O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Revista espírita — Ano IX — Março de 1866.

(Idioma francês)

Mediunidade mental.

(Sumário)

1. — Um dos nossos correspondentes nos escreve de Milianah  †  (Argélia):


“…A propósito do desprendimento do Espírito, que se opera em todo o mundo durante o sono, meu guia espiritual me exercita em vigília. Enquanto o corpo está entorpecido, o Espírito se transporta para longe, visita as pessoas e os locais que aprecia, e a seguir volta sem esforço. O que me parece mais surpreendente é que, enquanto estou como em catalepsia, tenho consciência desse desprendimento. Exercito-me também no recolhimento, o que me proporciona a agradável visita de Espíritos simpáticos, encarnados e desencarnados. Este último estudo só ocorre durante a noite, cerca de duas ou três horas e quando o corpo, repousado, desperta. Fico alguns instantes à espera, como depois de uma evocação. Então sinto a presença do Espírito por uma impressão física e logo surge em meu pensamento uma imagem que me faz reconhecê-lo. Estabelece-se um diálogo mental, como na comunicação intuitiva, e esse gênero de conversa tem algo de adoravelmente íntimo. Muitas vezes meu irmão e minha irmã encarnados me visitam, às vezes acompanhados por meu pai e minha mãe, do mundo dos Espíritos.

“Há poucos dias tive a vossa visita, caro mestre, e pela doçura do fluido que me penetrava, eu julgava que fosse um dos nossos bons protetores celestes. Imaginai a minha alegria ao reconhecer em meu pensamento, ou, antes, em meu cérebro, como o próprio timbre de vossa voz. Lamennais nos deu uma comunicação a esse respeito e deve encorajar os meus esforços. Eu não vos poderia dizer do encanto que dá esse gênero de mediunidade. Se tiverdes junto a vós alguns médiuns intuitivos, habituados ao recolhimento e à tensão de espírito, eles podem ensaiar também. Evoca-se e, em vez de escrever, conversa-se, exprimindo bem as ideias, sem verborragia.

“Muitas vezes meu guia me fez a observação de que eu tinha um Espírito sofredor, um amigo que vem instruir-se ou buscar consolações. Sim, o Espiritismo é um benefício inapreciável; abre vasto campo à caridade, e aquele que está inspirado de bons sentimentos, se não pode vir em socorro de seu irmão materialmente, sempre o pode espiritualmente.”


2. — Esta mediunidade, à qual damos o nome de mediunidade mental, por certo não é própria para convencer os incrédulos, porque nada tem de ostensiva, nem desses efeitos que chocam os sentidos; é toda para a satisfação íntima de quem a possui. Mas também é preciso reconhecer que ela se presta muito à ilusão e que é o caso de desconfiar das aparências. Quanto à existência da faculdade, não se poderia pô-la em dúvida; pensamos mesmo que deve ser a mais frequente, porque é considerável o número das pessoas que, em estado de vigília, sofrem a influência dos Espíritos e recebem a inspiração de um pensamento, que sentem não ser o seu. A impressão agradável ou penosa que por vezes se sente à vista de alguém que se vê pela primeira vez; o pressentimento que se tem da aproximação de uma pessoa; a penetração e a transmissão do pensamento são outros tantos efeitos que se prendem à mesma causa e constituem uma espécie de mediunidade, que se pode dizer universal, pois cada um lhe possui, ao menos, os rudimentos. Mas para experimentar seus efeitos marcantes é necessário uma aptidão especial ou, melhor, um grau de sensibilidade mais ou menos desenvolvido conforme os indivíduos. A esse título, como temos dito desde longo tempo, todos são médiuns, e Deus não deserdou ninguém da preciosa vantagem de receber os salutares eflúvios do mundo espiritual, que se traduzem de mil maneiras diferentes. Mas as variedades que existem no organismo humano não permitem a todo o mundo obter efeitos idênticos e ostensivos.

