O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Junho de 1863.

(Idioma francês)

Do princípio da não retrogradação dos Espíritos. n

(Sumário)


1. — Tendo sido levantadas várias vezes questões sobre o princípio da não retrogradação dos Espíritos, princípio diversamente interpretado, vamos tentar resolvê-las. O Espiritismo quer ser claro para todos e não deixar aos seus futuros adeptos nenhum motivo para discussão de palavras. Por isso todos os pontos susceptíveis de interpretação serão elucidados sucessivamente.

Os Espíritos não retrogradam, no sentido de que nada perdem do progresso realizado. Podem ficar momentaneamente estacionários, mas de bons não podem tornar-se maus, nem de sábios, ignorantes. Tal o princípio geral, que só se aplica ao estado moral e não à situação material, que de boa pode tornar-se má se o Espírito a tiver merecido.

Façamos uma comparação. Suponhamos um homem do mundo, instruído, mas culpado de um crime que o conduz às galés. Certamente há para ele uma grande descida como posição social e como bem-estar material. À estima e à consideração sucederam o desprezo e a abjeção. E, contudo, ele nada perdeu quanto ao desenvolvimento da inteligência; levará à prisão as suas faculdades, os seus talentos, os seus conhecimentos. É um homem decaído e é assim que devem ser compreendidos os Espíritos decaídos. Pode Deus, pois, ao cabo de um certo tempo de prova, retirar de um mundo onde não terão progredido moralmente aqueles que o tiverem desconhecido, que se houverem rebelado contra as suas leis, para mandar que expiem os seus erros e o seu endurecimento num mundo inferior, entre seres ainda menos adiantados. Aí serão o que antes eram, moral e intelectualmente, mas numa condição infinitamente mais penosa, pela própria natureza do globo e, sobretudo, pelo meio no qual se acharão. Numa palavra, estarão na posição de um homem civilizado, forçado a viver entre os selvagens, ou de um homem muito distinto, condenado à sociedade dos degredados. Perderam a posição e as vantagens, mas não regrediram ao estado primitivo. De homens adultos não se tornaram crianças. Eis o que se deve entender pela não retrogradação. Não tendo aproveitado o tempo, é para eles um trabalho a recomeçar. Em sua bondade, Deus não os quer deixar por mais tempo entre os bons, cuja paz perturbam. Eis por que os envia entre homens que terão por missão fazer estes últimos progredirem, ensinando-lhes o que sabem. Por esse trabalho poderão eles próprios se adiantarem e resgatarem suas dívidas, expiando as faltas passadas, como o escravo que pouco a pouco economiza para um dia comprar a liberdade. Mas como o escravo, muitos só economizam dinheiro, em vez de entesourar virtudes, as únicas que podem pagar o resgate.

Esta a situação, até agora, de nossa Terra, mundo de expiação e de prova, onde a raça adâmica, raça inteligente, foi exilada entre as raças primitivas inferiores, que a habitavam antes. Esta a razão pela qual há tantas amarguras aqui, amarguras que estão longe de sentir no mesmo grau os povos selvagens.

Certamente há retrogradação do Espírito no sentido de que retarda seu progresso, mas não do ponto de vista das aquisições, em razão das quais e do desenvolvimento de sua inteligência, sua decadência social é mais penosa. É assim que o homem do mundo sofre mais num meio abjeto do que aquele que sempre viveu na lama.


2. — Conforme um sistema que tem algo de especioso à primeira vista, os Espíritos não teriam sido criados para encarnarem e a encarnação seria tão somente o resultado de sua falta. Tal sistema cai pela mera consideração de que se nenhum Espírito tivesse falido, não haveria homens na Terra, nem em outros mundos. Ora, como a presença do homem é necessária para o melhoramento material dos mundos; como ele concorre por sua inteligência e atividade para a obra geral, ele é uma das engrenagens essenciais da Criação. Deus não poderia subordinar a realização desta parte de sua obra à queda eventual de suas criaturas, a menos que contasse para tanto com um número sempre suficiente de culpados, de modo a alimentar de operários os mundos criados e por criar. O bom-senso repele tal ideia.

A encarnação é, pois, uma necessidade para o Espírito que, n realizando a sua missão providencial, trabalha seu próprio adiantamento pela atividade e pela inteligência, que deve desenvolver, a fim de prover à sua vida e ao seu bem-estar. Mas a encarnação torna-se uma punição quando o Espírito, não tendo feito o que devia, é constrangido a recomeçar sua tarefa, multiplicando penosas existências corporais por sua própria culpa. Um estudante não é graduado senão depois de ter passado por todas as classes. Essas classes são um castigo? Não: são uma necessidade, uma condição indispensável de seu progresso. Mas se, pela preguiça, for obrigado a repeti-las, aí está a punição. Poder passar em algumas é um mérito. O que, pois, é certo é que a encarnação na Terra é uma punição para muitos dos que a habitam, porque poderiam tê-la evitado, ao passo que talvez tenham dobrado, triplicado e centuplicado a existência por sua própria culpa, assim retardando sua entrada em mundos melhores. O que é errado é admitir em princípio a encarnação como um castigo.


