1. — Vários jornais referiram-se com elogios ao romance Mireta, do qual falamos na Revista de fevereiro de 1867. Só podemos cumprimentar os jornalistas, que não se detiveram ante as ideias contidas nessa obra, embora contrárias às suas convicções. É um progresso, porque tempo houve em que o simples colorido espírita teria sido motivo de reprovação. Viu-se com que parcimônia e embaraço os próprios amigos de Théophile Gautier falaram de seu romance Espírita. É verdade que, fora do que toca o mundo espiritual, o caráter essencialmente moral de Mireta pouco se prestava à zombaria. Por mais céptico que se seja, não se ri daquilo cuja consequência é o bem.
A crítica fixou-se principalmente neste ponto: Por que misturar o sobrenatural neste simples relato? Era útil à ação apoiar-se em casos de visões e aparições? Que necessidade tinha o autor de transportar os seus heróis para o mundo imaginário da vida espiritual, para chegar à realização da reparação decretada pela Providência? Não temos milhares de histórias edificantes sem o emprego de semelhantes recursos?
Certamente isto não era necessário. Mas diremos a esses senhores: Se o Sr. Sauvage tivesse feito um romance católico, far-lhe-íeis, por mais cépticos que fôsseis, uma censura por empregar como recurso da ação o inferno, o paraíso, os anjos, os demônios e todos os símbolos da fé? Por fazer intervirem os deuses, as deusas, o Olimpo † e o Tártaro num romance pagão? Por que, então, achar mau que um escritor, espírita ou não, utilize os elementos oferecidos pelo Espiritismo, que é uma crença como qualquer outra, tendo seu lugar ao sol, se esta crença se presta ao assunto? Com menos forte razão pode ser censurado se, em sua convicção, aí vê um meio providencial para chegar ao castigo dos culpados e à recompensa dos bons.
Se, pois, no pensamento do escritor, essas crenças são verdadeiras, por que não as exporia num romance, tanto quanto numa obra filosófica? Mas há mais: é que, como temos dito muitas vezes, estas mesmas crenças abrem à literatura e às artes um campo vasto e novo de exploração, onde colherão a mancheias quadros comoventes e as mais interessantes situações. Vede o partido que tirou Barbara, por mais incrédulo que fosse, em seu romance o Assassinato da Ponte Vermelha (Revista de janeiro de 1867). Apenas, como aconteceu com a arte cristã, os que tiverem fé lhes tirarão melhor proveito; aí encontrarão motivos de inspiração, que jamais terão os que só fazem obras de fantasia.
2. — As ideias espíritas estão no ar; como se sabe, abundam na literatura
atual; os mais cépticos escritores a elas recorrem sem o suspeitar,
impelidos pela força mesma do raciocínio, a empregá-las como explicações
ou meios de ação. É assim que, muito recentemente, o Sr.
Ponson du Terrail, que mais de uma vez divertiu-se à custa do Espiritismo
e de seus adeptos, num romance-folhetim intitulado
Mon Village - Google Books, publicado no Moniteur
da tarde (7 de janeiro de 1867), assim se exprime:
“Estas duas crianças já se amam e talvez jamais ousassem dizê-lo.
“Por vezes o amor é instantâneo e facilmente levaria a crer na transmissão das almas e na pluralidade das existências. Quem sabe? Estas duas almas, que palpitam ao primeiro contato e que, há pouco, se julgavam desconhecidas uma da outra, outrora não foram irmãs?
“E, quando chegavam na Grand’Rue de Saint-Florentin, cruzaram com um homem que andava muito depressa e que, à sua vista, experimentou uma espécie de comoção elétrica. Esse homem era Mulot, que saía do café Universo. Mas o Sr. Anatole e Mignonne não o viram. Recolhidos e silenciosos, vivendo por assim dizer em si mesmos, sem dúvida suas almas estavam longe desta terra que pisavam.”
Então o autor viu no mundo situações semelhantes às que acaba de descrever, e que são um problema para o moralista; não encontra solução lógica senão admitindo que essas duas almas encarnadas, solicitadas uma para a outra por irresistível atração, podiam ter sido irmãs em outra existência. Onde colheu este pensamento? Por certo não foi nas obras espíritas, que provavelmente não leu, como o provam os erros cometidos toda vez que falou da doutrina. Colheu-a nessa corrente de ideias que atravessam o mundo, às quais nem mesmo os incrédulos podem escapar, e que de boa-fé julgam tirar do próprio íntimo. Mesmo combatendo o Espiritismo, trabalham sem o querer para acreditar os seus princípios. Pouco importa a via pela qual esses princípios se infiltram; mais tarde reconhecerão que só lhe falta o nome.
