“… do gênio violento…”
Neste começo, perdoem-me os leitores, explicarei em rápidas pinceladas como encontrei Francisco Cândido Xavier.
Papai era pintor sacro. Uma criatura por demais apegada aos filhos.
Recebia vários convites para pintar em igrejas fora de nossa cidade. Quando isso acontecia, sofria muito vendo-se longe da família. Certa feita, combinou com mamãe que não pintaria mais fora de Franca. Cumpriria somente o último compromisso. Quando voltasse, que mamãe escolhesse um bom presente e seria atendida. — “O maior presente que você poderá me dar quando voltar é levar-me para conhecer Francisco Cândido Xavier”, foi a resposta. Assim ficou combinado. Papai saiu, cumpriu seu compromisso e voltou.
Passaram-se uns dias e acertaram a viagem a Pedro Leopoldo.
Aconteceu, porém, que um ou dois dias antes da viagem, apareceram em casa alguns dos seus alunos, pois papai era professor de pintura, e o convidaram para pintar algumas paisagens no campo. Gostando muito desse tipo de pintura e devotado aos alunos, aceitou o convite.
Chegando nas proximidades da Usina de Peixoto Piçarra, um de seus alunos chamou-o e mostrou-lhe:
— “Olhe, Senhor Ferrante, que paisagens lindas são aquelas montanhas!”
Papai levantou-se para olhar. Nesse momento, infelizmente, a camioneta em que viajavam entrou numa curva acentuada e papai caiu para fora do veículo.
Seus alunos acudiram-no e perceberam que o caso era muito grave. Estava desacordado perdendo muito sangue. Voltaram rapidamente e passaram pela cidade de Ibiraci, a procura de um médico. Esse facultativo deu-lhe toda a assistência, acompanhando-o até o hospital de Franca. Imediatamente formou-se uma junta médica para observar o caso.
Acontece, porém, que os médicos, em vista da gravidade do caso e no afã de recuperar papai e como ele não reagia, acharam por bem enviá-lo a São Paulo para ser examinado por especialistas.
Nesse ínterim, o Dr. Thomaz Novelino tomou conhecimento do acidente e sabendo da providência que a junta médica pretendia tomar, aconselhou mamãe não deixar que o fizessem, considerando que o carinho e a presença da família muito contribuiriam para o tratamento. Papai esteve em coma por dezoito dias consecutivos. Depois foi se recuperando e ficou em tratamento que se prolongou por muito tempo. Posso dizer, de seis a oito anos.
Completamente curado, voltou a pintar.
Nessa época, o Dr. Agnello Morato esteve em Pedro Leopoldo e fotografou vários pontos da cidade para que papai pintasse. Gostaria de presentear Chico com um de seus quadros.
Pediu a papai que escolhesse uma das gravuras e a transferisse para a tela. Da escolha resultou a que mostra a queda de uma cachoeira existente em um recanto cujo nome não me recordo. Depois de pintada, foi levada pelo Dr. Morato.
Chico, ao desembrulhar e deparar com a imagem, num gesto de muita alegria falou:
— “Este quadro para mim é de grande valor. O artista escolheu exatamente a cachoeira onde Emmanuel apareceu-me pela primeira vez.”
Pouco tempo depois papai desencarnou. Era 23 de junho de 1955.
Um ano depois, consegui comprar uma camioneta e convidei mamãe para um passeio a Pedro Leopoldo. Aquele que papai não conseguira realizar.
Fomos quatro pessoas. Mamãe, Edera, minha irmã e Francisco Aguilar Algate.
Após dois dias de permanência em Pedro Leopoldo, não tínhamos conseguido ver Chico Xavier. Desanimados, pensamos em voltar.
No quarto do hotel, conversávamos. Bateram à porta chamando-nos e, gentilmente, a senhoria da casa nos informava da presença de Chico em frente ao prédio.
Saímos rapidamente, mas não conseguimos descer a escada em razão do excessivo número de pessoas. Estávamos bem atrás, nos últimos degraus. Chico, dentro de um veículo, avistou mamãe. Saiu do carro e, pedindo licença, foi subindo, aproximando-se dela. Chamou-a pelo nome, abraçou-a, apresentou-a às pessoas que ali estavam, como a esposa do artista Senhor Alberto Ferrante. Chamou-me pelo nome e depois convidou-nos para irmos ao seu encontro à noite. Precisávamos conversar. Era a primeira vez que o víamos e ele nos chamava pelo nome.
