Teoria
da projeção. (1, 2.) — Teoria da condensação. (3.)
— Teoria da incrustação. (4-6.)
— Alma da Terra. (7.) |
1. — De todas as teorias concernentes à origem da Terra, a que alcançou maior voga, nestes últimos tempos, é a de Buffon, quer pela posição que ele desfrutava no mundo sábio, quer pela razão de não se saber mais do que ele disse naquela época.
2 Vendo que todos os planetas se movem na mesma direção, do ocidente para o oriente, e no mesmo plano, a percorrer órbitas cuja inclinação não passa de 7 graus e meio, concluiu Buffon, dessa uniformidade, que eles hão de ter sido postos em movimento pela mesma causa.
3 De igual ponto de vista, formulou a suposição de que, sendo o Sol uma massa incandescente em fusão, um cometa se haja chocado com ele e, raspando-lhe a superfície, tenha destacado desta uma porção que, projetada no espaço pela violência do choque, se dividiu em muitos fragmentos, formando esses fragmentos os planetas, que continuaram a mover-se circularmente, pela combinação das forças centrífuga e centrípeta, no sentido dado pela direção do choque primitivo, isto é, no plano da eclíptica.
4 Os planetas seriam assim partes da substância incandescente do Sol e, por conseguinte, também teriam sido incandescentes, em sua origem. Levaram para se resfriar e consolidar tempo proporcionado aos seus volumes respectivos e, quando a temperatura o permitiu a vida lhes despontou na superfície.
5 Em virtude do gradual abaixamento do calor central, a Terra chegaria, ao cabo de certo tempo, a um estado de resfriamento completo; a massa líquida se congelaria inteiramente e o ar, cada vez mais condensado, acabaria por desaparecer. O abaixamento da temperatura, tornado impossível a vida, acarretaria a diminuição, depois o desaparecimento de todos os seres organizados. Tendo começado pelos pólos, o resfriamento ganharia pouco a pouco todas as regiões, até ao Equador.
6 Tal, segundo Buffon, o estado atual da Lua que, menor do que a Terra, seria hoje um mundo extinto, do qual a vida se acha para sempre excluída. O próprio Sol viria a ter, afinal, a mesma sorte. De acordo com, os seus cálculos, a Terra teria gasto cerca de 74.000 anos para chegar à sua temperatura atual e dentro de 93.000 anos veria o termo da existência da Natureza organizada.
2. — A teoria de Buffon, contraditada pelas novas descobertas da Ciência, está presentemente abandonada, quase de todo, pelas razões seguintes:
1º Durante longo tempo, acreditou-se que os cometas eram corpos sólidos, cujo encontro com um planeta podia ocasionar a destruição deste último. Nessa hipótese, a suposição de Buffon nada tinha de improvável. Sabe-se, porém, agora, que os cometas são formados de uma matéria gasosa, bastante rarefeita, entretanto, para que se possam perceber estrelas de grandeza média através de seus núcleos. Nessas condições, oferecendo menos resistência do que o Sol, impossível é que, num choque violento como este, eles sejam capazes de arremessar ao longe qualquer porção da massa solar.
2º A natureza incandescente do Sol é também uma hipótese, que nada, até ao presente, confirma, que, ao contrário, as observações parecem desmentir. Se bem ainda não haja certeza quanto à sua natureza, os poderosos meios de observação de que hoje dispõe a Ciência hão permitido que ele seja melhor estudado, de modo a admitir-se, em geral, que é um globo composto de matéria sólida, cercada de uma atmosfera luminosa, ou fotosfera, que não se acha em contato com a sua superfície.
3º Ao tempo de Buffon, somente se conheciam os seis planetas de que os antigos eram conhecedores: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno. Descobriram-se depois outros em grande número, três dos quais, principalmente, Juno, Ceres e Palas, n têm suas órbitas inclinadas de 13, 10 e 34 graus, o que não concorda com um movimento único de projeção.
4º Reconheceram-se absolutamente inexatos os cálculos de Buffon acerca do resfriamento, desde que Fourier descobriu a lei do decrescimento do calor. A Terra não precisou apenas de 74.000 anos para chegar à sua temperatura atual, mas de alguns milhões de anos.
5º Buffon unicamente considerou o calor central da Terra, sem levar em conta o dos raios solares. Ora, é sabido hoje, em presença de dados científicos de rigorosa precisão, obtidos pela experiência, que, em virtude da espessura da crosta terrestre, o calor interno do globo não contribui, de, há muito, senão em parcela insignificante, para a temperatura da superfície exterior. São periódicas as variações que essa temperatura sofre e devidas à ação preponderante do calor solar (Cap. VII, n.º 25). Permanente que é o efeito dessa causa, ao passo que o do calor central é nulo, ou quase nulo, a diminuição deste não pode trazer à superfície da Terra sensíveis modificações. Para que a Terra se tornasse inabitável pelo resfriamento, fora necessária a extinção do Sol.
