(Sociedade de Paris, †
16 de agosto de 1867. – Médium: Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo.)
1. — Nota – Entre as comunicações obtidas na última sessão da Sociedade, antes das férias, esta apresenta um caráter particular, que foge da forma habitual. Vários Espíritos dos que são assíduos às sessões e aí se manifestam algumas vezes, vieram sucessivamente dirigir algumas palavras aos membros da Sociedade antes de sua separação, por meio do Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo. Era como um grupo de amigos vindo se despedir e dar testemunho de simpatia, no momento da partida. A cada interlocutor que se apresentava, o intérprete mudava de tom, de atitude, de expressão, de fisionomia e, pela linguagem, se reconhecia o Espírito que falava, antes que fosse nomeado. Era bem ele que falava, servindo-se dos órgãos de um encarnado, e não o seu pensamento, traduzido mais ou menos fielmente ao passar por um intermediário; assim, a identidade era patente e, salvo a semelhança física, tinha-se diante de si o Espírito como em sua vida. Depois de cada alocução o médium ficava absorto durante alguns minutos; era o tempo de substituição de um Espírito por outro; depois, voltando a si pouco a pouco, retomava a palavra num outro tom. O primeiro que se apresentou foi o nosso antigo colega Leclerc, falecido em dezembro do ano passado:
2. — Alguns de vossos irmãos que partiram vêm aproveitar a ocasião para vos manifestar a sua simpatia, no momento de vossa separação.
A morte nada é, quando tem como resultado fazer nascer uma vida muito maior, muito mais larga, muito mais útil que a vida humana!… Sobrevém um atordoamento, segue-se uma prostração (alusão à maneira por que morreu) e me levanto mais livre e feliz ao entrar neste mundo invisível, que minha alma havia pressentido, que todo o meu ser desejava!… Livre!… planar no espaço!… Vi, observei, e minha alegria delirante só era temperada pelo exagerado pesar dos meus, pela ausência de minha personalidade material; mas hoje, que lhe pude provar a minha existência, e que demonstrei que se meu corpo não mais estava lá, meu Espírito lá estava mais ainda, sou feliz, muito feliz; porque o que não pôde fazer o encarnado, pôde obter no estado de espiritualidade. Hoje sou útil, muito útil, e graças à simpática afeição dos que me conheceram, minha utilidade é mais eficaz.
Como é bom poder servir aos irmãos e assim ser útil à Humanidade inteira! Como é bom, como é doce à alma poder fazer participar a Humanidade no pouco saber que se adquiriu pelo sofrimento! Eu que, outrora aprisionado neste corpo obtuso, hoje sou grande, e se não fosse o medo do vosso ridículo, eu me admiraria; porque, vede, ser bom é participar de Deus; e esta bondade eu a possuía? oh! respondei-me; vosso testemunho será uma felicidade a mais, aliada à felicidade que desfruto; mas, preciso de vossas palavras? não posso ler em vossos corações e ver os vossos sentimentos mais íntimos? Hoje, graças à minha desmaterialização, não posso ver os vossos mais secretos pensamentos?
Oh! Deus é grande e sua bondade é sublime! Meus amigos, inclinai-vos, como eu, ante a sua majestade; trabalhai para a realização de seus desígnios, fazendo mais e melhor do que eu mesmo pude fazer.
Leclerc.
3. — Para a alma que aspira à liberdade, como é longo o tempo na Terra, e como se faz esperar o momento tão sonhado! Mas, também, uma vez rompido o laço, com que rapidez o Espírito corre e voa para o reino celeste, que em vida via em sonhos e ao qual aspirava sem cessar! O belo, o infinito, o impalpável, todos os sentimentos mais puros, eis o apanágio dos que desprezam os tesouros humanos, querendo marchar na vida santa do bem, da caridade e do dever. Tenho minha recompensa e sou muito feliz, porque agora não mais espero as visitas dos que me são caros; agora não há mais limites para a minha vista, e esse sofrimento, esse longo emagrecimento do corpo acabou; sou alegre, contente, cheia de vivacidade. Não espero mais os visitantes: vou visitá-los.
Ernestine Dozon.
