Dos tempos ao fremir os séculos se vão
Com os bens das estações, passam sem compaixão,
E a morte então passou mas sem bater à porta
Que escondia o tesouro e em segredo o transporta;
A vida! Ó morte! A mão que tua mão dirige
Cansada de bater, ela amanhã te exige
Teus golpes suspender? Tua fome incontida
Ainda quer perturbar o banquete da vida?
Mas, se vens sem cessar, qualquer hora do dia,
Buscar mortos em nós para a tua estadia,
O Universo é tão pouco a teus fundos abismos,
Ou sem fundo é teu caos a tão cruéis sadismos.
Ó morte! Vês chorar a virgem sem chorar,
E as flores secas tu que a deviam ornar,
Sem permitir-lhe a fronte a coroa cingir
De rosas e de lis que o esposo deu-lhe a rir.
Não escutas, ó morte! o grito da criança,
Que impiedosa vens ferir sem esperança
De sua própria mãe deixá-la conhecer
Que a ela dava o céu dando a terra ao nascer.
Não escutas, ó morte! a este velho que em vida
Implora-te um favor, à hora da partida,
E a seu filho abraçar e à filha abençoar,
Pra tranquilo dormir da vida ante o cessar.
Mas, cruel! diz-me tu que os mortos vêm ser
Os que saem de cá para a outras margens ter?
Assim sofrerão sempre os tormentos da Terra
Em plena eternidade, e a prece o que ela encerra
Não poderia enfim dulcificar-lhe um dia?
E a morte respondeu: Na morada sombria
Onde, livre, instalei meu tenebroso império,
A prece é poderosa e é Deus que a inspira sério
Aos entregues a mim. À tarde, ao retornar,
Em meu sangrento trono em pompa vou sentar,
Miro a amplidão dos céus e sou eu a primeira
Por meus mortos a prece a recitar inteira.
Escuta, filho, escuta: “Ó Deus onipotente,
Lá dos céus sobre mim, sobre eles, faz clemente
O teu piedoso olhar. Que um raio de esperança
Os lugares aclare onde a dor nos alcança.
Faze-nos ver, ó Deus! A terra do perdão,
Essa margem sem fim, essa vasta extensão,
Dos eleitos da terra, ou seja a pátria eterna
Onde a todos criaste a vida sempiterna;
Faze cada um de nós, ante a tua vontade,
Com respeito inclinar-se; em face à majestade
De teus desígnios, pois, prosternado te adore;
Se curve ante teu nome, e ainda erguendo-se ore,
Exclamando: Senhor! Se me houvestes banido
Da morada terrena, assim me haveis punido
Dos mortos no reduto, eu posso confessar
Ter merecido mais; batei-me sem cessar,
Senhor, e eu sofrerei sem murmúrio velado
E meus olhos jamais tão bem terão chorado
Para lavar de todo a mancha tenebrosa
Que sempre no presente atém-se vergonhosa.
Vossos golpes terei, levarei minha cruz
Sem jamais maldizer da prova a que fiz jus,
E quando derdes fim à minha justa prova
Se derdes tu, Senhor, ao ser que se renova
Os bens que ele perdeu na amarga soledade,
O ar puro, a brisa, o sol, a própria liberdade,
O ter repouso e paz diante de vós, Senhor,
Comprometo-me a orar por mim mesmo e em favor
De meus pobres irmãos ao peso quase eterno
De um sofrer que os retém presos ao próprio inferno;
Às suas sombras, pois, do outro lado a chorar,
A minha assim lhes diz, então, ao se afastar:
Coragem, meus irmãos, vós que ficais aqui,
Eu cumprirei nos céus, o que vos prometi.”
Casimir Delavigne. n |