O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XI — Junho de 1868.

(Idioma francês)

O ESPIRITISMO EM TODA PARTE.


O Jornal La Solidarité.

O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõem todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem a mão para marchar em conjunto ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.

O Solidarité é um jornal cujos redatores levam seu título a sério. E que campo mais vasto e mais fecundo para o filósofo moralista do que esta palavra que encerra todo o programa do futuro da Humanidade! É por isso que esta folha, se não tem a popularidade das folhas leves, conquistou um crédito mais sólido entre os pensadores sérios. n Embora até hoje ela não se tenha mostrado muito simpática às nossas doutrinas, não rendemos menos justiça à sinceridade de seus pontos de vista e ao incontestável talento de sua redação. É, pois, com viva satisfação que hoje a vemos, por sua vez, fazer justiça aos princípios do Espiritismo. Seus redatores nos farão também a de reconhecer que não fizemos nenhuma diligência para os trazer a nós. Sua opinião, portanto, não resulta de nenhuma condescendência pessoal.


Sob o título de: Boletim do movimento filosófico e religioso, o número de 1º de maio contém um artigo notável, do qual extraímos as passagens seguintes:

“A confusão vai aumentando sem cessar. Onde irá parar? Não é só em política que não se entendem mais; não é somente em economia [organização] social, é também em moral e em religião, de sorte que a perturbação se estende a todas as esferas da atividade humana, que invadiu todo o domínio da consciência, e que a própria civilização está em causa.

“Não que a ordem material esteja em perigo. Há hoje na sociedade muitos elementos adquiridos e muitos interesses a conservar, para que a ordem material possa nela ser seriamente perturbada. Mas a ordem material nada prova. Pode persistir muito tempo, até que o princípio mesmo da vida social seja atingido e que a corrupção dissolva lentamente o organismo. A ordem reinava em Roma  †  sob os césares, enquanto a civilização romana ia desmoronando dia a dia, não sob o esforço dos bárbaros, mas sob o peso de seus próprios vícios.

“Nossa sociedade chegará a eliminar de seu seio os elementos mórbidos que ameaçam transformar-se em germes de dissolução e de morte? Nós o esperamos, mas é necessário o ponto de apoio dos princípios eternos, o concurso de uma ciência verdadeiramente positiva, e a perspectiva de um ideal novo.

“Eis as condições da salvação social, porque aí estão, para os indivíduos, os meios de um verdadeiro renascimento. Uma sociedade não pode ser mais que o produto dos seres sociais que a constituem, e como o resultante de seu estado físico, intelectual e moral. Se quiserdes uma transformação social, fazei primeiro o homem novon

“Embora o círculo dos leitores das publicações filosóficas tenha crescido muito nestes últimos anos, quanta gente ainda ignora a existência desses jornais ou negligencia a sua leitura! É um erro. Sem eles, é impossível dar-se conta do estado das almas. Os órgãos da filosofia contemporânea têm ainda um outro alcance: preparam as questões que os acontecimentos levantarão em breve, e que será urgente resolver.

“Por certo a confusão é grande na imprensa filosófica; é um pouco a torre de Babel: 'cada um aí fala a sua língua e se preocupa muito mais em cobrir a voz do vizinho do que escutar as suas razões. Cada sistema aspira a ser único e exclui todos os outros. Mas é preciso guardar-se de os tomar ao pé da letra em seu exclusivismo. Talvez não haja um só que represente algum ponto de vista legítimo. Todos passarão: só a verdade é eterna; mas, talvez, nenhum deles seja completamente estéril; nenhum terá desaparecido sem juntar algo ao capital intelectual da Humanidade. O materialismo, o positivismo religioso e o positivismo filosófico, o independentismo (perdoem o barbarismo, que não é meu), o criticismo, o idealismo, o espiritualismo, o Espiritismo – pois é preciso contar com este recém-vindo, que tem mais partidários do que todos os outros reunidos – e, por outro lado, o protestantismo liberal, o idealismo liberal, e mesmo o catolicismo liberal: tais são os nomes das principais bandeiras que, a títulos diversos e com forças desiguais, se acham representados no campo filosófico. Sem dúvida não existe aí um exército, porque não há obediência a um chefe, nem hierarquia, nem disciplina, mas esses grupos, hoje divididos e independentes, podem ser reunidos por um perigo comum.

“O movimento filosófico a que assistimos precede de pouco tempo o grande movimento religioso que se prepara. Logo as questões religiosas apaixonarão os espíritos, como o faziam há pouco as questões sociais, e mais fortemente ainda.

