Nosso colega da Sociedade de Paris, Sr. Leymarie, tendo ido fazer uma viagem a Corrèze, † aí se entretinha frequentemente sobre o Espiritismo, recebendo várias comunicações mediúnicas, entre as quais a que damos abaixo, e que, certamente, não podia estar em seu pensamento, pois ignorava se um dia qualquer tinha havido no mundo um indivíduo chamado Cosnac. Essa comunicação é notável porque pinta a posição singular de um Espírito que, desde dois séculos e meio não se julgava vivo, embora se achasse sob a impressão das ideias e da visão das coisas de seu tempo, sem se aperceber quanto tudo tinha mudado desde então.
(Tulle, † 7 de março de 1866.)
Há dois séculos e meio que, inconsciente de minha posição, vejo sem cessar o castelo-forte de meus antepassados, os fossos profundos, o senhor de Cosnac sempre ligado ao seu rei, ao seu nome, às suas lembranças de grandeza; há pajens e valetes por toda parte; homens de armas partindo para uma expedição secreta. Sigo todos esses movimentos, todo esse ruído; ouço os gemidos dos prisioneiros e dos colonos, dos servos temerosos, que passam humildemente em frente à casa do senhor; e tudo isto não passa de um sonho!…
Hoje meus olhos se abriram para ver tudo ao contrário o meu sonho secular! Vejo uma grande habitação burguesa, mas sem linhas de defesa; tudo está calmo. As grandes árvores desapareceram; dir-se-ia que uma mão de fada transformou a residência feudal e a paisagem agreste que a cerca. Por que essa mudança?… Então o nome que trago desapareceu e com ele o bom velho tempo?… Ai! é preciso perder os meus sonhos, os meus desejos, as minhas ficções, porque um novo mundo acaba de me ser revelado! Outrora bispo, orgulhoso de meus títulos, de minhas alianças, conselheiro de um rei, não admitia senão nossas personalidades, senão um Deus criando raças privilegiadas, a quem o mundo pertencia de direito, senão um nome que devia perpetuar-se e, como base desse sistema, a compressão e o sofrimento para o servo e para o artesão.
Algumas palavras puderam despertar-me!… Uma atração involuntária (outrora eu teria dito diabólica) atraiu-me para aquele que escreve. Ele discutiu com um padre que emprega, para defender a Igreja, todos os argumentos que outrora eu repetia, enquanto ele se serve de palavras novas, que explica simplesmente e – devo confessar? é seu raciocínio que permite que meus olhos vejam e meus ouvidos escutem. n
Para ele eu percebo as coisas tais quais são e, o que é mais estranho, depois de ter seguido em mais de um lugar onde ele defende o Espiritismo, eu volto ao sentimento de minha existência como Espírito; aprecio melhor, defino melhor as grandes leis do verdadeiro e do justo; rebaixo o meu orgulho, causa da catarata que me turvou a razão, meu juízo, durante dois séculos e meio e, contudo, vide a força do hábito, do orgulho de raça!… apesar da mudança radical operada nos bens de meus avós, nos costumes, nas leis e no governo; malgrado as conversas do médium que transmite meu pensamento, a despeito de minha visita aos grupos espíritas de Paris, e mesmo aos dos Espíritos que se preparam para a emigração para mundos adiantados, ou para reencarnações terrenas, foram-me necessários oito dias de reflexão para me render à evidência.
Nesse longo combate entre um passado desaparecido e o presente que nos empurra para as grandes esperanças, minhas resistências caíram, uma a uma, como as velhas armaduras quebradas de nossos antigos cavaleiros. Venho fazer ato de fé ante a evidência, e eu, de Cosnac, antigo bispo, afirmo que vivo, sinto, julgo. Esperando minha reencarnação, preparo minhas armas espirituais; sinto Deus em toda parte e em tudo; não sou um demônio, recuso meu orgulho de casta e em meu envoltório fluídico rendo homenagem ao Deus criador, ao Deus de harmonia que chama a si todos os seus filhos, a fim de que, depois de vidas mais ou menos acidentadas, cheguem purificados nas esferas etéreas onde esse Deus tão magnânimo os fará gozar da suprema sabedoria.
De Cosnac.
Nota. – O penúltimo arcebispo de Sens chamava-se
Jean-Joseph-Marie-Victoire de Cosnac, tinha nascido em 1764,
no castelo de Cosnac, no Limousin e aí morreu em 1843. O Boletim
da Sociedade Arqueológica de Sens, tomo 7, página 301, diz que ele
era o décimo primeiro prelado que sua família tinha dado à Igreja. Assim,
nada há de impossível que um bispo desse nome tenha existido no começo
do século dezessete. [v.
Archevêques concordataires.]
[1]
(Referência à passagem evangélica de Mateus
13.16.)