Minha alegria era imensa. Para aguardar até a noite, estava se tornando uma eternidade. Meu desejo de estar junto dele crescia de minuto a minuto.
Chegamos ao Centro. Iniciadas as tarefas fomos convidados a fazer parte junto das pessoas que integravam a mesa, processando-se a reunião dentro das disciplinas que a regiam. Fiquei impressionado de ver o grande número de receitas naquela primeira parte do trabalho.
Terminado o receituário, fomos brindados com a mensagem de Emmanuel. Em seguida, percebi a fisionomia de Chico alterar-se completamente e grossas lágrimas correrem-lhe pela face. A emoção tomou conta de todos e percebemos que naquelas linhas chegava alguma mensagem comovedora. Terminada a psicografia, encerrou-se o trabalho. Chico pediu licença à mamãe se poderia ler aquela carta a nós dirigida. Achava-a linda e emotiva, gostaria que os presentes conhecessem o seu conteúdo.
Acompanhamos com muita emoção a leitura. Trazia no seu texto o nome de todos os filhos, genros e outros assuntos de nosso conhecimento. Entregou-me logo após os originais e foi para a livraria atender as solicitações de autógrafos em alguns dos seus livros.
Notei na mensagem a ausência do nome de minha irmã Lourdes. Acreditei ter havido alguma razão para tal. Minha irmã Edera aproximou-se e em particular, pediu-me que colocasse o nome da irmã. Também notara sua falta. Recusei, dizendo-lhe que aguardássemos. Continuou insistindo e, resoluto, respondi-lhe uma vez mais que esperasse.
Nesse momento, uma das pessoas presentes chama-me:
— “O Chico quer falar consigo.”
Atendi-o prontamente. Chico com todo carinho pediu-me a mensagem de volta dizendo:
— “Seu paizinho, ainda presente, disse que na hora da psicografia, muito emocionado, deixou de colocar o nome de sua filhinha Lourdes.”
Perguntou-me também se conhecia os Senhores Arnulfo de Lima e Dr. Ulisses Paiva. O Sr. Arnulfo havia conhecido e o Dr. Ulisses só de nome. Mas mamãe, em seguida, confirmava tê-lo conhecido. Esclareceu-nos que no momento que papai escrevia, estava sendo auxiliado por esses dois abnegados companheiros, que seguravam sua mão para que pudesse marcar sua presença.
Convidou-me para a peregrinação do dia seguinte. Foi daí que nasceu a ideia de iniciar em Franca aquele tipo de assistência, mantido até hoje, graças a Deus. Em homenagem a papai, esse trabalho recebeu o seu nome.
Dessa data em diante passei a frequentar mais assiduamente Pedro Leopoldo, viajando a cada dois meses. Com esses encontros fui sedimentando cada vez mais meu conhecimento na Doutrina e aplicando-o na estrutura do trabalho assistencial em Franca, com todo amor e carinho. Hoje contamos com assistência médica, dentária, alimentar e moradias para viúvas que são visitadas todos os sábados.
Ao mudar-se para Uberaba, numa noite, Chico fazia um telefonema para seus familiares em Pedro Leopoldo. Enquanto aguardávamos a ligação, viu papai e informou-nos de sua presença. Estava pedindo que transmitisse um recado à minha irmã Rute: queria terminar alguns quadros que deixara inacabados. E o faria por seu intermédio. Ela deveria pegar sua caixa de tintas e pincéis. Ele se faria notar e usaria suas mãos.
Apesar de nunca ter pegado um pincel, ela aceitou a incumbência e os quadros foram terminados.
Até agora recebemos quatro mensagens. Numa delas papai cita o nome de vários Espíritos de francanos que estavam no trabalho com ele. Perdoem-me não citá-los. Precisaríamos de muito espaço.
Amigos, depois que conheci Chico, minha vida transformou-se por completo. Do gênio violento que eu tinha, passei a compreender melhor as coisas, dedicando-me mais aos necessitados. Sim, ali estava o verdadeiro sentido, o exemplo vindo do Evangelho aplicado. Para os que o conhecem há muito tempo, veem nele sempre o mesmo exemplo de conduta moral, de amor, de trabalho, de tolerância, na humildade que gostaríamos de exemplificar em nossa vida.
Alberto Ferrante Filho