3. — A teoria da formação da Terra pela condensação da matéria cósmica é a que hoje prevalece na Ciência, como sendo a que a observação melhor justifica, a que resolve maior número de dificuldades e que se apoia, mais do que todas as outras, no grande princípio da unidade universal. É a que deixamos exposta acima, no capítulo VI: Uranografia geral.
2 Estas duas teorias, como se vê, conduzem ao mesmo resultado: estado primitivo, de incandescência, do globo; formação de uma crosta sólida pelo resfriamento; existência do fogo central e aparecimento da vida orgânica, logo que a temperatura a tornou possível. Diferem, no entanto, em pontos essenciais e é provável que, se Buffon vivesse atualmente, adotaria outras ideias.
3 A Geologia toma a Terra no ponto em que é possível a observação direta. Seu estado anterior, por escapar à observação, só pode ser conjectural. Ora, entre duas hipóteses, o bom-senso diz que se deve preferir a que a lógica sanciona e que mais acorde se mostra com os fatos observados.
4. — Apenas por não deixar de mencioná-la, falamos desta teoria, que nada tem de científica, mas, que, entretanto, conseguiu certa repercussão nos últimos tempos e seduziu algumas pessoas. Acha-se resumida na carta seguinte:
“Deus, segundo a Bíblia, criou o mundo em seis dias, quatro mil anos antes da era cristã. Essa afirmativa os geólogos a contestam, firmados no estudo dos fósseis e dos milhares de caracteres incontestáveis de vetustez que transportam a origem da Terra a milhões de anos. Entretanto, a Escritura disse a verdade e também os geólogos. E foi um simples campônio n quem os pôs de acordo ensinando que o nosso globo não é mais do que um planeta incrustativo, muito moderno, composto de materiais muito antigos.
“Após o arrebatamento do planeta desconhecido, que chegara à maturidade, ou de harmonia com o que existiu no lugar que hoje ocupamos, a alma da Terra recebeu ordem de reunir seus satélites, para formar a Terra atual, segundo as regras do progresso em tudo e por tudo. Quatro apenas desses astros concordaram com a associação que lhes era proposta. Só a Lua persistiu na sua autonomia, visto que também os globos tem o seu livre arbítrio. Para proceder a essa fusão, a alma da Terra dirigiu aos satélites um raio magnético atrativo, que pôs em estado cataléptico todo o mobiliário vegetal, animal e hominal que eles possuíam e que trouxeram para a comunidade. A operação teve por únicas testemunhas a alma da Terra e os grandes mensageiros celestes que a ajudaram nessa grande obra, abrindo aqueles globos para lhes dar entranhas comuns. Praticada a soldadura, as águas se escoaram para os vazios que a ausência da Lua deixara. As atmosferas se confundiram e começou o despertar ou a ressurreição dos germes que estavam em catalepsia. O homem foi o último a ser tirado do estado de hipnotismo e se viu cercado da luxuriante vegetação do paraíso terrestre e dos animais que pastavam em paz ao seu derredor. Tudo isto se podia fazer em seis dias, com obreiros tão poderosos como os que Deus encarregara da tarefa. O planeta Ásia trouxe a raça amarela, a de civilização mais antiga; o África a raça negra; o Europa a raça branca e o América a raça vermelha.
“Assim, certos animais, de que apenas os despojos são encontrados, nunca teriam vivido na Terra atual, mas teriam sido transportados de outros mundos desmanchados pela velhice. Os fósseis, que se encontram em climas sob os quais não teriam podido existir neste mundo, viviam sem dúvida em zonas muito diferentes nos globos onde nasceram. Tais despojos na Terra se encontram nos pólos, ao passo que os animais viviam no Equador dos globos a que pertenciam.”
5. — Esta teoria tem contra si os mais positivos dados da ciência experimental, além de que deixa intacta a questão mesma que ela pretende resolver, a questão da origem. Diz, é certo, como a Terra se teria formado, mas não diz como se formaram os quatro mundos que se reuniram para constituí-la.
Se as coisas se houvessem passado assim, como se explicaria a inexistência absoluta de quaisquer vestígios daquelas imensas soldaduras, não obstante terem ido até às entranhas do globo? Cada um daqueles mundos, o Ásia, o África, o Europa e o América, que se pretende haverem trazido os materiais que lhes eram próprios, teria uma geologia particular, diferente da dos demais, o que não é exato. Ao contrário, vê-se, primeiramente, que o núcleo granítico é uniforme, de composição homogênea em todas as partes do globo, sem solução de continuidade. Depois, as camadas geológicas se apresentam de formação igual, idênticas quanto à constituição, superpostas, em toda parte, na mesma ordem, contínuas, sem interrupção, de um lado a outro dos mares, da Europa à Ásia, à África, à América, e reciprocamente. Essas camadas que dão testemunho das transformações do globo, atestam que tais transformações se operaram, em toda a sua superfície e não, apenas, numa porção desta; mostram os períodos de aparecimento, existência, e desaparecimento das mesmas espécies animais e vegetais, nas diferentes partes do mundo, igualmente; mostram a fauna e a flora desses períodos recuados a marcharem simultaneamente por toda parte, sob a influência de uma temperatura uniforme, e a mudar por toda parte de caráter, à medida que a temperatura se modifica. Semelhante estado de coisas não se concilia com a formação da Terra por adjunção de muitos mundos diferentes.
