Sabeis que todos os sonâmbulos, todas as mesas girantes, todas as aves magnetizadas, todos os lápis simpáticos e todas as cartomantes predizem a guerra há muito tempo?… Profecias nesse sentido têm sido feitas a uma multidão de personagens importantes que, afetando pouco importar-se com essas pretensas revelações do mundo sobrenatural, não deixaram de ficar vivamente preocupadas. De nossa parte, sem resolver de pronto a questão num ou noutro sentido, e achando, aliás, que naquilo que o próprio François Arago duvidava, pelo menos é permitido não nos pronunciarmos, limitando-nos a relatar, sem os comentar, alguns fatos de que fomos testemunhas.
Há oito dias tínhamos sido convidados para uma reunião espírita na casa do Barão de G… À hora indicada todos os convidados, em número de apenas doze, achavam-se em volta da mesa… miraculosa, aliás uma simples mesa de acaju, sobre a qual, para começar, foi servido chá com os sanduíches de costume. Dos doze convivas, apressamo-nos em dizer, nenhum poderia razoavelmente incorrer na pecha de charlatanismo. O dono da casa, que conta com ministros entre seus parentes próximos, pertence a uma grande família estrangeira.
Quanto aos fiéis, compunham-se de dois oficiais ingleses muito distintos, um oficial de marinha francês, um príncipe russo bastante conhecido, um médico muito habilidoso, um milionário, um secretário de embaixada e duas ou três pessoas importantes do bairro de Saint-Germain. † Éramos o único profano entre esses maiorais do Espiritismo, embora a nossa qualidade de cronista parisiense e de céptico por dever não permitisse fôssemos acusados de uma credulidade… excessiva. A reunião, pois, não podia ser suspeita de representar uma comédia. E que comédia! Uma comédia inútil e ridícula, em que cada um teria voluntariamente aceitado o duplo papel de mistificador e de mistificado? Isso não é admissível. E, afinal de contas, com que propósito? Com que interesse? Não seria o caso de perguntar: A quem se engana aqui?
Não, ali não havia má-fé nem loucura… Se quiserem, digamos que houve acaso… É tudo quanto nossa consciência permite conceder. Ora, eis o que se passou:
Depois de haverem interrogado o Espírito sobre mil coisas, perguntaram-lhe se as esperanças de paz, que então pareciam muito grandes, tinham fundamento.
— “Não”, respondeu ele com muita clareza em duas ocasiões diferentes.
— Teremos, pois, a guerra? — “Certamente”.
— Quando? — “Em oito dias.”
“Entretanto, o Congresso não se reúne senão no próximo mês… Isto afasta bastante a eventualidade de um começo de hostilidades. — “Não haverá Congresso.”
— Por quê? — “A Áustria se recusará.”
— E qual a causa que triunfará? — “A da justiça e do direito… a da França.”
— E a guerra, como será? — “Curta e gloriosa.”
Isto nos traz à memória um outro fato do mesmo gênero que se passou igualmente sob nossos olhos alguns anos atrás.
Quando da guerra da Crimeia, † todos se recordam que o Imperador Nicolau † chamou à Rússia † os súditos que residiam na França, sob pena de confiscar-lhes os bens, caso recusassem a obedecer a essa ordem.
Então nos encontrávamos em Leipzig, † na Saxônia, onde, assim como em toda parte, havia um vivo interesse pela campanha que acabara de começar. Um dia recebemos o seguinte bilhete:
“Estou aqui por algumas horas apenas. Vinde ver-me no Hotel da Polônia, nº 13!
Princesa de Rébinine.”
Já conhecíamos bastante a princesa Sofia de Rébinine, uma mulher distinta e encantadora, cuja história era todo um romance, que escreveremos alguma dia, e que nos dispensava consideração chamando-nos seu amigo. Apressamo-nos em atender ao amável convite, tão agradavelmente surpreendido e encantado ficamos, quando da sua passagem por Leipzig.
Era domingo, 13 e o tempo estava naturalmente cinzento e triste, como sempre ocorre nesta parte da Saxônia. Encontramos a princesa em sua casa, mais graciosa e espirituosa que nunca, apenas um pouco pálida e algo melancólica. Fizemos-lhe mesmo esta observação.
— Para começar, respondeu ela, parti como uma bomba. Tinha de ser assim, pois estamos em guerra e sinto-me um pouco fatigada da viagem. Depois, embora atualmente sejamos inimigos, não vos ocultarei que deixo Paris com muito pesar. Já me considerava quase francesa há muito tempo e a ordem do Imperador fez-me romper com um velho e doce hábito.
