1.
O novo companheiro que o dirigente da casa nos apresentou como sendo
o Assistente Barreto, exibindo recôndita aflição a sombrear-lhe os olhos,
comunicou:
2 — Instrutor Druso, na Enfermaria
Cinco, três dos irmãos recém-acolhidos entraram em crise de angústia
e rebeldia…
— Já sei, — replicou o interpelado, — é a loucura por telepatia alucinatória.
Ainda não se encontram suficientemente fortes para resistir ao impacto
das forças perversas que lhes são desfechadas, a distância, pelos companheiros
infelizes.
3 — Que fazer?
— Retire os enfermos normais e aplique na enfermaria os raios de choque. Não
dispomos de outro recurso.
4 Despedia-se o mensageiro,
renteando conosco, e outro funcionário já se apresentava, notificando:
— Instrutor, a tela de aviso que não funcionava, à face da tormenta agora em declínio, acaba de transmitir aflitiva mensagem… Duas das nossas expedições de pesquisas estão em dificuldade nos desfiladeiros das Grandes Trevas…
5 — A posição foi
precisamente indicada? — Sim. n
— Conduza os textos recebidos à consideração do diretor de operações urgentes. O auxílio deve ser enviado tão imediatamente quanto possível.
6 De inesperado, outro colaborador
veio até nós e pediu:
— Instrutor, rogo-lhe providências na solução do caso Jonas. Recolhemos agora um recado de nossos irmãos, cientificando-nos de que a reencarnação dele talvez seja frustrada em definitivo.
7 Pela primeira vez, notei
que o dirigente da Mansão mostrou intensa preocupação no olhar. Patenteando
enorme surpresa, indagou do emissário:
— Em que consiste o obstáculo?
8 — Cecina, a futura mãezinha,
sentindo-lhe os fluidos grosseiros, nega-se a recebê-lo. Estamos presenciando
a quarta tentativa de aborto, no terceiro mês de gestação, e vimos fazendo
o que é possível por mantê-la na dignidade maternal.
9 Druso esboçou no semblante
um sinal de serena firmeza e acentuou:
— É inútil. A jovem mãe aceitá-lo-á, segundo os compromissos dela própria. Além disso, precisamos da internação de Jonas, no corpo físico, pelo menos durante sete anos terrestres. Tragam Cecina até aqui, ainda hoje, logo se entregue ao sono natural, para que possamos auxiliá-la com a necessária intervenção magnética.
10 Outros elementos de serviço
vinham chegando e, faminto de esclarecimentos, qual me achava, procurei
um recanto próximo, em companhia do Assistente Silas a quem crivei de
indagações em tom discreto, de modo a não perturbar o recinto.
11 Quem eram aqueles funcionários?
Seria justo que o diretor da casa fosse molestado, assim, com tantas
consultas, quando os trabalhos de administração poderiam ser compreensivelmente
subdivididos?
12 O amigo deu-se pressa em
elucidar-me, informando que os mensageiros não eram simples tarefeiros,
mas condutores de serviço em subchefias determinadas, todos eles Assistentes
e Assessores, cultos e dignos, detendo enormes responsabilidades, e que
somente demandavam a presença de Druso depois de movimentarem todas
as providências cabíveis no âmbito da autoridade a eles inerente. O
problema não era, pois, de centralização, mas de luta intensiva.
2.
— E aquele caso de reencarnação pendente? — Ousei perguntar, respeitoso.
— A casa podia opinar com segurança na solução de semelhante assunto?
2 O interpelado sorriu, benevolente,
e respondeu:
— Para que me faça compreendido, convém esclarecer que, se existem
reencarnações ligadas aos Planos superiores, temos aquelas que se enraízam
diretamente nos Planos inferiores. 3
Se a penitenciária vigora entre os homens, em função da criminalidade
corrente no mundo, o inferno existe, na Espiritualidade, em função da
culpa nas consciências. 4
E assim como já podemos contar na esfera carnal com uma justiça sinceramente
interessada em auxiliar os delinquentes na recuperação, através do livramento
condicional e das prisões-escolas, organizadas pelas próprias autoridades
que dirigem os tribunais humanos em nome das leis, aqui também os representantes
do Amor Divino podem mobilizar recursos de misericórdia, beneficiando
Espíritos devedores, desde que se mostrem dignos do socorro que lhes
abrevie o resgate e a regeneração.
5 — Quer dizer, —
exclamei! — Que em boa lógica terrena e utilizando-me de uma linguagem
de que usaria um homem na experiência física, há reencarnações em perfeita
conexão com os Planos infernais…
6 — Sim. Como não?