3. — Outra questão muitas vezes aventada é esta: Como o Espírito foi criado simples e ignorante, com a liberdade de fazer o bem ou o mal, não haveria queda moral para aquele que tomasse o mau caminho, desde que chega a fazer o mal que antes não fazia?

Esta proposição não é mais sustentável que a precedente. Só há queda na passagem de um estado relativamente bom a um pior. Ora, criado simples e ignorante, o Espírito está, em sua origem, num estado de nulidade moral e intelectual como a criança que acaba de nascer. Se não fez o mal, também não fez o bem. Nem é feliz, nem infeliz. Age sem consciência e sem responsabilidade. Desde que nada tem, nada pode perder, como não pode retrogradar. Sua responsabilidade não começa senão no momento em que se desenvolve o seu livre-arbítrio. Seu estado primitivo não é, pois, um estado de inocência inteligente e raciocinada. Conseguintemente, o mal que fizer mais tarde, infringindo as leis de Deus, abusando das faculdades que lhe foram dadas, não é um retorno do bem ao mal, mas a consequência do mau caminho por onde se embrenhou.

Isto nos conduz a outra questão. Por exemplo: É possível que Nero, na sua encarnação como Nero, possa ter feito mais mal que na sua precedente existência? A isto respondemos sim, o que não implica que na existência em que tivesse feito menos mal fosse melhor. Antes de tudo, o mal pode mudar de forma sem ser pior ou menos mal. A posição de Nero, como imperador, tendo-o posto em evidência, o que ele fez ficou mais notado; numa existência obscura pôde ter cometido atos igualmente repreensíveis, conquanto em menor escala, e que passaram despercebidos. Como soberano, pôde mandar incendiar uma cidade; como particular pôde queimar uma casa e fazer perecer a família. Tal assassino vulgar, que mata alguns viandantes para os despojar, se estivesse no trono seria um tirano sanguinário, fazendo em grande escala o que sua posição só lhe permite fazer em escala reduzida.


4. — Considerando a questão de outro ponto de vista, diremos que um homem pode fazer mais mal numa existência que na precedente, mostrar vícios que não tinha, sem que isto implique uma degenerescência moral. Muitas vezes são as ocasiões que faltam para fazer o mal, quando o princípio existe latente; surge a ocasião e os maus instintos se descobrem. A vida ordinária nos oferece numerosos exemplos: tal homem, que era tido como bom, de repente exibe vícios que ninguém suspeitava, e que causam admiração; é simplesmente porque soube dissimular ou porque uma causa provocou o desenvolvimento do mau germe. É indubitável que aquele em que os bons sentimentos estão fortemente arraigados nem mesmo tem o pensamento do mal; quando tal pensamento existe, é que o germe existe: muitas vezes só falta a execução.

Depois, como dissemos, embora sob diferentes formas o mal não deixa de ser o mal. O mesmo princípio vicioso pode ser a fonte de uma imensidade de atos diversos, provenientes de uma mesma causa. O orgulho, por exemplo, pode fazer cometer grande número de faltas, às quais se está exposto, enquanto o princípio radical não for extirpado. Pode, pois, o homem, numa existência, ter defeitos que não se tinham manifestado numa outra e que não passam de consequências variadas de um mesmo princípio vicioso. Para nós, Nero é um monstro, porque cometeu atrocidades. Mas acreditais que esses homens – pérfidos, hipócritas, verdadeiras víboras que semeiam o veneno da calúnia, despojam as famílias pela astúcia e pelo abuso de confiança, que cobrem suas torpezas com a máscara da virtude para chegarem com mais segurança a seus fins e receberem elogios, quando só merecem a execração – valham mais do que Nero? Com certeza, não. Serem reencarnados num Nero para eles não seria um retrocesso, mas uma ocasião para se mostrarem sob nova face. Como tais, exibirão os vícios que ocultavam; ousarão fazer pela força o que faziam pela astúcia, eis toda a diferença. Mas essa nova prova lhes tornará o castigo ainda mais terrível se, em vez de aproveitar os meios que lhes são dados para reparar, deles se servirem para o mal. E, entretanto, por pior que seja, cada existência é uma oportunidade de progresso para o Espírito: ele desenvolve a inteligência, adquire experiência e conhecimentos que, mais tarde, o ajudarão a progredir moralmente.



[1] N. do T.: Vide O Livro dos Espíritos, parte 2ª, capítulo IV, questões 193 e 194.


[2] N. do T.: Vide O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo IV, item 25.


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