— Por que não ficastes tranquilamente no vosso bonito apartamento da rua Rumfort?
— Porque me teriam cortado os subsídios.
— Mas como! Não contais entre nós com tão numerosos e bons amigos?
— Sim… pelo menos o creio. Mas na minha idade uma mulher não gosta de se dar em hipoteca… os juros a pagar por vezes ultrapassam o capital! Ah! Se eu fosse velha seria outra coisa… Mas então não me emprestariam.
Nesse momento a princesa mudou de assunto.
— Ah! — disse ela — sabeis que tenho uma natureza muito absorvente. Aqui não conheço ninguém… Posso contar convosco durante o dia todo?
É fácil de adivinhar a nossa resposta.
A uma hora ouvimos o sino no pátio e descemos para o almoço no salão do hotel. Naquele momento todo mundo falava da guerra… e das mesas girantes.
No que concerne à guerra, a princesa estava certa de que a frota inglesa seria destruída no mar Negro e ela mesma se teria encarregado bravamente de incendiá-la, se o Imperador lhe houvesse confiado essa perigosa e delicada missão. Quanto às mesas girantes, sua fé era menos sólida, mas, mesmo assim, propôs que fizéssemos algumas experiências, com outro de nossos amigos, que lhe havíamos apresentado à sobremesa. Subimos então para os seus aposentos. Foi-nos servido café e, como chovesse, passamos a tarde inteira a interrogar uma mesinha redonda de apenas um pé, dessas que ainda se vê por aqui.
— E a mim — perguntou de repente a princesa — nada tens a dizer?
— Não.
— Por quê?
A mesinha bateu treze pancadas. Ora, deve-se lembrar que era um dia 13 e que o apartamento da Sra. Rébinine tinha o número 13.
— Isso quer dizer que o número 13 me é fatal? perguntou a princesa, um pouco supersticiosa com esse número.
— Sim, bateu a mesa.
— Não importa!… Sou um Bayard do sexo masculino e podes falar sem medo, seja o que for que tenhas a me anunciar.
Interrogamos a pequena mesa, que de início persistiu na sua prudente reserva, conseguindo, por fim, arrancar-lhe as seguintes palavras:
— Doente… oito dias… Paris… morte violenta!
A princesa achava-se muito bem; acabara de deixar Paris † e não esperava rever a França tão cedo… A profecia da mesa era, pois, no mínimo absurda quanto aos três primeiros pontos… Quanto ao último, é inútil acrescentar que nele nem quisemos nos deter.
A princesa devia partir às oito horas da noite, pelo trem de Dresden, † a fim de chegar a Varsóvia † dois dias depois, pela manhã; mas perdeu o trem.
— O que posso fazer? — disse ela. Vou deixar aqui minha bagagem e tomarei o trem das quatro horas da manhã.
— Então retornareis ao hotel para dormir?
— Voltarei para lá, mas não me deitarei… Assistirei, do alto do camarote dos estrangeiros, ao baile desta noite… Quereis servir-me de cavalheiro?
O Hotel da Polônia, cujos imensos e magníficos salões não comportavam menos de duas mil pessoas, quase que diariamente dava um grande baile, tanto no verão como no inverno, organizado por alguma sociedade do lugar, reservando para a assistência, no alto, uma galeria particular destinada aos viajantes que desejassem desfrutar do animado espetáculo e da excelente música.
Na Alemanha, aliás, os estrangeiros jamais são esquecidos e em toda parte têm seus camarotes reservados, o que explica por que os alemães que vêm a Paris pela primeira vez solicitam sempre, nos teatros e concertos, o camarote dos estrangeiros.
O baile daquele dia era muito brilhante e, embora fosse a princesa mera espectadora, tomava-se de verdadeiro prazer. Assim havia esquecido completamente a mesinha e sua sinistra predição, quando um dos garçons do hotel lhe trouxe um telegrama que acabava de chegar, concebido nos seguintes termos:
“Senhora Rébinine, Hotel da Polônia, Leipzig; presença indispensável Paris; graves interesses”, seguindo-se a assinatura do procurador da princesa. Algumas horas mais tarde ela retomava a rota de Colônia, † em vez de tomar o trem para Dresden. Oito dias depois soubemos que havia morrido!
Paulin Niboyet.