Valem como preciosas oportunidades de libertação dos Círculos tenebrosos.
E como tais renascimentos na carne não possuem senão característicos
de trabalho expiatório, em muitas ocasiões são empreendimentos planejados
e executados daqui mesmo, por benfeitores credenciados para agir e ajudar
em nome do Senhor.
7 — E, nesses casos,
— aduzi, — o Instrutor Druso dispõe da necessária delegação de competência
para resolver os problemas dessa espécie?
8 — Nosso dirigente, — falou
o amigo prestimoso, — como é razoável, não retém faculdades ilimitadas
e esta instituição é suficientemente ampla para absorver-lhe os maiores
cuidados. Entretanto, nos processos reencarnatórios, funciona como autoridade
intermediária.
— De que modo?
9 — Duas vezes por semana
reunimo-nos no Cenáculo da Mansão n
e os Mensageiros da Luz, por instrumentos adequados, determinam no assunto, apreciando os processos que a nossa casa lhes apresenta.
— Mensageiros da Luz?
10 — Sim, são prepostos das
Inteligências angélicas que não perdem de vista as plagas infernais,
porque, ainda que os gênios da sombra não o admitam, as forças do Céu
velam pelo inferno que, a rigor, existe para controlar o trabalho regenerativo
na Terra.
11 E, sorrindo:
— Assim como o doente exige remédio, reclamamos a purgação espiritual, a fim
de que nos habilitemos para a vida nas Esferas superiores. O inferno
para a alma que o erigiu em si mesma é aquilo que a bigorna [e a fornalha] ardente constitui
para o ferro bruto. Purifica e modela…
3.
O companheiro ia continuar, mas estranho ruído nos tomou a atenção,
ao mesmo tempo que um emissário varou uma das portas, situada rente
a nós, e, abeirando-se de Druso, anunciou:
2 — Instrutor, depois de amainada
a tormenta, voltou o assalto dos raios desintegrantes…
3 O orientador esboçou um
gesto de preocupação e recomendou:
— Liguem as baterias de exaustão. Observaremos a defensiva, instalados na Agulha de Vigilância.
4 Em seguida, convidou-nos
a acompanhá-lo. Silas, Hilário e eu seguimo-lo sem hesitar.
Atravessamos vastíssimos corredores e largos salões, em sentido ascendente, até que começamos a subir de maneira direta.
5 O local conhecido por Agulha
de Vigilância era uma torre, servida por escadaria circular, algumas
dezenas de metros acima do grande e complicado edifício.
6 No topo, descansamos em
pequeno gabinete, em cujo recinto interessantes aparelhos nos facultaram
a contemplação da paisagem exterior.
7 Assemelhavam-se a telescópios
diminutos, trabalhando em base de raios que eliminavam o
nevoeiro, permitindo-nos exata noção do ambiente constrangedor que nos
cercava, povoado de criaturas agressivas e exóticas, que fugiam, espavoridas,
ante vasto grupo de entidades que manobravam curiosas máquinas à guisa
de canhonetes.
8 — Estaremos assediados
por um exército atacante? — Perguntei, intrigado.
— Isso mesmo, — confirmou Druso, calmamente, — esses ataques porém, são comuns.
Com semelhante invasão, pretendem nossos irmãos infelizes deslocar nossa
casa e levar-nos à inércia, a fim de senhorearem a região.
9 — E aquelas equipagens?
Que vêm a ser? — Enunciou meu companheiro, assombrado.
— Podemos defini-las como canhões de bombardeio eletrônico, — informou o orientador.
— As descargas sobre nós são cuidadosamente estudadas, a fim de que
nos atinjam sem erro na velocidade de arremesso.
10 — E se nos alcançassem?
— Perguntou meu colega.
— Decerto provocariam aqui fenômenos de desintegração, suscetíveis de conduzir-nos à ruína total, sem nos referirmos às perturbações que estabeleceriam em nossos irmãos doentes, ainda incapazes de qualquer esforço para a emigração, porque o impacto dos raios desfechados contra nós contêm princípios de flagelação, que provocam as piores crises de pavor e loucura.
11 Não longe de nós, ruído
soturno vibrava na atmosfera.
Guardávamos a ideia de que milhares de
projéteis invisíveis cortavam o ar, violentamente, sibilando a reduzida
distância e acabando em estalidos secos, a nos infundirem pavorosa impressão.
12 Talvez porque Hilário e
eu demonstrássemos insofreável espanto, Druso ponderou, paternal:
— Estejamos tranquilos. Nossas barreiras de exaustão movem-se com eficiência.
