Um dos nossos correspondentes, o Dr. C…, nos indica este opúsculo e escreve o que se segue:
“Desde algum tempo, palavras que, como cristão e espírita, eu me abstenho de qualificar, têm sido pronunciadas muitas vezes por homens que receberam a missão de falar aos povos sobre caridade e misericórdia. Permiti-me, para suavizar as penosas impressões que elas vos devem ter causado, como a todo homem verdadeiramente cristão, que vos fale de um livrinho do Rev. padre Blot [François-René Blot]. Não penso que seja espírita, mas encontrei em sua obra o que, no Espiritismo, faz amar a Deus e esperar em sua misericórdia, além de diversas passagens que tocam muito de perto o que ensinam os Espíritos.”
Nele destacamos as passagens seguintes, que confirmam a opinião do nosso correspondente:
“No sétimo século, o Papa São Gregório, o Grande, depois de haver contado que um religioso vira, ao morrer, os profetas vindo à sua frente, inclusive designando seus nomes, acrescentou: “Este exemplo nos faz compreender claramente quão grande será o conhecimento que teremos uns dos outros na vida incorruptível do céu, pois esse religioso, mesmo numa carne corruptível, reconheceu os santos profetas, que jamais tinha visto.”
“Os santos se veem reciprocamente, como o exigem a unidade do reino e a unidade
da cidade onde vivem, em companhia do próprio Deus. Revelam espontaneamente
uns aos outros os seus pensamentos e afeições, como as pessoas de uma
mesma casa, unidas por sincero amor. Entre os seus concidadãos do céu,
conhecem até os que não conheceram na Terra, e o conhecimento das belas
ações os leva a um conhecimento mais completo daqueles que as realizaram
(Berti, †
De theologicis disciplinis). [De
Theologicis Disciplinis Accurata Synopsis: Continens … — Google
Books.]
“Perdestes um filho, uma filha? recebei os consolos que um patriarca de Constantinopla dirigia a um pai desolado. Esse patriarca não pode mais ser contado entre os grandes homens, nem entre os santos: é Fócio, o autor do cisma cruel que separa o Oriente e o Ocidente, mas suas palavras apenas provam que, sobre este ponto, os gregos pensam como os latinos. Ei-las: Se vossa filha vos aparecesse; se, pondo as suas mãos nas vossas e sua fronte jovial em vossa fronte, ela vos falasse, não faria a descrição do céu? Depois acrescentaria: Por que vos afligir, ó meu pai? estou no paraíso, onde a felicidade não tem limites. Vireis um dia com minha mãe bem-amada e então constatareis que eu não disse demais deste lugar de delícias, pois a realidade está além de minhas palavras.”
Os bons Espíritos podem, pois, manifestar-se, ser vistos, tocar os vivos, falar com eles, descrever sua própria situação, vir consolar e fortificar os que amaram. Se podem falar e tomar a mão, por que não poderiam escrever? “Os gregos — diz o padre Blot — sobre este ponto pensam como os latinos.” Por que, então, hoje os latinos dizem que esse poder só é dado aos demônios para enganar os homens? A passagem seguinte é ainda mais explicita:
“São João Crisóstomo, numa de suas homilias sobre São Mateus, dizia a cada um de seus ouvintes: Desejais ver aquele que a morte vos levou? Levai a mesma vida que ele no caminho da virtude e em breve gozareis esta santa visão. Mas quereis vê-lo aqui mesmo? Oh! quem vo-lo impede? Isto vos é permitido e é fácil vê-lo, se fordes ajuizados; porque a esperança dos bens futuros é mais clara que a própria vista.”
O homem carnal não pode ver o que é puramente espiritual. Se, pois, pode ver os Espíritos, é que eles têm uma parte material, acessível aos seus sentidos; é o envoltório fluídico, que o Espiritismo designa sob o nome de perispírito.
Após uma citação de Dante sobre o estado dos bem-aventurados, o padre Blot acrescenta:
“Eis, pois, o princípio de solução para as objeções: No céu, que é menos um lugar que um estado, tudo é luz, tudo é amor.” Assim, o céu não é um lugar circunscrito; é o estado das almas ditosas; por toda a parte onde forem felizes, estarão no céu, isto é, para elas tudo é luz, amor e inteligência. É o que dizem os Espíritos.
Fénelon, quando da morte do Duque de Beauvilliers, seu amigo, escreveu à duquesa: “Não, só os sentidos e a imaginação perderam o objetivo. Aquele que não podemos mais ver está, mais que nunca, conosco. Encontramo-lo sem cessar em nosso centro comum. Ele aí nos vê e nos proporciona verdadeiros socorros. Aí conhece melhor que nós as nossas enfermidades, ele que não mais tem as suas; e pede os remédios necessários à nossa cura. Para mim, que estava privado de o ver há tantos anos, eu lhe falo, eu lhe abro o meu coração.”
Fénelon ainda escrevia à viúva do Duque de Chevreuse: “Unamo-nos de coração àquele a quem lamentamos; ele não se afastou de nós ao se tornar invisível; ele nos vê, nos ama, é tocado por nossas necessidades. Chegado felizmente ao porto, ora por nós que ainda estamos expostos ao naufrágio. Diz-nos com uma voz secreta: “Apressai-vos ao nosso encontro. Os Espíritos puros veem, ouvem, amam sempre os verdadeiros amigos no seu centro comum. Sua amizade é imortal como sua fonte. Os incrédulos só amam a si mesmos; deveriam desesperar-se de perder os amigos para sempre; mas a amizade divina muda a sociedade visível numa sociedade de pura fé; ela chora, mas chorando, consola-se pela esperança de juntar-se a seus amigos no país da verdade e no seio do próprio amor.”
Para justificar o título de seu livro: Reconhecemo-nos no céu, o padre Blot cita grande número de passagens de escritores sacros, de aparições e de manifestações diversas, que provam a reunião, depois da morte, daqueles que se amaram, as relações existentes entre os mortos e os vivos, os auxílios que prestam mutuamente pela prece e pela inspiração. Em parte alguma fala da separação eterna, consequência da danação eterna, nem dos diabos, nem do inferno; ao contrário, mostra as almas mais sofredoras libertadas pela virtude do arrependimento e da prece, e pela misericórdia de Deus. Se o padre Blot lançasse anátema contra o Espiritismo, seria lançá-lo contra o seu próprio livro e contra todos os santos, cujo testemunho invoca. Sejam quais forem suas opiniões a esse respeito, diremos que se não o tivessem pregado senão nesse sentido, haveria menos incrédulos.
[1]
Paris, 1863. 1 vol. pequeno in-18. – Preço: 1 fr. Livraria Poussielgue-Rusand,
rue Cassette, no 27. [O Rev. P. François-René Blot é autor de várias
obras de caráter religioso dentre elas:
La Communion Réparatrice en union avec Marie — Google Books
e ainda,
L’agonie de Jésus: traité de la souffrance morale — Google
Books.]