O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Maio de 1864.

(Idioma francês)

A escola espírita americana.

(Sumário)


1. — Algumas pessoas perguntam por que a Doutrina Espírita não é a mesma no antigo e no novo continentes e em que consiste a diferença. É o que tentaremos explicar.

Como se sabe, as manifestações ocorreram em todos os tempos, tanto na Europa quanto na América, e hoje, que nos damos conta da coisa, lembramos uma porção de fatos que tinham passado despercebidos, muitos dos quais consignados em escritos autênticos. Mas esses fatos eram isolados; nestes últimos tempos eles se produziram nos Estados Unidos numa escala bastante ampla para despertar a atenção geral dos dois lados do Atlântico. A extrema liberdade existente nesse país favoreceu a eclosão das ideias novas, e é por isto que os Espíritos o escolheram para primeiro teatro de seus ensinos.

Ora, acontece muitas vezes que uma ideia surge num país e se desenvolve em outro, como se vê nas ciências e na indústria. Sob esse aspecto, o gênio americano deu suas provas e nada tem a invejar à Europa; mas, se excede em tudo o que concerne ao comércio e às artes mecânicas, não se pode recusar à Europa o das ciências morais e filosóficas. Em consequência dessa diferença no caráter normal dos povos, o Espiritismo experimental ocupava seu espaço na América, enquanto a teoria e a filosofia encontravam na Europa elementos mais propícios ao seu desenvolvimento. Assim, foi lá que nasceu, conquistando, em poucos anos, o primeiro lugar. Ali os fatos inicialmente despertaram a curiosidade; porém, uma vez constatados e satisfeita a curiosidade, logo se cansaram das experiências materiais sem resultados positivos. Já o mesmo não ocorreu desde que se desdobraram as consequências morais desses mesmos fatos para o futuro da Humanidade. A partir daí o Espiritismo tomou posição entre as ciências filosóficas; marchou a passos de gigante, a despeito dos obstáculos que lhe foram suscitados, porque satisfazia às aspirações das massas, porque prontamente compreenderam que vinha preencher um imenso vazio nas crenças e resolver o que até então parecia insolúvel.

A América foi, pois, o berço do Espiritismo, mas foi na Europa que ele cresceu e fez suas humanidades. Isto é motivo para a América ficar enciumada? Não, porque noutros pontos ela levou vantagem. Não foi na Europa que as máquinas a vapor surgiram? e não foi na América que encontraram a sua aplicação prática? A cada um o seu papel, conforme suas aptidões, e a cada povo o seu, segundo seu gênio particular.

O que particularmente distingue a escola espírita dita americana da escola europeia é a predominância, na primeira, da parte fenomênica, à qual se ligam mais especialmente, e na segunda, a parte filosófica. A filosofia espírita da Europa espalhou-se prontamente, porque ofereceu, desde o princípio, um conjunto completo, mostrando o objetivo e ampliando o horizonte das ideias; incontestavelmente, é a que hoje prevalece no mundo inteiro. Até hoje os Estados Unidos pouco se afastaram de suas ideias primitivas; significará isto que, isolados, ficarão na retaguarda do movimento geral? Seria injuriar a inteligência desse povo. Aliás, os Espíritos lá estão para o impelir na via comum, ensinando ali o que ensinam alhures; triunfarão pouco a pouco das resistências que poderiam nascer do amor-próprio nacional. Se os americanos repelissem a teoria europeia, porque vem da Europa, aceitá-la-ão quando surgir em seu meio, pela própria voz dos Espíritos; cederão ao ascendente, não da opinião de alguns homens, mas ao controle universal do ensino dos Espíritos, esse poderoso critério, como o demonstramos em nosso artigo sobre a autoridade da Doutrina Espírita; é apenas uma questão de tempo, principalmente quando houverem desaparecido as questões pessoais.