13 E designou-nos
ao olhar assustadiço longa muralha, constituída por milhares de hastes
metálicas, cercando a cidadela em toda a extensão, qual se fosse larga
série de para-raios habilmente dispostos.
14 Em todos os lances do flanco
atacado, surgiam faíscas elétricas, a fulgurarem nos pontos de contato,
atraídas pelas pontas a prumo.
15 O espetáculo, em sua beleza
terrível, caracterizava-se, a olho nu, pela cintilação dos contrastes,
entre a sombra imensa e a luz relampagueante.
16 — Os conflitos
aqui são incessantes, — disse-nos o orientador com dignidade serena;
— no entanto, temos aprendido nesta Mansão que a paz não é conquista
da inércia, mas sim fruto do equilíbrio entre a fé no Poder Divino e
a confiança em nós mesmos, no serviço pela vitória do bem.
4.
Nesse instante, porém, um servidor da casa penetrou no recinto e disse:
2 — Instrutor Druso, conforme
as recomendações havidas, o doente recolhido na noite passada foi instalado
no gabinete de socorro magnético, aguardando-lhe a intervenção.
— Conseguiu dizer algo?
— Não. Continua apenas com os gemidos periódicos.
— Nenhum indício de identificação?
— Nenhum.
3 O mentor infatigável convidou-nos
a segui-lo, explicando que a operação em perspectiva poderia oferecer
importantes elementos de estudo ao trabalho que nos propúnhamos realizar.
A breve trecho de tempo, vimo-nos os quatro numa sala de regulares
proporções, que primava pela simplicidade e pelo azul repousante.
4 Em mesa desmontável,
um homem disforme estirava-se em decúbito dorsal, respirando apenas.
Para referir-nos com franqueza à criatura sob nossos olhos, cabe-nos afirmar que o aspecto do infeliz chegava a ser repelente, apesar dos cuidados de que já fora objeto.
5 Parecia sofrer inqualificável
hipertrofia, mostrando braços e pernas enormes. Entretanto, onde o aumento
volumétrico do instrumento perispirítico se fazia mais desagradável
era justamente na máscara fisionômica, em que todos os traços se confundiam,
qual se estivéssemos à frente de uma esfera estranha, à guisa de cabeça.
Seria um homem desencarnado em algum atropelamento terrestre, aguardando,
ali, o imediato alívio que se deve aos acidentados comuns?
6 Druso sentiu-nos a pergunta
silenciosa e explicou:
— Trata-se de um companheiro, dificilmente identificável, trazido até aqui por uma de nossas expedições socorristas.
7 — Mas terá sido
recentemente liberto do mundo físico? — Indagou meu colega, tanto quanto
eu, dolorosamente impressionado.
— Por enquanto, não sabemos, — elucidou o orientador. — É uma dessas pobres
almas que terá deixado o Círculo carnal sob o império de terrível obsessão,
tão terrível que não terá podido recolher o amparo espiritual das caridosas
legiões que operam nos túmulos. Indubitavelmente, largou o corpo denso
sob absoluta fascinação mental, caindo em problemas angustiantes.
8 — Mas, por que semelhante
calamidade? — Inquiriu Hilário, empolgado de assombro.
— Meu amigo, — replicou Druso, benevolente, — não será mais justo sondar os
motivos pelos quais nos decidimos a contrair débitos, assim tão escabrosos?
9 E, modificando o tom de
voz que se fez algo triste e comovedor, aconselhou:
— As regiões infernais estão superlotadas do sofrimento que nós mesmos criamos. Precisamos equilibrar a coragem e a compaixão no mesmo nível, para atender com segurança aos nossos compromissos nestes lugares.
10 Fitei o irmão desventurado
que se mantinha em funda prostração, qual enfermo em posição comatosa,
e, considerando os imperativos de nosso aprendizado, indaguei:
— Poderemos conhecer a razão da surpreendente deformidade sob nosso exame?
11 O orientador percebeu a
essência construtiva de minha perquirição e respondeu:
— O fenômeno, todo ele, é de natureza espiritual. 12
Recorda-se você de que a dor no veículo físico é um acontecimento real
no encéfalo, mas puramente imaginário no órgão que supõe experimentá-la.
A mente, através das células cerebrais, regista a desarmonia corpórea,
constrangendo a urdidura orgânica ao serviço, por vezes torturado e
difícil, do reajuste. 13
Aqui, também, o aspecto descontínuo ou monstruoso, resulta dos desequilíbrios
dominantes na mente que, viciada por certas impressões ou vulcanizada
pelo sofrimento, perde temporariamente o governo da forma, permitindo
que os delicados tecidos do corpo perispirítico se perturbem, tumultuados,
em condições anormais. 14
Em tal situação, a alma pode cair sob o cativeiro de Inteligências perversas
e daí procedem as ocorrências deploráveis pelas quais se despenha em
transitória animalização por efeito hipnótico.
