1. — Quando da discussão que se estabeleceu entre vários Espíritos sobre o aforismo de Buffon: O estilo é o homem, relatado em nosso número anterior, foi citado o nome do Sr. Scribe, o que sem dúvida lhe deu motivo para vir, embora não tivesse sido chamado. Sem participar do debate, ditou espontaneamente a dissertação seguinte, ensejando a conversa que a acompanha:
“Seria desejável que o teatro, onde os grandes e pequenos vão haurir ensinamentos, se preocupasse um pouco menos em lisonjear o gosto pelos costumes fáceis e em exaltar os aspectos veniais de uma juventude ardente, mas que o progresso social fosse perseguido por peças elevadas e morais, onde a fina anedota substituísse o sal grosso de cozinha, de que hoje se servem os autores de comédias leves. Mas não; conforme o teatro, conforme o público, lisonjeiam-se as paixões humanas. Aqui, preconizam o avental, em detrimento da casaca, transformada em bode expiatório de todas as iniquidades sociais; ali, é o avental que é difamado e conspurcado, porque, ao que dizem, sempre oculta um tratante ou um assassino. Mentira de ambos os lados.
“Alguns autores até começam a agarrar o touro pelos chifres e, como Émile Augier, a pregar os especuladores no pelourinho da opinião pública. Ah! que importa! Nem por isso o público deixa de se arrastar para os teatros, onde uma plástica descarada e sem pudor faz todas as despesas do espetáculo. Ah! já é tempo de as ideias espíritas serem propagadas em todas as camadas sociais, porque, então, o teatro será moralizado por si mesmo e, às exibições femininas, sucederão peças conscienciosas, representadas conscienciosamente por artistas de talento. Todos ganharão com isto. Esperemos que logo surja um autor dramático capaz de expulsar do teatro e do entusiasmo do público todos esses intrujões, proxenetas imorais das damas das camélias de toda espécie. Trabalhai, pois, em espalhar o Espiritismo, que deve produzir tão louvável resultado.”
E. Scribe. n
1. — Pergunta. Numa comunicação que ditastes há pouco tempo à Srta.
J…, e lida na Sociedade, dissestes que o que fez a vossa reputação na
Terra não a fez no Céu e que poderíeis ter empregado melhor os bens
que recebestes de Deus. Teríeis a gentileza de desenvolver este pensamento
e dizer em que vossas obras são repreensíveis? Parece-nos que têm um
lado moral e, de certo modo, abriram caminho ao progresso.
Resposta. – Tudo é relativo. No mundo elevado onde hoje me encontro não vejo mais com os olhos terrenos e penso que, com os dons que havia recebido do Todo-Poderoso, deveria ter feito coisa melhor para a Humanidade. Foi por isso que disse não haver trabalhado para o Céu. Mas não posso exprimir em poucas palavras o que vos queria dizer acima, porque, com bem o sabeis, eu era um tanto verboso.
2. – Dissestes ainda que gostaríeis de compor uma obra mais útil e mais séria, mas que tal alegria vos foi recusada. É como Espírito que queríeis fazer essa obra e, neste caso, como teríeis feito para que os homens a aproveitassem?
Resposta. – Meu Deus! da maneira mais simples empregada pelos Espíritos, inspirando os escritores que, muitas vezes, imaginam tirar de seu próprio imo, ah! por vezes tão vazio.
3. – Pode-se saber qual o assunto que ofereceríeis para tratar?
Resposta. – Eu não tinha um objetivo determinado, mas, como sabeis, a gente gosta um pouco de fazer o que nunca fez. Gostaria de cuidar de filosofia e de espiritualismo, já que me ocupei mais que devia do realismo. Não tomeis a palavra realismo como hoje a entendem; apenas quis dizer que me ocupei mais especialmente daquilo que divertia os olhos e o ouvido dos espíritos frívolos da Terra, e não do que poderia satisfazer os espíritos sérios e filosóficos.
4. – Dissestes à Srta. J… que não éreis feliz. Podeis não ter a sorte dos bem-aventurados, mas há pouco, no comitê, contaram uma porção de boas ações que praticastes e que, por certo, devem ter sido levadas em consideração.
Resposta. – Não; não sou feliz porque, infelizmente, ainda tenho ambição e, tendo sido acadêmico na Terra, queria fazer parte, também, da assembleia dos eleitos.
5. – Parece-nos que, em falta da obra que ainda não podeis fazer, poderíeis alcançar o mesmo objetivo, para vós e para os outros, se aqui viésseis fazer uma série de dissertações.
Resposta. – Não pediria nada melhor; virei com prazer, se me permitirem, o que ignoro, pois ainda não tenho posição bem definida no mundo espiritual. Tudo é tão novo para mim — eu que passei a vida a casar oficiais subalternos com ricas herdeiras — que ainda não tive tempo de conhecer e admirar este mundo etéreo, de que me havia esquecido durante a encarnação. Voltarei, pois, se os Grandes Espíritos o permitirem.
6. – No mundo em que estais, já revistes a Sra. de Girardin que, em vida, ocupava-se muito de Espíritos e evocações?
Resposta. – Ela teve a bondade de vir esperar-me no limiar da verdadeira vida, com os Espíritos da plêiade à qual pertencemos.
7. – Ela é mais feliz que vós?
Resposta. – Seu Espírito é mais feliz do que eu, porque contribuiu para as obras de educação da infância, compostas por Sophie Gay, sua mãe.
Observação de Erasto.
– Não; foi porque lutou, ao passo que Scribe deixou-se arrastar na torrente
da vida fácil.
8. – Ides às vezes assistir à representação de vossas obras, assim como a Sra. de Girardin ou Casimir Delavigne?
Resposta. – Como quereis que não fôssemos ver esses filhos queridos, que deixamos na Terra? Ainda é um dos nossos prazeres mais puros.
Observação. – A morte, pois, não separa os que se conheceram na Terra; eles se reencontram, reúnem-se e se interessam pelo que era objeto de suas preocupações. Dirão, sem dúvida, que se eles se lembram do que lhes dava alegria, haverão de lembrar-se, também, daquilo que lhes causava dor, e isso lhes deve alterar a felicidade. Tal lembrança produz um efeito inteiramente contrário, porque a satisfação de estar liberto dos males terrestres é um prazer tanto mais suave, quanto maior for o contraste. Apreciamos melhor os benefícios da saúde após uma doença, a calma após a tempestade. Voltando ao lar, o guerreiro não se compraz em contar os perigos que correu, as fadigas que experimentou. Do mesmo modo, para os Espíritos a lembrança das lutas terrestres é uma satisfação, quando delas saíram vitoriosos. Mas essa lembrança se perde ao longo do tempo ou, pelo menos, diminui de importância aos seus olhos, à medida que se libertam dos fluidos materiais dos mundos inferiores e se aproximam da perfeição. Para eles, tais lembranças são sonhos longínquos, como no homem feito as recordações da primeira infância.
[1]
[v. Eugène
Scribe.]