De todos os princípios da doutrina, o que encontrou mais oposição na América — e por América deve entender-se exclusivamente os Estados Unidos — foi o da reencarnação. [Vide: A reencarnação na América.] Pode mesmo dizer-se que é a única divergência capital, prendendo-se as outras mais à forma do que ao fundo, e isto porque ali os Espíritos não a ensinaram. Expliquemos as razões disto. Os Espíritos procedem em toda parte com sabedoria e prudência; para se fazerem aceitar, evitam chocar muito bruscamente as ideias preconcebidas. Não irão dizer de chofre a um muçulmano que Maomé é um impostor. Nos Estados Unidos o dogma da reencarnação teria vindo chocar-se contra os preconceitos de cor, tão profundamente arraigados naquele país; o essencial era fazer aceitar o princípio fundamental da comunicação do mundo visível com o mundo invisível; as questões de detalhe viriam a seu tempo. Ora, é indubitável que esse obstáculo acabará por desaparecer, e que um dos resultados da guerra civil será o gradativo enfraquecimento de preconceitos, verdadeira anomalia numa nação tão liberal.

Se, de maneira geral, a ideia da reencarnação ainda não é aceita nos Estados Unidos, ela o é individualmente por alguns, se não como princípio absoluto, ao menos com certas restrições, o que já é alguma coisa. Quanto aos Espíritos, sem dúvida julgando que o momento é propício, começam a ensinar com cautela em certos lugares e sem rodeios em outros. Uma vez levantada, a questão percorrerá longa distância. Aliás, temos sob os olhos comunicações já antigas, obtidas naquele país, nas quais, sem estar formalmente expressa, a pluralidade das existências é a consequência forçada dos princípios emitidos; aí se vê brotar a ideia. Assim, não há que duvidar que, em pouco tempo, o que hoje ainda se chama escola americana fundir-se-á na grande unidade que se estabelece por toda parte.


2. — Como prova do que avançamos, citaremos o artigo seguinte, publicado no jornal União, de San Francisco, e um extrato da carta que o acompanhou.


“Senhor Allan Kardec,

“Embora não tenha a honra de ser vossa conhecida, tomo, como médium, a liberdade de vos enviar a notícia anexa, que esses senhores do jornal resumiram um pouco. Contudo, tal como está, muitas pessoas parecem desejar mais. Assim, todos os vossos livros se espalham e logo nossos livreiros terão de fazer novos pedidos…

“Recebei, etc.”

Pauline Boulay.


NOTÍCIA SOBRE O ESPIRITISMO.


“Basta exprimir em voz alta ideias que nem todos compreendem para se ser tachado de exaltado, extravagante e louco. Não é preciso ser uma literata para escrever o que nos ditam a alma e o coração.

“Um espírito forte dizia a uma senhora médium: — Como vós, que sois inteligente, podeis acreditar em Espíritos invisíveis e na pluralidade das existências? — Respondeu a dama: Talvez porque eu seja inteligente é que creio nisto; o que sinto me inspira mais confiança do que o que vejo, uma vez que o que vemos nos engana algumas vezes; o que sentimos jamais nos engana. Sois livre para não acreditar. Os que creem na pluralidade das existências não são maus e são mais desinteressados que os que não creem; os incrédulos os tratam de loucos, mas isto não prova que digam a verdade; ao contrário. Duvidar do poder de Deus é ofendê-lo; negar o que existe além do que podemos apalpar é um ultraje dirigido ao Criador.

“Temos o hábito, quando nos acontece algo de extraordinário, a atribuí-lo ao acaso. Pergunto: o que é o acaso? O nada, responde a voz da verdade. Ora, não podendo o nada produzir algo, o que existe nos vem de uma fonte produtiva. Seria muito justo pensar que o que acontece independentemente de nossa vontade é obra da Providência, dirigida pelo Senhor de nossos destinos.