15 Notei, contudo, que o Instrutor,
compadecido, não desejava alongar entendimentos que se não reportassem
ao socorro devido ao infortunado, e calei-me.
16 Druso inclinou-se sobre
ele com a ternura de alguém que auscultasse um irmão muito amado, e
anunciou:
— Procuremos ouvi-lo.
Incapaz de conter o assombro que me empolgava, inquiri:
— Ele dorme?
17 O mentor fez um gesto afirmativo,
notificando:
— Nosso desventurado amigo encontra-se sob terrível hipnose provocada. Inegavelmente, foi conduzido a essa posição por adversários temíveis, que, decerto, para torturá-lo, fixaram-lhe a mente em alguma penosa recordação.
18 — Mas, — insisti, emocionado,
— semelhante martírio poderia sobrevir sem razão justa?
— Meu amigo, — falou o orientador, expressivamente, — com exceção do caminho
glorioso das grandes almas, que elegem no sacrifício próprio o apostolado
de amor com que ajudam os companheiros da Humanidade, não se ergue o
espinheiro do sofrimento sem as raízes da culpa. Para atingir a miserabilidade
em que se encontra, nosso irmão terá acumulado débitos sobremaneira
escabrosos.
5.
Em seguida, contrariando-nos qualquer propósito de divagação, acentuou:
2 — Desintegremos as forças
magnéticas que lhe constringem os centros vitais e ajudemos-lhe a memória,
para que se liberte e fale.
3 E talvez porque o meu olhar
lhe endereçasse mudo apelo a esclarecimento mais amplo, acrescentou:
— Não seria lícito agir à base de hipóteses. É indispensável ouvir os delinquentes e as vítimas, a fim de que, através das informações deles mesmos, saibamos por onde começar a obra de auxílio.
Procurei sopitar inquirições extemporâneas e entreguei-me à expectativa.
4 Logo após, o Assistente,
Hilário e eu, de maneira instintiva, estabelecemos uma corrente de oração,
sem prévia consulta, e nossas forças reunidas como que fortaleciam o
Instrutor, que, demonstrando fisionomia calma e otimista, passou a operar,
magneticamente, aplicando passes dispersivos no companheiro em prostração.
O enfermo reagiu, com movimentação gradativa, qual se acordasse de longo sono.
5 Decorridos alguns minutos,
o orientador pousou a destra sobre a cabeça disforme, como se lhe chamasse
a memória ao necessário despertamento e, logo em seguida, o desventurado
começou a gemer, revelando o pavor de quem suspira por desvencilhar-se
de um pesadelo.
6 Porque Druso interrompesse
a operação, detendo-o nesse estado, Hilário indagou, aflito:
— Deverá permanecer, então, assim, à beira da vigília, sem reapossar-se de si mesmo?
— Não lhe convém o imediato retorno à realidade, — esclareceu o mentor
amigo. — Poderia sofrer deplorável crise de loucura, com graves consequências.
Conversará conosco, assim qual se vê, com a mente enovelada à ideia
fixa que lhe encarcera os pensamentos no mesmo círculo vicioso, a fim
de que lhe venhamos a conhecer o problema crucial, sem qualquer distorção.
7 O apontamento do orientador
denotava grande experiência na psicologia dos Espíritos vitimados nas
trevas.
Depois de nova intervenção do mentor sobre a glote, o infeliz descerrou as pálpebras e, mostrando os olhos esgazeados, começou a bramir:
— Socorro! socorro!… Sou culpado, culpado!… Não posso mais… Perdão!
Perdão!
8 Dirigindo-se a Druso, categorizou-o, decerto, à conta de magistrado, exclamando:
— Senhor juiz, senhor juiz!… Até que enfim, posso falar! Deixem-me falar!…
O dirigente da Mansão afagou-lhe a cabeça atormentada e replicou em
tom amigo:
— Diga, diga o que deseja.