Tendo sido discutida esta questão na Sociedade de Paris, foram dadas as seguintes instruções sobre o assunto, por diversos Espíritos:


I.


3. — O sentido espiritual pode ser desenvolvido, como diariamente se vê desenvolver-se uma aptidão por um trabalho constante. Ora, sabeis que a comunicação do mundo incorpóreo com os vossos sentidos é constante; ela se dá a cada hora, a cada minuto, pela lei das relações espirituais. Que os encarnados ousem negar aqui uma lei da própria Natureza!

Acabam de dizer-vos que os Espíritos se veem e se visitam uns aos outros durante o sono, e disto tendes muitas provas. Por que quereríeis que isto não ocorresse em vigília? Os Espíritos não têm noite. Não; constantemente estão ao vosso lado; eles vos vigiam; vossos familiares vos inspiram, vos suscitam pensamentos, vos guiam; falam-vos e vos exortam; protegem os vossos trabalhos, ajudam-vos a elaborar os vossos desígnios formados pela metade, vossos sonhos ainda indecisos; tomam nota de vossas boas resoluções, lutam quando lutais. Lá estão esses bons amigos, no começo de vossa encarnação; eles vos riem no berço, vos esclarecem nos estudos; depois se imiscuem em todos os atos de vossa passagem aqui na Terra; oram quando vos veem em preparo para ir encontrá-los.

Oh! não, jamais negueis vossa assistência diária! jamais negueis vossa mediunidade espiritual, porque blasfemais Deus e sereis tachados de ingratidão pelos Espíritos que vos amam.


H. Dozon.

(Médium: Sr. Delanne.)


II.


4. — Sim, esse gênero de comunicação espiritual é mesmo uma mediunidade, como, aliás, tendes ainda outros a constatar, no curso de vossos estudos espíritas. É uma espécie de estado cataléptico, muito agradável para quem lhe é objeto; proporciona todas as alegrias da vida espiritual à alma prisioneira, que aí encontra um encanto indefinível, que gostaria de experimentar sempre. Mas é preciso voltar de qualquer modo; e, semelhante ao prisioneiro ao qual permitem tomar ar num pátio, a alma entra constrangida na célula humana.

É uma mediunidade muito agradável esta que permite a um Espírito encarnado ver seus velhos amigos, poder conversar com eles, comunicar-lhes suas impressões terrestres e poder expandir o coração no seio de amigos discretos, que não buscam o ridículo no que lhes confiais, mas antes vos dar bons conselhos, se vos forem úteis. Esses conselhos, dados assim, têm mais peso para os médiuns que os recebe, pois o Espírito que lhos dá, a ele se mostrando, deixou uma impressão profunda em seu cérebro e, por este meio, gravou melhor em seu coração a sinceridade e o valor desses conselhos.

Esta mediunidade existe em estado inconsciente em muitas pessoas. Sabeis que há sempre perto de vós um amigo sincero, sempre pronto a sustentar e a encorajar aquele cuja direção lhe é confiada pelo Todo-Poderoso. Não, meus amigos, este apoio jamais vos faltará. Cabe a vós saber distinguir as boas inspirações entre todas as que se chocam no labirinto de vossas consciências. Sabendo compreender o que vem do vosso guia, não vos podeis afastar do reto caminho que deve seguir toda alma que aspira à perfeição.


Espírito Protetor.

(Médium: Sra. Causse.)


III.


5. — Já vos foi dito que a mediunidade se revelaria por diferentes formas: Esta que o vosso Presidente qualificou de mental está bem designada. É o primeiro grau da mediunidade vidente e falante.

