravemente… e da febre que a devorou por muitas semanas… passou à loucura… com a qual se afogou no lago… numa noite de horror. 17 Viúvo… perguntava a mim mesmo se não estava sendo joguete… do fantasma de minhas vítimas… entretanto… temia todas as referências em torno da morte… e busquei simplesmente gozar a fortuna que era bem minha…

18 O infeliz entregou-se a larga pausa de repouso, diante de nossa expectativa, continuando, logo após:

— Ai de mim, porém!… Tão logo cerrei os olhos físicos… diante do sepulcro… não me valeram as preces pagas… porque meus irmãos que eu supunha mortos… se fizeram visíveis à minha frente… Transformados em vingadores, ladearam-me o túmulo… Atiraram-me o crime em rosto… cobriram-me de impropérios e flagelaram-me sem compaixão… até que… talvez… cansados de me espancarem… conduziram-me a tenebrosa furna… onde fui reduzido ao pesadelo em que me encontro… 19 Em meu pensamento… vejo apenas o barco no crepúsculo sinistro… ouvindo os brados de minhas vítimas… que soluçam e gargalham estranhamente… Ai de mim!… estou preso à terrível embarcação… sem que me possa desvencilhar… Quem me fará dormir ou morrer?…

20 Como se o término da confissão lhe trouxesse algum descanso, arrojou-se o doente a enorme apatia.

21 Druso enxugou-lhe o pranto, dirigiu-lhe palavras de consolo e carinho e recomendou ao Assistente recolhê-lo à enfermaria especializada e, em seguida, falou-nos, pensativo:

— Já sabemos o necessário para estabelecer um ponto de partida na tarefa assistencial. Tornaremos ao caso em momento oportuno.

E acrescentou, cismativo, depois de longa pausa:

— Que Jesus nos ampare.

22 Não nos foi possível, contudo, aditar observações, porque um mensageiro vinha comunicar ao Instrutor que uma caravana de recém-desencarnados estava prestes a chegar e acompanhamo-lo ao serviço que ele nomeou como sendo “tarefa de inspeção”.


André Luiz



[1] Para que isso aconteça, hoje sabemos ser necessário algum tipo de GPS. Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.

[2] Templo íntimo da instituição. — (Nota do Autor espiritual.)


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

Abrir