FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER.
A página de trovas do nosso amigo espiritual Luciano dos Reis foi recebida no encerramento de nossa reunião pública. Ante o reinício do tempo, no ano novo, n as conversações que nos precederam as tarefas versaram sobre a brevidade da existência humana.
Companheiros diversos se reportavam ao pesar por certas oportunidades perdidas, enquanto outros lançavam indagações sobre a significação do tempo em nossa vida.
No começo dos trabalhos O Livro dos Espíritos nos ofereceu a questão 992, ( † ) dando motivos a justas reflexões.
1 Ensino que a vida insiste
Em compor e recompor:
— O tempo que faz o ódio
É o mesmo que faz o amor.
2 A criatura sem tempo,
Que não gasta o tempo em vão,
Em tempo algum acha tempo
Para ouvir a tentação.
3 Há quem não roube dinheiro,
Nem vantagem parecida,
Mas furta o valor do tempo
Necessário à luz da vida.
4 Filosofia do tempo
Em qualquer tempo e lugar:
— Infeliz do coração
Que não consegue esperar.
5 O tempo recorda, a gleba
Onde a mata se agiganta,
Recebe qualquer semente,
Dá tudo do que se planta.
6 Bondade, apoio, serviço,
Resgate, atenção, dever…
Nota que o tempo não para,
Não há momento a perder.
7 Ação é a mente por fora
Que nos põe a vida em tela,
Os outros nos fotografam,
Depois o tempo revela.
8 Para encontrar a justiça
Reflete no Eterno Bem…
Deus dá tempo igual a todos,
Não menospreza ninguém.
Luciano dos Reis
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Desde que o homem começou a pensar, a tomar consciência de si mesmo e do mundo, o problema do tempo o preocupou. Muitos equacionaram esse problema, mas ninguém o resolveu. O primeiro aforismo de Hipócrates aparece em latim na forma clássica de Ars longa, vita brevis que Camões repete neste verso: “Para tão curta vida, tão longa arte!” O simpósio espírita semanal de Uberaba teria também de enfrentar esse problema, mas agora dispondo da solução espírita.
O Eclesiastes ( † ) afirma que Deus fez tempo para tudo. Em A Gênese de Allan Kardec, ( † ) temos uma definição do tempo que nos mostra a sua relatividade. Esta concepção da relatividade do tempo se acentua na doutrina das vidas sucessivas, das existências palingenésicas que são solidárias entre si. Para cada existência, um determinado tempo — o tempo necessário à execução das tarefas que o Espírito traz como sua incumbência inalienável na reencarnação.
Assim, o aforismo Ars longa, vita brevis corresponde apenas a uma visão limitada das coisas. Deus nos concede tempo para tudo, mas não nos exíguos limites de uma encarnação. Camões via a extensão infinita da arte, em que poderia criar sem cessar, mas se angustiava com o tempo exíguo de que dispunha. Não obstante, além dos limites existenciais ele poderia dispor do ilimitado da vida que se amplia na duração em termos de imortalidade. Assim como o dia é curto para a execução de um trabalho, mas podemos prolongá-lo com o dia seguinte, assim acontece na sucessão das encarnações.
As Filosofias da Existência nos reclamam atenção para o aqui e o agora, mas o existencialismo espírita, valorizando essas categorias no momento que passa, não se esquece de que já dispusemos do ontem e disporemos do amanhã. No tempo anterior, no ontem, condicionamos o aqui e o agora à execução de determinadas tarefas e Deus nos concede hoje o tempo para isso. Se aproveitarmos bem o tempo concedido, ele não nos parecerá insuficiente. Se o esbanjarmos condicionaremos o amanhã a novas angústias de tempo.
É assim que podemos entender os versos finais de Luciano dos Reis: ( † ) “Deus dá tempo igual a todos / não menospreza ninguém”. Reclamamos do tempo o que devíamos reclamar de nós mesmos, pois o que nos falta neste momento corresponde exatamente ao que esperdiçamos ainda há pouco. Se aproveitarmos com inteligência e cuidado cada minuto que passa, veremos que Deus nos concedeu tempo para tudo o que temos realmente de fazer nesta vida.
Irmão Saulo
[1] Ano de 1973.