1. — O Espiritismo progrediu ou perdeu força? Esta questão interessa tanto aos seus partidários, quanto aos adversários. Os primeiros afirmam que cresceu; os outros, que declina. Quais os que se iludem? Nem uns, nem outros; porque os que proclamam sua decadência sabem muito bem por que assim agem, e o provam a cada instante pelos temores que manifestam e a importância que lhe concedem. Alguns, entretanto, agem de boa-fé; têm em si tal confiança que, por terem feito uma grande jogada, dizem com ar sério: O Espiritismo está morto! ou, melhor: Deve estar morto!
Os espíritas apoiam-se em dados mais positivos, em fatos que eles próprios podem constatar. Por nossa posição, podemos julgar ainda melhor o movimento do conjunto e nos sentimos felizes em afirmar que a doutrina ganha terreno incessantemente em todas as classes da sociedade, e que o ano de 1864 não foi menos fecundo que os outros em bons resultados. Em falta de outros indícios, nossa Revista já seria uma prova material do estado da opinião a respeito das ideias novas. Um jornal especial que chega ao seu oitavo ano de existência e que, a cada ano, vê aumentar o número de seus assinantes em notável proporção; que, desde a sua fundação, viu três vezes esgotadas as coleções dos anos anteriores, não prova a decadência da doutrina que sustenta, nem a indiferença de seus adeptos. Até o mês de dezembro recebeu novas assinaturas para o ano findo, e o número de inscritos em 1º de janeiro de 1865 já é um quinto mais considerável do que era na mesma época do ano anterior.
Isto é um fato material, por certo não categórico para os estranhos, mas que, para nós, é tanto mais significativo porque não solicitamos assinaturas a ninguém, e não as impomos como condição em nenhuma circunstância. Não há, pois, nenhuma que seja forçada, ou resulte de uma condescendência particular. Além disso, não bajulamos ninguém para obter sua adesão à nossa causa; deixamos que as coisas sigam o seu curso natural, dizendo-nos que se nossa maneira de ver e fazer não for boa, nada poderia fazê-la prevalecer. Sabemos perfeitamente que, por não havermos incensado certos indivíduos, os afastamos de nós e eles se voltaram para o lado donde vinha o incenso. Mas, que nos importa! Para nós, as pessoas sérias são mais úteis à causa, e não olhamos como sérios aqueles que são atraídos pela isca do amor-próprio, como mais de um a experimentou. Não os queremos; lamentamos que tenham dado mais valor à fumaça das palavras que à sinceridade. Temos consciência de que, em toda a nossa vida, jamais devemos algo à adulação ou à intriga. Por isso não fizemos fortuna, e não é com o Espiritismo que iríamos começá-la.
2. — Louvamos com felicidade os fatos realizados, os serviços prestados, mas jamais, por antecipação, os serviços que podem ser prestados, ou mesmo que se prometem prestar: inicialmente, por princípio e, depois, porque só temos uma confiança medíocre no valor real do comércio sacado do orgulho. Eis por que jamais negociamos. Quando deixamos de aprovar, não censuramos; guardamos silêncio, a menos que o interesse da causa nos force a rompê-lo.
Aqueles, pois, que vêm a nós o fazem livre e voluntariamente, atraídos apenas pela ideia que lhes convém, e não por uma solicitação qualquer, ou por nosso mérito pessoal, que é questão secundária, considerando-se que, fosse qual fosse esse mérito, não poderia dar valor a uma ideia que não o tivesse. Por isto dizemos que os testemunhos que recebemos se dirigem à ideia, e não à nossa pessoa, e seria tola presunção de nossa parte se disso nos envaidecêssemos. Do ponto de vista da doutrina, esses testemunhos nos vêm, em sua maior parte, de pessoas que jamais vimos, muitas vezes a quem jamais escrevemos e a quem, por certo, jamais seríamos o primeiro a escrever. Eis por que, afastada toda ideia de cooptação ou de camarilha, dizemos que a situação da Revista tem uma significação particular, como indício do progresso do Espiritismo, e foi só por isto que dela falamos.