4. — São muito felizes os que hoje podem vir sem envergonhar-se ao vosso meio, comunicar-vos a sua alegria, o seu prazer ao entrarem aqui! Mas eu, que tomei o caminho dos covardes para evitar o caminho trilhado; eu, que entrei de surpresa num mundo que não me era desconhecido; eu, que quebrei a porta da prisão, em vez de esperar que ela me fosse largamente aberta, é em razão dessa mesma vergonha que me cobre o rosto, que venho a esta mesa, porque aqui encontro o meio de vos dizer: Obrigado por vosso perdão sincero, obrigado por vossas preces, pelo interesse que me prodigalizastes e que abreviaram os meus sofrimentos! Obrigado, ainda, pelos pensamentos de futuro, que vejo germinar em vossos corações, pela coletividade fraterna de vossas simpatias, das quais .me beneficiarei!
Hoje, o clarão apenas entrevisto tornou-se um farol luminoso, de raios largos e brilhantes; doravante vejo o caminho, e se vossas preces me sustentarem, como pressinto, se minha humildade e meu arrependimento não se desmentirem, podeis contar com mais um viajante nesta larga estrada que se chama o bem.
D.
5. — Fali… pequei… pequei muito!… E, contudo, se Deus coloca no cérebro de um homem uma inteligência e ao lado põe desejos a saciar, inclinações impossíveis de superar, por que faria o Espírito suportar as consequências desses obstáculos que não pôde vencer?… Mas eu me perco, blasfemo!… porque, desde que me tinha dado uma inteligência, era o instrumento com a ajuda do qual eu podia vencer os obstáculos… Quanto maior era essa inteligência, menos escusável sou…
Minha própria inteligência, sobretudo minha presunção, me perderam… Sofri moralmente todas as minhas decepções, muito mais que fisicamente, e não é dizer pouco!… Fazendo-vos estas confissões, sofro o passado e todos os sofrimentos dos meus, que vêm aumentar a bagagem dos males que já me esmagam… Oh! orai por mim! Hoje é um dia de indulgência. Pois bem! reclamo a vossa. Que me perdoem aqueles a quem ofendi e desprezei!
X.
6. — Espectador invisível, desde algum tempo assisto aos vossos estudos com uma felicidade muito grande! Vossos trabalhos ainda absorvem mais as minhas faculdades intelectuais do que quando eu era vivo. Vejo, observo, estudo, e hoje que as minhas fibras cerebrais não são mais obstruídas pela matéria, abri os olhos espirituais e posso ver os fluidos, que em vão tinha procurado perceber em vida.
Pois bem! se pudésseis ver essa imensa teia, esse emaranhado fluídico, vossos raios visuais se aniquilariam de tal modo que só perceberíeis as trevas. Eu vejo, sinto, ressinto!… e nessas moléculas fluídicas, átomos impalpáveis, distingo as diferentes forças propulsoras; analiso-as, delas formo um todo que emprego ainda em benefício dos pobres corpos sofredores; reúno, aglomero os fluidos simpáticos, e vou simplesmente, gratuitamente, derramá-los sobre os que deles necessitam.
Ah! o estudo dos fluidos é uma bela coisa! E compreenderíeis quanto todos esses mistérios são preciosos para mim, se, como eu, tivésseis consagrado em vão toda a vossa existência em os penetrar. Graças ao Espiritismo, o aparente caos desses conhecimentos foi posto em ordem; o Espiritismo distinguiu o que é do domínio físico daquilo que pertence ao mundo espiritual; reconheceu duas partes bem distintas no magnetismo; tornou seus efeitos fáceis de reconhecer, e Deus sabe o que o futuro lhe reserva!
Mas, percebo que absorvo todo o vosso tempo em meu benefício, quando outros Espíritos ainda vos desejam falar. Voltarei, pela escrita, para continuar a vos desenvolver minhas ideias sobre esses estudos com que, em vida, tanto gostei de me entreter.
E. Quinemant.
7. — Meus caros filhos: O ano social espírita foi proveitoso para os vossos estudos, e venho com prazer testemunhar toda a minha satisfação. Muitos fatos foram analisados, muitas coisas incompreendidas foram elucidadas, e tocastes em certas questões que não tardarão a ser admitidas em princípio. Estou, ou antes, estamos satisfeitos.
