Numa série de conferências feitas em abril último, pelo Sr. Chavée, † no Instituto Livre do boulevard des Capucines, † nº 39, o orador fez, com tanto talento quanto verdadeira ciência, um estudo analítico e filosófico dos Vedas † indianos e das leis de Manu, † comparadas com o livro de Jó e os Salmos. O tema conduziu a considerações de elevado alcance, que tocam diretamente os princípios fundamentais do Espiritismo. Eis algumas notas colhidas por um ouvinte dessas conferências; não são senão pensamentos apanhados a esmo, que perdem necessariamente ao serem destacados do conjunto e privados de seus desenvolvimentos, mas que bastam para mostrar a ordem das ideias seguidas pelo autor:
“De que serve lançar um véu sobre o que é? De que serve não dizer bem alto o que se pensa baixinho? É preciso ter a coragem de dizer. Quanto a mim, terei esta coragem.”
“Nos Vedas indianos está dito: “Têm-se os seus pares no alto.” E eu sou desta opinião.”
“Com os olhos da carne não se pode ver tudo.”
“O homem tem uma existência indefinida e o progresso da alma é indefinido. Seja qual for a soma de suas luzes, ela tem sempre a aprender, porque tem o infinito à sua frente e, embora não o possa atingir, seu objetivo será sempre dele se aproximar cada vez mais.”
“O homem individual não pode existir sem um organismo que o limite no seio da criação. Se a alma existe após a morte, então tem um corpo, um organismo que chamo organismo superior, em oposição ao corpo carnal, que é o organismo inferior. Durante a vigília, esses dois organismos estão, a bem dizer, confundidos; durante o sono, o sonambulismo e o êxtase, a alma não se serve senão de seu corpo etéreo ou organismo superior; ela é mais livre neste estado; suas manifestações são mais elevadas, porque age sobre esse organismo mais perfeito, que lhe oferece menos resistência; ela abarca um conjunto de relações admiráveis, o que não pode fazer com o seu organismo inferior, que limita a sua clarividência e o campo de suas observações.”
“A alma é sem extensão; ela não é estendida senão pelo seu corpo etéreo, e circunscrita pelos limites desse corpo, que São Paulo chama organismo luminoso.”
“Um organismo, etéreo nos seus elementos constitutivos, mas invisível e atingível apenas pela indução científica, em nada contraria as leis conhecidas da física e da química.”
“Há fatos que a experimentação sempre pode reproduzir, constatando no homem a existência de um organismo interno superior, que deve suceder ao organismo opaco habitual, no momento da destruição deste último.”
“Depois que a morte separou a alma de seu organismo carnal, ela continua a vida no espaço, com seu corpo etéreo, assim conservando a sua individualidade. Entre os homens de que falamos e que estão mortos segundo a carne, certamente os há aqui entre nós, que assistem, invisíveis, às nossas conversas; estão ao nosso lado e planam acima de nossas cabeças; veem-nos e nos escutam. Sim, estão aqui, eu vo-lo asseguro.”
“A escala dos seres é contínua; antes de ser o que somos, passamos por todos os graus desta escala, que estão abaixo de nós, e continuaremos a subir os que estão acima. Antes que nosso cérebro fosse réptil, foi peixe, e foi peixe antes de sër mamífero.”
“Os materialistas negam estas verdades; são honestos; são de boa-fé, mas se enganam! Desafio um materialista a vir aqui, a esta tribuna, provar que tem razão e que estou errado. Que venham provar o materialismo! Não, não o provarão; apenas emitirão ideias apoiadas no vazio; apenas oporão denegações, ao passo que vou demonstrar por fatos a verdade de minha tese.”
“Há fenômenos patológicos que provam a existência da alma após a morte? Sim, há, e vou citar um. Vejo aqui doutores em medicina, que pretendem que isto não se dá. Apenas lhes responderei: Se não o vistes, é porque olhastes mal. Observai, buscai, estudai e o encontrareis, como eu próprio o achei.”