3. — Além disso, o ano viu nascerem vários órgãos da ideia: O Sauveur des peuples, n a Lumière, a Voix d’outre-tombe, em Bordeaux; † o Avenir, em Paris; † o Médium évangélique, n em Toulouse; † o Monde musical, em Bruxelas, † que, sem ser um jornal especial, trata a questão do Espiritismo com seriedade. Com toda certeza, se os fundadores de tais publicações tivessem crido a ideia em declínio, não se teriam aventurado em semelhantes empreitadas.
4. — Em 1864 o progresso ainda está marcado pelo aumento do número de grupos e sociedades espíritas, que se formaram numa porção de localidades onde não os havia, tanto na França como no estrangeiro. A cada instante recebemos o aviso da criação de um novo centro. Esse número é ainda muito maior do que parece, pela quantidade de reuniões íntimas e de família, sem qualquer caráter oficial. Contra essas reuniões, os rigores de uma oposição sistemática se mostram impotentes, mesmo que fossem inquisitoriais, como na Espanha, onde, no entanto, elas existem em mais de trinta cidades e em casa de pessoas das classes mais elevadas.
Ao lado desses indícios materiais, há o que se revela pelas relações sociais. Hoje é raro encontrar gente que não conheça o Espiritismo, pelo menos de nome e, quase por toda parte, encontram-se os que lhe são simpáticos. Mesmo os que nele não creem falam com mais reserva, podendo cada um constatar quanto diminuiu o espírito zombeteiro, que dá lugar, geralmente, a uma discussão mais racional. Exceto alguns gracejos da imprensa e alguns sermões mais ou menos acerbos, os ataques violentos e apaixonados são incontestavelmente mais raros. É que os próprios negadores, ao repelirem a ideia, sofrem, mau grado seu, o seu ascendente e começam a compreender que ela conquistou seu lugar na opinião; a maioria, aliás, encontra seus adeptos em suas fileiras e entre seus amigos, que podem zombar na intimidade, mas que não ousam injuriar publicamente. Ademais, cada um notou sob quantas formas a maior parte das ideias espíritas são hoje reproduzidas na literatura, de maneira séria, sem que a palavra seja pronunciada. Nunca se tinham visto tantas produções desse gênero como nestes últimos tempos. Quer seja convicção ou fantasia da parte dos escritores, não deixa de ser um sinal da vulgarização da ideia, porquanto, se a exploram, é com o pensamento de que ela encontrará eco.
Entretanto, o progresso está longe de ser uniforme. Em certas localidades ainda é mantido em xeque pelos preconceitos ou por uma força oculta, mas muitas vezes aparece quando menos se espera. É que, em muitos lugares, há mais partidários do que se pensa, mas que não se põem em evidência; tem-se a prova disto pela venda das obras, que ultrapassa de muito o número dos espíritas conhecidos. Basta, então, que uma pessoa tenha a coragem da opinião para que o progresso, de latente, se torne ostensivo. Deve ter sido assim em Paris que, por muito tempo, ficou na retaguarda de algumas cidades de província. Desde dois anos atrás, mas, sobretudo, há um ano, o Espiritismo aqui se desenvolveu com surpreendente rapidez. Hoje os grupos declarados são numerosos e as reuniões privadas inumeráveis. Certamente não há exagero em avaliar-se o número dos aderentes em cem mil, de alto a baixo da escala.
Em resumo, é incontestável o progresso durante o ano que acaba de findar-se,
se considerarmos o conjunto e não as localidades isoladamente. Embora
não se tenha manifestado por nenhum sinal retumbante, nem por qualquer
acontecimento excepcional, é evidente que a ideia se infiltra cada vez
mais no espírito das massas e sempre com mais força. Contudo, não se
deve concluir que o período de luta haja terminado. Não; nossos adversários
não se dão por vencidos tão facilmente. Assestam novas baterias no silêncio,
razão por que nos devemos manter em guarda. Sobre isto diremos algumas
palavras num próximo artigo. [Vide artigo: Da
Perpetuidade do Espiritismo.]
[1]
[Le
Sauveur des peuples, journal du spiritisme… — 1864 — Google Books.]
[2] [Le
Médium évangélique… journal spirite… - Google Books.]