O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VIII — Novembro de 1865.

(Idioma francês)

A Sociedade Espírita de Paris aos espíritas da França e do estrangeiro.

(Sumário)


1. — Caríssimos e mui honrados irmãos em crença,

Uma circunstância recente [Os irmãos Davenport em Paris,] forneceu aos nossos adversários ocasião para repetirem contra nossa doutrina certos ataques que, pela violência, ultrapassaram tudo quanto tinha sido feito até hoje, e para despejarem sobre os seus adeptos o sarcasmo, a injúria e a calúnia. A opinião de algumas pessoas pode ter sido desviada por algum instante, mas os protestos, verbais ou escritos, foram tão gerais, que já voltam atrás. Todos vós compreendestes que o Espiritismo está assentado em bases inabaláveis para receber qualquer ataque, e esse motim não poderá senão popularizá-lo e fazê-lo mais bem compreendido.

É próprio de todas as grandes verdades receber o batismo da perseguição. As animosidades que o Espiritismo levanta são a prova de sua importância, porquanto, se o julgassem sem valor, com ele não se preocupariam. No conflito que acaba de ser levantado, todos os espíritas guardaram a calma e a moderação, que são os sinais da verdadeira força; todos suportaram o choque com coragem e ninguém duvidou do resultado. Ficai, pois, convencidos de que esta atitude, ao mesmo tempo digna e firme, oposta às invectivas e à acrimônia da linguagem de nossos antagonistas, não deixa de fazer refletir e ter grande peso sobre a opinião. O público imparcial não se engana; mesmo sem tomar o fato e a causa por um ou por outro, uma secreta simpatia a atrai para aquele que, na discussão, sabe conservar sua dignidade; a comparação lhe é sempre vantajosa. Assim, estes últimos acontecimentos conquistaram numerosos partidários ao Espiritismo.

Nesta circunstância, a Sociedade de Paris  †  sente-se feliz ao oferecer a todos os seus irmãos da França e do estrangeiro suas felicitações e seus sinceros agradecimentos. Nas novas lutas que poderão ocorrer, ela conta com eles, como eles podem contar com ela.

Recebei, senhores e caros irmãos, a certeza de nosso inteiro e afetuoso devotamento.


Pelos membros da Sociedade, o Presidente,

Allan Kardec.


(Votada por unanimidade na sessão de 27 de outubro de 1865.)


2. ALOCUÇÃO.


NA REABERTURA DAS SESSÕES DA SOCIEDADE DE PARIS, A 6 DE OUTUBRO DE 1865.

Senhores e caros colegas,

No momento de retomar o curso de nossos trabalhos, é para todos nós, e para mim em particular, uma grande satisfação nos encontrarmos todos reunidos. Sem dúvida vamos reencontrar nossos bons guias espirituais; façamos votos para que, graças ao seu concurso, este ano seja fecundo em resultados. Permiti que vos dirija nesta ocasião algumas palavras de circunstância.

Depois de nossa separação [v. Aviso], fez-se um grande ruído a propósito do Espiritismo. A bem dizer, só tive conhecimento ao retornar, porque apenas alguns ecos chegaram até mim em meio à minha solidão nas montanhas.

A respeito não entrarei em detalhes, que hoje seriam supérfluos. Quanto à minha apreciação pessoal, vós a conheceis pelo que disse na Revista. [v. Os irmãos Davenport.] Apenas acrescentarei uma palavra: é que tudo vem confirmar minha opinião sobre as consequências do que se passou. Sinto-me feliz por ver que esta apreciação é compartilhada pela grande maioria, se não pela unanimidade dos espíritas, de que tenho provas diárias em minha correspondência.

Um fato evidente ressalta da polêmica encetada por ocasião dos irmãos Davenport: é a absoluta ignorância das críticas em relação ao Espiritismo. A confusão que eles estabeleceram entre o Espiritismo sério e a charlatanice por certo pode induzir, momentaneamente, algumas pessoas em erro, mas é notório que a própria excentricidade de sua linguagem levou muita gente a indagar o que ele tem de justo, e grande foi sua surpresa ao encontrar coisa completamente diversa de passes de mágica. Como já disse, o Espiritismo só tem a ganhar com isso, por ser mais bem conhecido e melhor apreciado. Esta circunstância, que está longe de ser obra do ocaso, incontestavelmente apressará o desenvolvimento da doutrina. Pode-se dizer que é um esforço sobre-humano, cujo alcance não tardará a fazer-se sentir.