Ao demais, é de perguntar-se o que teria sido feito do mar, que ocupa o vazio deixado pela Lua, se esta não se houvesse recusado a reunir-se às suas irmãs. Que aconteceria à Terra atual, se um dia a Lua tivesse a fantasia de vir tomar o seu lugar, expulsando deste o mar?
6. — Semelhante sistema seduziu algumas pessoas, porque parecia explicar a presença das diferentes raças de homens na Terra e a localização delas. Mas, uma vez que essas raças puderam proliferar em mundos distintos, por que não teriam podido desenvolver-se em pontos diversos do mesmo globo? É querer resolver uma dificuldade por meio de outra dificuldade maior. Efetivamente, quaisquer que fossem a rapidez e a destreza com que a operação se praticasse, aquela junção não se houvera podido realizar sem violentos abalos. Quanto mais rápida ela fosse, tanto mais desastrosos haviam de ser os cataclismos. Parece, pois, impossível que seres apenas mergulhados em sono cataléptico hajam podido resistir-lhes, para, em seguida, despertarem tranquilamente. Se fossem unicamente germes, em que consistiriam? Como é que seres inteiramente formados se reduziriam ao estado de germes? Restaria sempre a questão de saber-se como esses germes novamente se desenvolveram. Ainda aí, teríamos a Terra a formar-se por processo miraculoso, processo, porém, menos poético e menos grandioso do que o da Gênese bíblica, enquanto que as leis naturais dão, da sua formação, uma explicação muito mais completa e, sobretudo, mais racional, deduzida da observação. n
7. — A alma da Terra desempenhou papel principal na teoria da incrustação. Vejamos se esta ideia tem melhor fundamento.
2 O desenvolvimento orgânico está sempre em relação com o desenvolvimento do princípio intelectual; o organismo se completa à medida que se multiplicam as faculdades da alma; a escala orgânica acompanha constantemente, em todos os seres, a progressão da inteligência, desde o pólipo até o homem, e não podia ser de outro modo, pois que a alma precisa de um instrumento apropriado à importância das funções que lhe compete desempenhar. 3 De que serviria à ostra possuir a inteligência do macaco, sem os órgãos necessários à sua manifestação? Se, portanto, a Terra fosse um ser animado, servindo de corpo a uma alma especial, essa alma, por efeito mesmo da sua constituição, teria de ser ainda mais rudimentar do que a do pólipo, visto que a Terra não tem, sequer, a vitalidade da planta, ao passo que, pelo papel que lhe atribuíram à alma, fizeram dela um ser dotado de razão e do mais completo livre arbítrio, em resumo: um como Espírito superior, o que não é racional, porquanto nunca nenhum Espírito se achou menos aquinhoado, nem mais aprisionado. 4 Ampliada neste sentido, a ideia da alma da Terra tem, então, de ser arrolada entre as concepções sistemáticas e quiméricas.
5 Por alma da Terra, pode entender-se, mais racionalmente, a coletividade dos Espíritos incumbidos da elaboração e da direção de seus elementos constitutivos, o que já supõe certo grau de desenvolvimento intelectual; ou, melhor ainda: o Espírito a quem está confiada a alta direção dos destinos morais e do progresso de seus habitantes, missão que somente pode ser atribuída a um ser eminentemente superior em saber e em sabedoria. 6 Em tal caso, esse Espírito não é, propriamente falando, a alma da Terra, porquanto não se acha encarnado nela, nem subordinado ao seu estado material. É um chefe preposto ao seu governo, como um general o é ao comando de um exército.
7
Um Espírito, incumbido de missão tão importante qual a do governo de
um mundo, não poderia ter caprichos, ou, então, teríamos de reconhecer
em Deus a imprevidência de confiar a execução de suas leis a seres capazes
de lhes contravir, a seu bel-prazer. Ora, segundo a doutrina da incrustação,
a má-vontade da alma da Lua é que houvera dado causa a que a Terra ficasse
incompleta. Há ideias que a si mesmas se refutam. (Revista Espírita
de Setembro de 1868: A
alma da Terra.)
[1] Nota da Editora: Os planetoides Juno, Ceres e Palas, bem como centenas de outros; estão localizados entre as órbitas de Júpiter e Marte.
[2] Miguel de Figagnères (Var), autor da Chave da Vida.
[3] Quando tal sistema se liga a toda uma cosmogonia, é de perguntar-se sobre que base racional pode o resto assentar.
A concordância que, por meio desse sistema, se pretende estabelecer, entre a Gênese bíblica e a Ciência; é inteiramente ilusória, pois que a própria Ciência o contradiz.
O autor da carta acima, homem de grande saber, seduzido, um instante, por essa teoria, logo lhe descobriu os lados vulneráveis e não tardou a combatê-la com as armas da Ciência.