O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Outubro de 1861.

(Idioma francês)

ENSINAMENTOS E DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS.


Os cretinos.

(Sociedade Espírita de Paris.  †  – Médium: Sra. Costel.)

Nossa companheira, Sra. Costel, tendo feito uma excursão na região dos Alpes  †  em que o cretinismo  †  parece ter estabelecido um de seus principais focos, ali recebeu, de um de seus Espíritos habituais, a seguinte comunicação:


— Os cretinos são seres punidos na Terra pelo mau uso que fizeram de poderosas faculdades. Sua alma está aprisionada num corpo, cujos órgãos impotentes não podem exprimir seu pensamento. Esse mutismo moral e físico é uma das mais cruéis punições terrestres, muitas vezes escolhidas pelos Espíritos arrependidos que querem resgatar suas faltas. Tal prova não é estéril, porque o Espírito não fica estacionário na sua prisão de carne: os olhos hebetados veem, o cérebro deprimido compreende, mas nada pode ser traduzido, nem pela palavra, nem pelo olhar e, salvo o movimento, estão moralmente no estado dos letárgicos e dos catalépticos, que veem e ouvem o que se passa ao seu redor sem poderem exprimi-lo. Quando, em sonho, tendes esses terríveis pesadelos, nos quais quereis fugir de um perigo, quando gritais para pedir socorro, enquanto a língua fica presa à abóbada palatina e os pés ao solo, experimentais por alguns instantes o que o cretino experimenta sempre: paralisia do corpo ligada à vida do Espírito.

Quase todas as enfermidades têm, assim, sua razão de ser; nada se faz sem causa, e o que chamais injustiça da sorte é a aplicação da mais alta justiça. A loucura  †  também é uma punição pelo abuso de altas faculdades; o louco tem duas personalidades: a delirante e a que retém a consciência de seus atos, sem os poder dirigir. Quanto aos cretinos, a vida contemplativa e isolada de suas almas, sem as distrações do corpo, também pode ser tão agitada quanto as existências mais complicadas pelos acontecimentos; alguns se revoltam contra seu suplício voluntário; lamentam tê-lo escolhido e sentem um desejo furioso de voltar a uma outra vida, desejo que lhes faz esquecer a resignação na vida presente e o remorso da vida passada, que albergam na consciência, porquanto os cretinos e os loucos sabem mais que vós, e na sua incapacidade física oculta-se uma força moral da qual não fazeis a menor ideia. Os atos de furor ou de imbecilidade a que seus corpos se entregam são julgados pelo ser interior, que sofre e se envergonha. Assim, ridicularizá-los, injuriá-los, mesmo maltratá-los, como às vezes se faz com eles, é aumentar-lhes os sofrimentos, porque os faz sentir mais duramente sua fraqueza e sua abjeção; se pudessem, acusariam de covardia os que assim agem, pois sabem que suas vítimas não podem se defender.

O cretinismo não é uma lei de Deus e a Ciência pode fazê-lo desaparecer, porquanto é o resultado material da ignorância, da miséria e da imundície. Os novos meios de higiene, que a Ciência, tornada mais prática, pôs ao alcance de todos, tendem a destruí-lo. Sendo o progresso condição expressa da Humanidade, as provas impostas se modificarão e seguirão a marcha dos séculos; tornar-se-ão todas morais; e quando a vossa Terra, ainda jovem, tiver realizado todas as fases de sua existência, tornar-se-á uma morada de felicidade, como outros planetas mais adiantados.


Pierre Jouty, pai do médium.


Observação. – Houve um tempo em que se havia posto em dúvida a alma dos cretinos e se perguntava se eles, realmente, pertenciam à espécie humana. A maneira por que o Espiritismo os encara não é de alta moralidade e de grande ensinamento? Não há matéria para sérias reflexões, ao pensar que esses corpos desgraçados encerram almas que talvez tenham brilhado no mundo, que são tão lúcidas e tão pensantes quanto as nossas, sob o espesso envoltório que lhes sufoca as manifestações e que, um dia, o mesmo pode acontecer conosco, se abusarmos das faculdades que nos concedeu a Providência?

De outro modo, como poderíamos explicar o cretinismo? Como fazê-lo concordar com a justiça e a bondade de Deus, sem admitir a pluralidade das existências, isto é, a reencarnação? Se a alma ainda não viveu, é que foi criada ao mesmo tempo que o corpo. Nesta hipótese, como justificar a criação de almas tão deserdadas quanto a dos cretinos, por parte de um Deus justo e bom? Porque aqui não se trata absolutamente de um desses acidentes – a loucura, por exemplo – que se pode prevenir ou curar. Esses seres nascem e morrem no mesmo estado. Não possuindo nenhuma noção do bem e do mal, qual a sua sorte na eternidade? Serão felizes como os homens inteligentes e trabalhadores? Mas por que este favor, pois que nada fizeram de bom? Estarão naquilo a que chamam limbo, isto é, num estado misto, que nem é felicidade nem infelicidade? Mas por que esta inferioridade eterna? É sua culpa se Deus os criou cretinos? Desafiamos todos os que repelem a doutrina da reencarnação a saírem desse impasse. Com a reencarnação, ao contrário, o que parece uma injustiça torna-se admirável justiça; o que é inexplicável explica-se da maneira mais racional. Aliás, não sabemos se os que repelem esta doutrina a tenham combatido com argumentos mais peremptórios que o de sua repugnância pessoal em voltar à Terra. Estariam, assim, muito seguros de possuir bastante virtude para ganhar o Céu com tanta facilidade? Desejamos-lhes boa sorte. Mas… e os cretinos? E as crianças que morrem em tenra idade? Que títulos possuirão para fazer valer?


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