Aliás, em breve o Espiritismo entrará numa nova fase que, forçosamente, chamará a atenção dos mais indiferentes, e o que acaba de passar-se aplanará os caminhos. Então se realizará aquela palavra profética do abade D…, cuja comunicação [item 3, 5º §] citei na Revista: “Os literatos serão os vossos mais poderosos auxiliares.” Eles já o são, sem o querer; mais tarde sê-lo-ão voluntariamente. Preparam-se circunstâncias que precipitarão este resultado, e é com segurança que digo que nestes últimos tempos os negócios do Espiritismo avançaram mais do que se poderia imaginar.


3. — Desde nossa separação soube muitas coisas, senhores. Porque não penseis que durante esta interrupção de nossos trabalhos eu tenha ido gozar as doçuras do far niente. É verdade que não visitei centros espíritas, mas nem por isto vi menos ou deixei de observar. Assim, trabalhei muito.

Os acontecimentos marcham com rapidez, e como os trabalhos que me restam terminar são consideráveis, devo apressar-me, a fim de estar pronto em tempo oportuno. Em face da grandeza e da gravidade dos acontecimentos que tudo faz pressentir, os incidentes secundários são insignificantes; as questões passam, mas as coisas capitais permanecem.

Assim, não se deve ligar às coisas senão uma importância relativa; no que me concerne pessoalmente, devo afastar de minhas preocupações o que é apenas secundário, pois poderia retardar-me ou me desviar do objetivo principal. Este objetivo se desenha cada vez mais claramente, e o que apreendi nessas reuniões foi, sobretudo, os meios de o atingir mais seguramente e de superar os obstáculos.

Deus me guarde da presunção de me julgar o único capaz, ou mais capaz do que outros, ou o único encarregado de realizar os desígnios da Providência. Não; longe de mim tal pensamento. Neste grande movimento renovador, tenho minha parte de ação. Assim, só falo do que me diz respeito; mas o que posso afirmar sem jactância é que, no papel que me incumbe, não me faltam coragem nem perseverança. Jamais falhei; mas hoje, que vejo a rota iluminar-se com uma claridade maravilhosa, sinto que as forças cresceram. Jamais duvidei; mas hoje, graças às novas luzes que a Deus aprouve dar-me, estou certo, e digo a todos os nossos irmãos, com mais segurança do que nunca: Coragem e perseverança, porque um retumbante sucesso coroará os nossos esforços.


4. — Malgrado o estado próspero do Espiritismo, seria enganar-se redondamente imaginar que de agora em diante ele vai marchar sem entraves. Ao contrário, deve-se esperar novas dificuldades, novas lutas. Assim, ainda teremos momentos penosos a atravessar, porque nossos adversários não se dão por vencidos e disputarão o terreno palmo a palmo. Mas é nos momentos críticos que se conhecem os corações sólidos, os devotamentos verdadeiros. É então que as convicções profundas se distinguem das crenças superficiais ou simuladas. Na paz não há mérito em ter coragem. Neste momento nossos chefes invisíveis contam com seus soldados e as dificuldades para eles são um meio de pôr em evidência aqueles sobre os quais podem apoiar-se. Também é para nós um meio de saber quem realmente está conosco ou contra nós.

A tática dos nossos adversários, nunca seria demais repetir, é neste momento procurar dividir os adeptos, lançando de permeio os pomos de discórdia, excitando os desfalecimentos verdadeiros ou simulados; e, é preciso dizer, eles têm como auxiliares certos Espíritos que se veem perturbados pelo advento de uma fé que deve unir os homens num sentimento comum de fraternidade. Assim, esta palavra de um de nossos guias é perfeitamente certa: O Espiritismo põe em revolução o mundo visível e o mundo invisível.