“Que ordem deve fundar-se por uma simples evolução da ideia cristã, restabelecida na sua pureza primitiva, como o pensam alguns, ou por uma espécie de fusão das crenças no terreno vago de um deísmo judaico-cristão, como o esperam outros homens de boa vontade, ou, o que nos parece muito mais provável, pela intervenção de uma ideia mais larga e mais compreensível, que dá à vida humana o seu verdadeiro objetivo, a primeira necessidade da época em que estamos, é a liberdade: liberdade de pensar e de publicar o seu pensamento, liberdade de consciência e de culto, liberdade de propaganda e de pregação! Por certo, em meio a tantos sistemas que se defrontam, é impossível que não se veja abrir-se uma fase de discussões ardentes, apaixonadas, aparentemente desordenadas, embora essa fase preparatória seja necessária, como a agitação caótica é necessária à criação. Como os relâmpagos e os raios na atmosfera terrestre, a fermentação das ideias agita a atmosfera moral para a purificar. Quem pode temer a tempestade, sabendo que ela deve restabelecer o equilíbrio perturbado e renovar as fontes da vida?”


O mesmo número contém a seguinte apreciação de nossa obra sobre A Gênese. Não a reproduzimos senão porque se liga aos interesses gerais da doutrina:

“Passa-se em nossa época um fato de importância capital, e as pessoas fingem não ver. Contudo, aí há fenômenos a observar, que interessam à Ciência, notadamente a física e a fisiologia humanas; mas, ainda que os fenômenos chamados de Espiritismo só existissem na imaginação de seus adeptos, a crença no Espiritismo, espalhada com tanta rapidez por toda parte, é em si mesma um fenômeno considerável e muito digno de ocupar as meditações do filósofo.

“É difícil, mesmo impossível, apreciar o número das pessoas que creem no Espiritismo, mas pode dizer-se que essa crença é geral nos Estados Unidos, e que se propaga cada vez mais na Europa. Na França há toda uma literatura espírita. Paris possui dois ou três jornais que a representam. Lyon,  †  Bordeaux,  †  Marselha,  †  cada uma tem o seu.

“Na França, o Sr. Allan Kardec é o mais eminente representante do Espiritismo. Foi uma felicidade para essa crença ter encontrado uma inteligência que soubesse mantê-la nos limites do racionalismo. Teria sido fácil, com toda essa mistura de fenômenos reais e de criações puramente ideais e subjetivas que constituem a maravilha do que se chama o Espiritismo, deixar-se arrastar pela atração do milagre e pela ressurreição das velhas superstições! O Espiritismo poderia ter dado aos inimigos da razão um poderoso apoio, se tivesse voltado à demonologia, e existe no seio do mundo católico um partido que para isto ainda faz todos os esforços. Há também toda uma literatura deplorável, prejudicial, mas felizmente sem influência. Ao contrário, o Espiritismo, na França como nos Estados Unidos, resistiu ao espírito da Idade Média. O demônio nele não representa nenhum papel, e o milagre aí não vem introduzir as suas tolas explicações.

“Pondo de lado a hipótese que constitui o fundo do Espiritismo, e que consiste na crença de que os Espíritos das pessoas mortas se entretêm com os vivos por meio de certos processos de correspondência, muito simples e ao alcance de todos; pondo de lado, dizíamos, a hipótese deste ponto de partida, encontramo-nos em presença de uma doutrina geral, que está perfeitamente em relação com o estado da Ciência em nossa época, e que responde perfeitamente às necessidades e às aspirações modernas. E o que há de notável é que a Doutrina Espírita é mais ou menos a mesma em toda parte. Se não é estudada senão na França, pode-se crer que as obras do Sr. Allan Kardec, que são como a enciclopédia do Espiritismo, aí o são por muitos. Mas esta paridade da doutrina se estende aos outros países; por exemplo, os ensinamentos de Davis, nos Estados Unidos, não diferem essencialmente dos do Sr. Allan Kardec. É verdade que nas ideias emitidas pelo Espiritismo, nada se encontra que não pudesse ter sido encontrado pelo espírito humano entregue só aos recursos da imaginação e da ciência positiva; mas, desde que as sínteses que são propostas pelos escritores espíritas são científicas e racionais, merecem ser examinadas sem prevenção, sem ideia preconcebida, pela crítica filosófica.

“A nova obra do Sr. Allan Kardec aborda as questões que constituem o objeto de nossos estudos Hoje não podemos fazer-lhe um relatório. A ela voltaremos num próximo número e, ao mesmo tempo, diremos o que pensamos dos fenômenos ditos espíritas, e das explicações que dos mesmos podem ser dadas no estado atual da Ciência.”


Nota – Este mesmo número contém um notável artigo do Sr. Raisant, intitulado: Meu ideal religioso, e que os espíritas não desaprovariam. [Vide na Revista de agosto: O jornal La Solidarité.]



[1] Solidarité, jornal mensal de 16 páginas in-4, aparecendo no dia 1º de cada mês. Preço: Paris, 5 francos por ano; Departamentos, 6 francos; estrangeiro: 7 francos. Preço de um número: 25 centavos; pelos correios: 30 centavos. – Redação: rue des Saints-Pères,  †  13, na Livraria das Ciências Sociais.


[2] Escrevemos em 1862: “Antes de fazer as instituições para os homens, deve-se formar os homens para as instituições.” (Viagem Espírita.)


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