O médium falante [psicofônico] entra em comunicação com os Espíritos que o assistem; fala com eles; seu espírito os vê, ou melhor, os adivinha; apenas não faz senão transmitir o que lhe dizem, ao passo que o médium mental pode, se for bem formado, dirigir perguntas e receber repostas, sem intermédio da pena ou do lápis, mais facilmente que o médium intuitivo, pois aqui o Espírito do médium, estando mais desprendido, é um intérprete mais fiel. Mas para isto é necessário um ardente desejo de ser útil, trabalhar em vista do bem com um sentimento puro de todo pensamento de amor-próprio e de interesse. De todas as faculdades mediúnicas, é a mais sutil e a mais delicada: basta o menor sopro impuro para a manchar. Só nestas condições é que o médium mental obterá provas da realidade das comunicações. Em pouco vereis surgir entre vós médiuns falantes que vos surpreenderão por sua eloquência e por sua lógica.

Esperai, pioneiros que tendes pressa de ver vossos trabalhos crescendo; novos obreiros virão reforçar vossas fileiras e este ano verá terminar-se a primeira grande fase do Espiritismo e começar outra não menos importante.

E vós, caro mestre, que Deus abençoe os vossos trabalhos; que vos sustente e nos conserve o favor especial que nos concedeu, permitindo-nos vos guiar e vos sustentar em vossa tarefa, que é também a nossa.

Como Presidente Espiritual da Sociedade de Paris,  †  velo por ela e por cada um de seus membros em particular, rogando ao Senhor que espalhe sobre vós todas as suas graças e as suas bênçãos.


São Luís. n

(Médium: Sra. Delanne.)


IV.


6. — Seguramente, meus amigos, a mediunidade, que consiste em conversar com os Espíritos, como pessoas que vivem a vida material, desenvolver-se-á mais à medida que o desprendimento do Espírito se efetuar com mais facilidade, pelo hábito do recolhimento. Quanto mais avançados moralmente forem os Espíritos encarnados, maior será esta facilidade de comunicações. Assim como dizeis, ela não será de uma importância muito grande do ponto de vista da convicção a dar aos incrédulos, mas tem para aquele que lhe é objeto uma grande doçura e o ajuda a desmaterializar-se cada vez mais. O recolhimento, a prece, este ímpeto da alma junto ao seu Autor, para lhe exprimir seu amor e seu reconhecimento, e também reclamar o seu auxílio, são os dois elementos da vida espiritual; são eles que derramam na alma esse orvalho celeste que ajuda o desenvolvimento das faculdades que aí estão em estado latente. Então, como são infelizes os que dizem que a prece é inútil porque não muda os desígnios de Deus! Sem dúvida, as leis que regem as diversas ordens de fenômenos não serão perturbadas ao bel-prazer deste ou daquele, mas a prece não terá por efeito senão melhorar o indivíduo que, por esse ato, eleva o pensamento acima das preocupações materiais; por isso ele não deve negligenciá-la.

É pela renovação parcial dos indivíduos que a sociedade acabará por ser regenerada, e Deus sabe se ela o necessita!

Ficais revoltados quando pensais nos vícios da sociedade pagã, ao tempo em que o Cristo veio trazer sua reforma humanitária; mas em vossos dias os vícios, por serem velados sob formas mais marcadas de polidez e de urbanidade, não deixam de existir menos. Não têm magníficos templos como os da Grécia antiga, mas, aí! têm o coração da maior parte dos homens e causam entre eles os mesmos danos que ocasionavam entre os que precederam a era cristã. Não é, pois, sem grande utilidade que os Espíritos vieram lembrar os ensinamentos dados há dezoito séculos, porquanto, os tendo esquecido ou mal compreendido, não os podeis aproveitar e os espalhar segundo a vontade do divino crucificado.

Agradecei, pois, ao Senhor, vós todos que fostes chamados a cooperar na obra dos Espíritos, e que vosso desinteresse e vossa caridade jamais enfraqueçam, porque é nisto que se reconhecem entre vós os verdadeiros espíritas.


Luís de França. n

(Médium: Sra. Breul.)      



[1] [v. São Luís.]


[2] [Embora a relação dos reis da França com esse nome seja enorme, acreditamos tratar-se do mesmo São Luís ou Luís IX de França.]


Abrir