“Seja o que disserdes, seja o que façais, espíritos fortes, jamais destruireis esta doutrina, que sempre existiu. Como a ignorância das almas primitivas não lhes permite compreendê-la em toda a sua extensão, imaginam que depois desta vida tudo está acabado. É um erro! Nós, médiuns, mais ou menos adiantados, acabaremos por vos convencer.

“Não só o Espiritismo é uma consolação, mas ainda desenvolve a inteligência, destrói todo pensamento de egoísmo, de orgulho e de avareza, põe-nos em comunicação com os que nos são caros e prepara o progresso, progresso imenso que, insensivelmente, destruirá todos os abusos, as revoluções e as guerras.

“A alma tem necessidade de reencarnar para se aperfeiçoar; numa única vida material não pode aprender tudo quanto deve saber para compreender a obra do Todo-Poderoso. O corpo não passa de um envoltório passageiro, no qual Deus envia uma alma para se aperfeiçoar e sofrer as provas necessárias ao seu adiantamento e à realização da grande obra do Criador, a que somos chamados a servir, quando tivermos sofrido nossas provas e adquirido todas as perfeições. Todas as nossas celebridades contemporâneas são outras tantas almas que progrediram pela renovação das encarnações; muitas dentre elas são médiuns escreventes, gênios que trazem, em cada existência nova, os progressos da ciência e das artes.

“A lista dos homens de gênio aumenta todos os anos. São outros tantos guias que Deus coloca em nosso meio para nos esclarecer, nos instruir, numa palavra, nos ensinar o que ignoramos e que é absolutamente necessário que saibamos; eles nos mostram a chaga social, procuram destruir os preconceitos, põem à luz e aos nossos olhos todo o mal produzido pelo egoísmo e pela ignorância. Esses gênios são animados por Espíritos superiores; fizeram mais pelo progresso e pela civilização que toda a vossa pirotecnia, e fazem derramar mais lágrimas de ternura e de reconhecimento que todos os vossos feitos de armas.

“Refleti, pois, seriamente no Espiritismo, homens inteligentes, pois nele encontrareis grandes ensinamentos. Não há charlatanismo nesta lei divina: tudo aí é belo, grande, sublime; ela apenas tende a conduzir-nos à perfeição e à verdadeira felicidade moral.

“O livro escrito pelos médiuns, ditado por Espíritos superiores e errantes, é um livro de alta filosofia e de uma instrução tão profunda quanto etérea; trata de tudo. É verdade que nem todos estão ainda preparados para esta crença e, para compreendê-la, é necessário que a alma já tenha reencarnado várias vezes.

“Quando todo o mundo compreender o Espiritismo, nossos grandes poetas serão mais apreciados e lidos com atenção e respeito. Todos os nossos literatos serão compreendidos por todos os povos e admirados sem inveja, porque serão conhecidas as causas e os efeitos.

“O estudo da Ciência é a mais nobre das ocupações; o Espiritismo é a sua divindade. Por ele associamo-nos ao gênio e, como disse um dos nossos cientistas, depois do homem de gênio vem o que sabe compreendê-lo.

A instrução faz do Espírito o que um hábil joalheiro faz da pedra bruta: dá-lhe o polimento, o brilho que encanta e seduz, realçando-lhe o valor.

A alma não tem forma propriamente dita; é uma espécie de luz que difere por sua intensidade, conforme o grau de perfeição adquirida. Quanto mais a alma progride, tanto mais luminosa é a sua cor.

“Quando todos fordes médiuns, podereis entreter-vos com os Espíritos, como já o fazemos; eles vos dirão que são mais felizes que nós. Eles nos veem, nos escutam, assistem às nossas reuniões, conversam com nossa alma durante o sono, transportam-se e penetram por toda parte onde Deus os envia.”


Pauline Boulay.


Nota. — O princípio da reencarnação acha-se igualmente num manuscrito que nos foi enviado de Montreal  †  (Canadá), e do qual falaremos em breve.


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