Desde algum tempo os nossos adversários têm em mira as sociedades e as reuniões espíritas, onde semeiam em profusão os fermentos da discórdia e do ciúme. Homens de pouca visão, enceguecidos pela paixão, julgam ter conquistado uma grande vitória, porque conseguiram causar algumas perturbações numa localidade, como se o Espiritismo estivesse enfeudado num lugar qualquer, ou encarnado em alguns indivíduos! Ele está em toda parte, na Terra e nas regiões etéreas; que, pois, o alcancem nas profundezas do espaço! O movimento está dado, não pelos homens, mas pelos Espíritos prepostos por Deus; é irresistível porque é providencial. Não é, pois, uma revolução humana, que se possa deter pela força material. Assim, quem se julgará capaz de o travar, porque atira um pedregulho debaixo da roda? pigmeu na mão de Deus, será levado pelo turbilhão.

Que todos os espíritas sinceros se unam, pois, numa santa comunhão de pensamento, para enfrentar a tempestade; que todos os que estão compenetrados da grandeza do objetivo ponham de lado as pueris questões acessórias; que façam calar as susceptibilidades do amor-próprio, para ver apenas a importância do resultado para o qual a Providência conduz a Humanidade.


5. — Encaradas as coisas deste elevado ponto de vista, em que se torna a questão dos irmãos Davenport? Contudo, mesmo esta circunstância, embora muito secundária, é uma advertência salutar; impõe deveres especiais a todos os espíritas, e a nós em particular. Como se sabe, o que falta aos que confundem o Espiritismo com o charlatanismo é saber o que é o Espiritismo. Sem dúvida poderão sabê-lo pelos livros, quando se derem ao trabalho. Mas, o que é a teoria ao lado da prática? Não basta dizer que a doutrina é bela; é preciso que aqueles que a professam mostrem a sua aplicação. Cabe, pois, aos adeptos devotados à causa, provar o que ela é, por sua maneira de agir, quer em particular, quer nas reuniões, evitando com o máximo cuidado tudo que pudesse dar ensejo à malevolência e produzir nos incrédulos uma impressão desfavorável. Quem quer que se encerre nos limites dos princípios da doutrina poderá ousadamente desafiar a crítica e jamais incorrerá na censura da autoridade, nem nas severidades da lei.

A Sociedade de Paris, colocada em evidência mais que qualquer outra, deve dar o exemplo. Sentimo-nos todos felizes ao dizer que ela jamais faltou aos seus deveres e ter podido constatar a boa impressão produzida por seu caráter eminentemente sério, pela gravidade e pelo recolhimento que presidem ás suas reuniões. É um motivo a mais para ela evitar escrupulosamente até as aparências do que poderia comprometer a reputação que adquiriu. Incumbe a cada um de nós velar por isso, no próprio interesse da causa; é preciso que a qualidade de membro, ou de médium, lhe prestem seu concurso, quer a título de confiança ou de consideração. Conto, pois, com a cooperação de todos os nossos colegas, cada um no limite de seu poder. Não se deve perder de vista que as questões pessoais devem apagar-se ante a questão de interesse geral. As circunstâncias em que vamos entrar são graves, repito, e cada um de nós terá sua missão, grande ou pequena. Por isso devemos pôr-nos em condições de a cumprir, pois nos serão pedidas contas. Peço me perdoeis esta linguagem um tanto austera na retomada de nossos trabalhos, mas é ditada pelas circunstâncias.


6. — Senhores, em nossa primeira reunião um dos nossos colegas falta corporalmente à chamada; durante nossa separação, o Sr. Nant, pai de nossa boa e excelente espírita, a Sra. Breul, retornou ao mundo dos Espíritos, de onde, esperamos, se dignará vir até nós. Durante seus funerais, nós lhe rendemos um justo tributo de simpatia [Vide: Exéquias de um espírita], que julgamos dever renovar hoje, e seremos felizes se, daqui a pouco, ele quiser dirigir-nos algumas palavras e, no porvir, juntar-se aos bons Espíritos, que nas ajudam com seus conselhos.

Peçamos-lhes, senhores, que nos continuem a assistir.


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