3. — Sob o título de Conto de Natal, o Avenir National de 26 de dezembro de 1866 publicava um artigo do Sr. Taxile Delort, escritor muito pouco espírita, como se sabe, no qual o autor supõe um jornalista sentado, na véspera do Natal, ao pé do fogo, perguntando em que se havia tornado a Boa Nova que os anjos, em tal dia, tinham vindo anunciar ao mundo há dois mil anos. Como se entregasse às suas reflexões, o jornalista ouviu uma voz firme e doce, que lhe dizia:
“Eu sou o Espírito; o da Revolução; o Espírito que fortifica os indivíduos e os povos; trabalhadores, de pé! o passado ainda conserva um sopro de vida e desafia o futuro. O progresso, mentira ou utopia! vos gritam; não escuteis estas vozes enganosas; para tomar forças e marchar para frente, olhai um momento para trás de vós.
“O progresso é invencível; ele se serve até dos que lhe resistem para avançar.”
Não acompanharemos o jornalista e o Espírito no diálogo que se estabeleceu entre eles, e no qual este último desdobra o futuro, porque marcham num terreno que nos é interdito; apenas faremos notar que recurso emprega o autor para chegar aos seus fins. Aos seus olhos esse recurso é pura fantasia, mas não nos surpreenderíamos se um verdadeiro Espírito lhe tivesse soprado a frase acima, que sublinhamos.
4. — Neste momento representam no teatro Ambiguidade um drama dos mais
comoventes, intitulado
Maxwel - Google Books, pelo Sr. Jules Barbier. n
Eis, em duas palavras, o nó da intriga.
Um pobre tecelão, chamado Buttler, é acusado do assassinato de um gentil-homem, e todas as aparências são de tal modo contra ele que é condenado pelo juiz Maxwel a ser enforcado. Só um homem poderia justificá-lo, mas não se sabe que fim levou. Entretanto, a mulher do tecelão, num acesso de sono sonambúlico, viu esse homem e o descreveu; então poderiam encontrá-lo. Um bom e sábio médico, que acredita no sonambulismo, amigo do juiz Maxwel, vem informá-lo desse incidente, a fim de obter um sursis para a execução. Mas Maxwel, céptico quanto a essas faculdades, que considera sobrenaturais, mantém a sentença e se dá a execução. Algumas semanas depois o homem reaparece e conta o que se passou. A inocência do condenado é demonstrada e a visão da sonâmbula confirmada.
Contudo, o verdadeiro assassino permaneceu desconhecido. Passaram-se quinze anos, durante os quais se sucederam vários incidentes. O juiz, acabrunhado de remorsos, dedica a vida à procura do culpado. A viúva de Buttler, que se expatriou levando a filha, morreu na miséria. Mais tarde a filha se torna cortesã da moda, sob outro nome. Uma circunstância fortuita lhe põe nas mãos o cutelo usado pelo assassino; como sua mãe, cai em sonambulismo e esse objeto, como fio condutor, levando-a ao passado, ela conta todas as peripécias do crime e revela o verdadeiro culpado, que não é outro senão o próprio irmão do juiz Maxwel.
Não é a primeira vez que o sonambulismo foi posto em cena; mas o que distingue o drama novo é que é representado sob uma luz eminentemente séria e prática, sem qualquer mistura do maravilhoso e em suas consequências mais graves, pois serve de meio de protesto contra a pena de morte. Provando que o que o homem não pode ver com os olhos do corpo não está oculto aos da alma, é demonstrar a existência da alma e sua ação independente da matéria. Do sonambulismo ao Espiritismo a distância não é grande, pois se explicam, se demonstram e se completam um pelo outro; tudo o que tende a propagar um, tende igualmente a propagar o outro. Os Espíritos não se enganaram quando anunciaram que a ideia espírita surgiria por todos os meios. A dupla vista e a pluralidade das existências, confirmadas pelos fatos e acreditadas por inúmeras publicações, entram cada dia mais nas crenças e não mais surpreendem: são duas portas abertas de par em par ao Espiritismo.
[1] [Paul Jules Barbier foi um poeta, dramaturgo e libretista francês nascido em 8 de março de 1825 e falecido em 16 de janeiro de 1901.] †