“É ao sonambulismo e ao êxtase que vou pedir as provas que vos prometi. – Ao sonambulismo? perguntar-me-ão. Mas a Academia de Medicina † ainda não o reconheceu. — E daí? Nada tenho com a Academia de Medicina e a dispenso. — Mas o Sr. Dubois, † de Amiens, † escreveu um grosso volume in-8º [Description of the character, manners, and customs of the people of India … Par Jean Antoine Dubois - Google Books.] contra essa doutrina. — Isto também não me importa; são opiniões sem provas, que desaparecem diante dos fatos.”
“Dir-me-ão ainda: “Não está mais na moda defender o sonambulismo.” Responderei que não me preocupo em estar na moda, e que se poucos homens ousam professar verdades que ainda atraem o ridículo, sou daqueles a quem o ridículo não pode atingir, e que o afrontam de bom grado, para dizer corajosamente o que julgam ser a verdade. Se cada um de nós agisse assim, em breve a incredulidade perderia todo o terreno que ganhou desde algum tempo, e seria substituída pela fé. Não a fé, filha da revelação, mas a fé mais sólida, filha da Ciência, da observação e da razão.”
O orador cita numerosos exemplos de sonambulismo e de êxtase, que lhe deram a prova, de certo modo material, da existência da alma, de sua ação isolada do corpo carnal, de sua individualidade após a morte e, finalmente, de seu corpo etéreo, que não é senão o envoltório fluídico ou perispírito.
Como se vê, a existência do perispírito, suspeitada desde toda a antiguidade pelas inteligências de escol, mas ignorada pelas massas, demonstrada e vulgarizada nestes últimos tempos pelo Espiritismo, é toda uma revolução nas ideais psicológicas e, por conseguinte, na filosofia. Admitido este ponto de partida, chega-se forçosamente, de dedução em dedução, à individualidade da alma, à pluralidade das existências, ao progresso indefinido, à presença dos Espíritos entre nós, numa palavra, a todas as consequências do Espiritismo, até ao fato das manifestações que se explicam de maneira toda natural.
Por outro lado, demonstramos no tempo que, partindo do princípio da pluralidade das existências, hoje admitido por numerosos pensadores sérios, mesmo fora do Espiritismo, se chega exatamente às mesmas consequências.
Se, pois, homens, cujo saber tem autoridade, professam abertamente, pela palavra ou por seus escritos, mesmo sem falar do Espiritismo, uns a doutrina do perispírito sob um nome qualquer, outros a pluralidade das existências, na realidade é professar o Espiritismo, pois são dois caminhos que a ele conduzem forçosamente. Se hauriram essas ideias em si mesmos e em suas próprias observações, isto só prova melhor que elas estão em a Natureza e quão irresistível é o seu poder. Assim, o perispírito e a reencarnação são, de agora em diante, duas portas abertas para o Espiritismo, no domínio da filosofia e nas crenças populares.
As conferências do Sr. Chavée são, pois, verdadeiras conferências espíritas, menos a palavra; e, sob este último aspecto, diremos que no momento elas são mais proveitosas à Doutrina do que se empunhassem abertamente a sua bandeira. Popularizam as suas ideias fundamentais sem ofuscar os que, por ignorância da coisa, tivessem prevenção contra o nome. Uma prova evidente da simpatia que estas ideias encontram na opinião é o acolhimento entusiasta que é feito às doutrinas professadas pelo Sr. Chavée, pelo numeroso público que se comprime em suas conferências.
Estamos persuadidos de que mais de um escritor, que põe os espíritas em ridículo, aplaude o Sr. Chavée e suas doutrinas, que acha perfeitamente racionais, sem suspeitar que seja nada mais nada menos que o mais puro Espiritismo.
O jornal Solidarité, em seu número de 1º de maio, por nós citado acima, dá um relato dessas conferências, para o qual chamamos a atenção dos nossos leitores, já que completa, sob outros pontos de vista, os ensinamentos acima.
Nota – A abundância das matérias nos obriga a adiar para o próximo número o relato de dois interessantíssimos folhetins do Sr. Bonnemère, autor do Romance do futuro, publicados no Siècle de 24 e 25 de abril de 1868, sob o título de Paris sonâmbula. O Espiritismo é aí claramente definido.