Não obstante todo o ardor empregado até aqui, no meio de vós e por vossos inimigos, contra as vossas boas intenções, vossa falange foi a mais forte; se o mal fez algumas vítimas, é que nelas a lepra já existia. Mas já a chaga se cicatriza; entram os bons, e os maus se vão. E para os maus, que ficam no meio de vós, mais tarde o remorso será terrível, porque às suas taras juntam a da hipocrisia. Mas os que são sinceros, os que hoje se juntam a vós, os que trazem o seu devotamento à verdade e o desejo de a comunicar a todos, esses, meus filhos, eu vos digo que serão abençoados, porque levarão a felicidade não só para si, mas para todos os que os escutam. Olhai em vossas fileiras e vereis que os vazios criados pelas defecções são bem depressa preenchidos com vantagem por novas individualidades, e estas fruirão os benefícios que serão o apanágio da geração futura.
Ide, meus filhos! vossos estudos ainda são muito rudimentares; mas cada dia traz os meios de aprofundar mais e, para isto, novos instrumentos virão juntar-se aos que já tendes. Tereis instruções mais extensas e isto para maior glória de Deus e para maior bem-estar da Humanidade.
Há entre vós vários desses instrumentos, que tomarão lugar à vossa mesa, na reabertura; ainda não ousam declarar-se; mas encorajai-os; trazei ao vosso lado os tímidos e os orgulhosos, que julgam fazer melhor que os outros, e então veremos se os tímidos têm medo e se os orgulhosos não terão que refrear suas pretensões.
São Luís. n
8. — A epidemia que vem dizimar o mundo em certos momentos, e que conviestes chamar cólera, fere de novo e por golpes redobrados a Humanidade; seus efeitos são prontos e sua ação rápida. Sem nenhum aviso, o homem passa da vida à morte, e aqueles, mais privilegiados, poupados por sua mão fulminante, ficam estupefatos, trêmulos, ante as espantosas consequências de um mal desconhecido em suas causas, e cujo remédio se ignora completamente.
Nesses tristes momentos, o medo se apodera dos que apenas encaram a ação da morte, sem pensar no além, e que, só por este fato, com mais facilidade oferecem o flanco ao mal. Mas como a hora de cada um de nós está marcada, há que partir, a despeito de tudo, se ela tiver soado. A hora está marcada para bom número dos habitantes do universo terrestre; partem todos os dias; pouco a pouco o flagelo se espalha e vai estender-se sobre toda a superfície do globo.
Este mal é desconhecido e talvez o seja mais ainda hoje, porque, à sua constituição própria, juntam-se diariamente outros elementos que confundem o saber humano e impedem de achar o remédio necessário para deter a sua marcha. Assim, a despeito de sua ciência, os homens devem sofrer as suas consequências, e esse flagelo destruidor é muito simplesmente um dos meios para ativar a renovação humanitária, que se deve realizar.
Mas não vos inquieteis; para vós espíritas, que sabeis que morrer é renascer, se fordes atingidos e partirdes, não ireis à felicidade? Se, ao contrário, fordes poupados, agradecei-o a Deus, que assim vos permitirá aumentar a soma dos vossos sofrimentos e pagar mais pela prova.
De um lado como de outro, quer a morte vos fira, quer vos poupe, só tendes a ganhar; ou, então, não vos digais espíritas.
Doutor Demeure.
9. — Isto é para ele (o médium fala de si na terceira pessoa). — Vede, foi dito que virá um momento em que ele poderia ver, ouvir e repousar por sua vez. Pois bem! esse momento é chegado, para vós e não para os outros; na reabertura ele não adormecerá mais, salvo alguns casos excepcionais, nos quais a sua utilidade se fizer sentir; neste momento ele o lamenta, mas, daqui a pouco, quando despertar e souber, ficará muito contente… o egoísta!… Contudo, ele ainda tem muito a fazer; daqui até lá, ele dormirá; raramente felicitará e fustigará muitas vezes: é a sua tarefa. Orai para que ela lhe seja fácil, para que sua palavra leve a paz, a consolação e a conciliação, aonde se fizerem necessárias. Ajudai-o com o vosso pensamento; ao retornar ele porá toda a sua boa vontade em vos secundar, e o fará de todo o coração; mas sustentai-o, pois precisa muito. Aliás, as circunstâncias excepcionais em que irá dormir talvez não sejam, infelizmente, muitas vezes motivadas. Enfim, dizei como ele: Que a vontade de Deus seja feita!
Morin.
Allan Kardec.
Paris. – Typ. de Rouge frères, Dunon et Fresné, rue du Four-Saint-Germain, † 43.
[1] [v.
São
Luís.]