9 O rosto do asilado cobriu-se
de lágrimas, entremostrando a superexcitação dos sonâmbulos que transformam
a própria fraqueza em energia inesperada, e começou a falar, compungidamente:
— Sou Antônio Olímpio… O criminoso!… Contarei tudo. Em verdade, pequei, pequei…
Por isso é justo… que eu sofra no inferno… O fogo tortura minhalma sem
consumi-la… É o remorso, bem sei… Se eu soubesse, não teria… cometido
a falta… entretanto, não pude resistir à ambição… 10
Depois da morte de meu pai… vi-me obrigado… a partilhar nossa grande
fazenda com meus dois irmãos mais novos… Clarindo e Leonel… Trazia,
porém, a cabeça… dominada de planos… Pretendia converter a propriedade…
que eu administrava… em larga fonte de renda, contudo… a partilha me
estorvava… Notei que os manos… tinham ideias diferentes das minhas…
e comecei a maquinar o projeto que acabei… executando…
11 Uma crise de soluços embargou-lhe
a voz, mas Druso, amparando-o magneticamente, insistiu:
— Continue, continue…
12 — Admiti, — continuou
o enfermo com acento mais firme, — que somente poderia ser feliz, aniquilando
meus irmãos e… quando o inventário estava prestes a decidir-se, convidei-os
a passear comigo… de barco… inspecionando grande lago de nosso sítio…
Antes, porém, dei-lhes a beber um licor entorpecente… Calculei o tempo
que a droga reclamaria para um efeito seguro e… quando a nossa conversação
ia acesa… percebendo-lhes os sinais de fadiga… num gesto deliberado
desequilibrei a embarcação, em conhecido trecho… onde as águas eram
mais fundas… 13 Ah!
que calamidade inesquecível!… Ainda agora, escuto-lhes os brados arrepiantes
de horror, implorando socorro… Mas… de nervos dormentes… a breves minutos…
encontraram a morte… Nadei de consciência pesada, mas firme em meus
aloucados propósitos… abordando a praia e clamando por auxílio… Com
atitudes estudadas, pintei um imaginário acidente… 14
Foi assim que me apossei da fazenda inteira, legando-a, mais tarde,
a Luís… o meu filho único… Fui um homem rico e tido por honesto… O dinheiro
granjeou-me considerações sociais e privilégios públicos que a política
distribui com todos aqueles que se fazem vencedores no mundo… pela sagacidade
e pela inteligência… 15
De quando em quando… recordava meu crime… nuvem constante a sombrear-me
a consciência… mas… em companhia de Alzira… a esposa inolvidável… procurava
distrações e passeios que me tomassem a atenção… 16
Nunca pude ser feliz… Quando meu filho se fez jovem… minha mulher adoeceu
gravemente… e da febre que a devorou por muitas semanas… passou à loucura…
com a qual se afogou no lago… numa noite de horror. 17
Viúvo… perguntava a mim mesmo se não estava sendo joguete… do fantasma
de minhas vítimas… entretanto… temia todas as referências em torno da
morte… e busquei simplesmente gozar a fortuna que era bem minha…
18 O infeliz entregou-se a
larga pausa de repouso, diante de nossa expectativa, continuando, logo
após:
— Ai de mim, porém!… Tão logo cerrei os olhos físicos… diante do sepulcro…
não me valeram as preces pagas… porque meus irmãos que eu supunha mortos…
se fizeram visíveis à minha frente… Transformados em vingadores, ladearam-me
o túmulo… Atiraram-me o crime em rosto… cobriram-me de impropérios e
flagelaram-me sem compaixão… até que… talvez… cansados de me espancarem…
conduziram-me a tenebrosa furna… onde fui reduzido ao pesadelo em que
me encontro… 19 Em meu
pensamento… vejo apenas o barco no crepúsculo sinistro… ouvindo os brados
de minhas vítimas… que soluçam e gargalham estranhamente… Ai de mim!…
estou preso à terrível embarcação… sem que me possa desvencilhar… Quem
me fará dormir ou morrer?…
20 Como se o término da confissão
lhe trouxesse algum descanso, arrojou-se o doente a enorme apatia.
21 Druso enxugou-lhe o pranto,
dirigiu-lhe palavras de consolo e carinho e recomendou ao Assistente
recolhê-lo à enfermaria especializada e, em seguida, falou-nos, pensativo:
— Já sabemos o necessário para estabelecer um ponto de partida na tarefa
assistencial. Tornaremos ao caso em momento oportuno.
E acrescentou, cismativo, depois de longa pausa:
— Que Jesus nos ampare.
22 Não nos foi possível,
contudo, aditar observações, porque um mensageiro vinha comunicar ao
Instrutor que uma caravana de recém-desencarnados estava prestes a chegar
e acompanhamo-lo ao serviço que ele nomeou como sendo “tarefa de inspeção”.
André Luiz
[1]
Para que isso aconteça, hoje sabemos ser necessário algum tipo de GPS. Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.
[2] Templo íntimo da instituição. — (Nota do Autor espiritual.)