Encontramos o relato seguinte numa notável coleção de autênticas histórias de aparições e de outros fenômenos espíritas, publicado em Londres † no ano de 1682, pelo Reverendo J. Granville e pelo Dr. H. More. Intitula-se: “Aparição do Espírito do Major Sydenham ao Capitão V. Dick”, extraída de uma carta do Sr. Jacques Douche, de Mongton, ao Sr. J. Granville.
“… Pouco tempo após a morte do Major Georges, o Dr. Th. Dyke, parente próximo do Capitão, foi chamado para tratar de uma criança doente. O médico e o capitão deitaram-se no mesmo leito. Após dormirem um pouco, o capitão chamou o criado e ordenou-lhe que trouxesse duas velas acesas, as maiores e mais grossas que encontrasse. O doutor perguntou-lhe o que isso significava. — Conheceis, disse o capitão, minhas discussões com o major, relativamente à existência de Deus e à imortalidade da alma: não nos foi possível esclarecer esses dois pontos, muito embora sempre o tivéssemos desejado.
“Ficou combinado entre nós dois que aquele que morresse primeiro viria na terceira noite após os funerais, entre meia-noite e uma hora, ao jardim desta pequena casa e ali esclarecer o sobrevivente sobre o assunto. É hoje mesmo, disse o capitão, que o major deve cumprir a promessa. Em consequência, pôs o relógio perto dele e, às onze horas e meia levantou-se, tomou uma vela em cada mão, saiu pela porta dos fundos e passeou no jardim durante duas horas e meia. Ao retornar, declarou ao médico nada ter visto, nem nada ouvido que não fosse muito natural; mas, acrescentou, sei que meu major teria vindo, caso pudesse.
“Seis semanas depois, acompanhado pelo doutor, o capitão foi a Eaton, a fim de colocar o filho no colégio. Hospedaram-se num albergue chamado Saint-Christophe, ali permanecendo dois ou três dias; mas não dormiram juntos, como em Dalverson: † ocuparam quartos separados.
“Certa manhã o capitão permaneceu no quarto mais tempo que de costume, antes de chamar o doutor. Por fim entrou no quarto deste último, a fisionomia completamente alterada; os cabelos eriçados, os olhos desvairados e o corpo todo a tremer. — “Que aconteceu, primo capitão?” — disse o major. O capitão respondeu: — “Vi meu major”. O doutor parecia sorrir. — “Eu vos afirmo que jamais o vi em minha vida, ou o vi hoje”. Então fez-me o seguinte relato: “Esta manhã, ao romper do dia, alguém se postou à beira do meu leito, arrancou as cobertas e gritou: Cap., cap. (Era a maneira familiar que o major empregava para chamar o capitão). Respondi: Ora! Meu major? — Ele continuou: Não pude vir no dia aprazado; mas, agora, eis-me aqui a dizer-vos: “Há um Deus, muito justo e terrível; se não mudardes de pele, vereis quando aqui chegardes”.
“Sobre a mesa havia uma espada que o major me tinha dado. Depois de ter dado duas ou três voltas no quarto, tomou da espada, desembainhou-a e, não a encontrando tão polida como deveria estar, disse: Cap., cap., esta espada era melhor cuidada quanto estava comigo. A estas palavras desapareceu subitamente.”
Não somente o capitão ficou perfeitamente persuadido da realidade do que tinha visto e ouvido, como desde então se tornou muito mais sério. Seu caráter, outrora jovial e leviano, modificou-se notavelmente. Quando convidava os amigos tratava-os com generosidade, mas se mostrava muito sóbrio consigo mesmo. As pessoas que o conheciam asseguravam que muitas vezes ele pensava ouvir, repetindo-se em seus ouvidos, as palavras do major, e isso durante os dois anos em que viveu após essa aventura.
Allan Kardec.
Imprimerie de H. Carion, rue Bonaparte, 64. †