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EADE — Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita — Religião à luz do Espiritismo

TOMO II — ENSINOS E PARÁBOLAS DE JESUS — PARTE II
Módulo III — Ensinos por parábolas

Roteiro 1


O filho pródigo


 

Objetivo: Explicar a parábola do filho pródigo, à luz do entendimento espírita.



IDEIAS PRINCIPAIS

  • A parábola do filho pródigo, interpretada à luz do entendimento espírita, encerra os seguintes ensinamentos básicos:

    1º — Imutabilidade de Deus — princípio sustentado, não teoricamente apenas, mas de modo positivo, condizente com os fatos e testemunhos da vida humana.

    2º — Unidade do destino, isto é, a redenção completa pelo Amor e pela Dor, abrangendo todos os pecadores.

    3º — A lei da causalidade, ou seja, de ação e reação, causas e efeitos, determinando, em dado tempo, o despertar das consciências adormecidas.

    4º — A relatividade do livre arbítrio, o qual não pode ser absoluto, a ponto de ser dado ao homem alterar os desígnios de Deus.

    5º — Finalmente, a evolução individual dos seres racionais e conscientes, de cujo número o homem faz parte, processada no recesso íntimo das almas, livre e espontaneamente, como lei natural e irrevogável. Vinícius (Pedro Camargo): Na seara do mestre, item: Parábola do filho pródigo.



 

SUBSÍDIOS


1. Texto evangélico

  • E disse: Um certo homem tinha dois filhos. E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o seu estômago com as bolotas [ou alfarrobas] que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se. E o seu filho mais velho estava no campo; e, quando veio e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele Che disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou e não queria entrar. E, saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredi o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. Lucas, 15.11-32.

O texto destaca a figura de um pai que atende com amor e misericórdia as diferentes necessidades evolutivas dos seus filhos, representados por dois irmãos, um pródigo, outro egoísta.

A parábola reflete, igualmente, a utilização do livre-arbítrio, a manifestação da lei de causa e efeito e os fundamentos do processo de evolução do Espírito. “À simples leitura da parábola, percebemos que aquele pai é Deus. Seus dois filhos representam os homens, nós, os pecadores de todos os matizes.” (6)


Os dois irmãos representam a Humanidade. O Pródigo é a fiel imagem dos pecadores cujas faltas transparecem, ressaltam logo à primeira vista. Semelhantes transviados deixam-se arrastar ao sabor das voluptuosidades, como barcos que vogam à mercê das ondas, sem leme e sem bússola. Sabem que são pecadores, estão cônscios das imperfeições próprias e, comumente, ostentam para os que têm olhos de ver, de permeio com as graves falhas de seus caracteres, apreciáveis virtudes. E assim permanecem, até que o aguilhão da dor os desperte.

O filho mais velho, o Egoísta é a perfeita encarnação dos pecadores que se julgam isentos de culpa, protótipos de virtudes, únicos herdeiros das bem-aventuranças eternas, pelo fato de se haverem abstido do mal. São os orgulhosos, os exclusivistas, os sectários que se apartam dos demais para não se contaminarem, como faziam os fariseus. A soberba não lhes permite conceber a unidade do destino. […] Descreem da reabilitação dos culpados. Só podem ver a sociedade sob seus aspectos de camadas diversas, camadas inconfundíveis. Imaginam-se no alto, e os demais em baixo. (2)


2. Interpretação do texto evangélico

  • E disse: Um certo homem tinha dois filhos. E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o seu estômago com as bolotas [ou alfarrobas] que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. (Lc 15.11-16).

O filho mais moço, identificado “pródigo”, tinha uma personalidade ativa, mais determinada, enquanto seu irmão revela-se acomodado no contexto em que vivia. Sentindo, porém, necessidade de vivenciar outras experiências, à distância do lar, o caçula da família comunica ao pai este desejo e solicita-lhe a parte da herança que lhe cabia. O pai não só lhe atende o pedido, como demonstra compreender ser um acontecimento natural. Divide a herança entre os filhos, de forma justa, não interpondo obstáculo à manifestação do livre-arbítrio dos seus herdeiros.

O texto evangélico informa que “o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua”, isto é, manteve-se distante da proteção paterna, conduzindo a existência na forma que lhe aprazia, segundo os critérios estabelecidos pela vida material. É por esse motivo que o filho pródigo “[…] é a personificação daquele que se entrega desvairadamente aos prazeres sensuais, concentrando na gratificação dos sentidos todas as suas aspirações e ideias, consumindo em bastardos apetites as riquezas herdadas do divino progenitor.” (6)

O desregramento da conduta produziu-lhe grande sofrimento. “[…] Empobrecido e arruinado, faminto e roto, espiritual e materialmente, acaba reconhecendo-se o único culpado de tamanha desventura, o único responsável pela crítica situação em que se vê.” (6)

Arrependendo-se dos erros cometidos, o jovem toma, então, a decisão de retornar à casa paterna. A disposição para se reajustar perante a lei divina é o primeiro sinal de transformação moral que, em geral, atinge os que se transviaram ao longo da caminhada evolutiva.


A história desse moço desassisado é a da grande maioria dos homens. Verificamos no transcurso dos acontecimentos passados com ele a manifestação das leis naturais que regem o destino das almas na sua caminhada pela senda intérmina da vida, sob o influxo incoercível da evolução. […] O desfecho de toda a odisseia dos pecadores que passam pela Terra, é o retorno ao lar paterno. […] Outro ensinamento de relevância que da mesma ressalta é o que respeita à doutrina da causalidade [lei de causa e efeito], propagada pela Terceira Revelação. A redenção do Pródigo deu-se mediante a influência dessa lei. Ele criou uma série de causas que determinaram uma série de efeitos análogos. Como as causas eram más, os efeitos foram dolorosos. Suportando-os, como era natural, e não como castigo ou pena imposta por agente estranho, o moço acabou compreendendo a insensatez que praticara, considerando-se, outrossim, o próprio causador dos sofrimentos e da humilhação que suportava. (7)


Percorrendo as estradas largas dos interesses humanos, o filho pródigo conheceu a realidade da vida material, subjugando-se aos seus mecanismos e leis, razão pela qual foi colhido pelas frustrações e desilusões, que lhe forneceram lições retificadoras, capazes de reajustá-lo perante as leis divinas.

Nesta situação, esclarece o texto evangélico que o jovem vivenciou graves problemas, assim especificados: após ter “gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos”.

Uma análise superficial do texto sugere que o jovem enfrentou sérias privações, todas de ordem material: aniquilou os bens herdados (“ele desperdiçou a sua fazenda”); para sobreviver, precisou trabalhar para um dos cidadãos da terra, como guardador de porcos; passou tanta fome que até desejou ingerir o alimento destinado aos porcos.

É óbvio que a parábola oculta ensinamentos transcendentais, sob o véu do símbolo. A herança desperdiçada representa o desprezo pelos valores espirituais que lhes foram concedidos pelo Criador Supremo: “a retidão do juízo, a candura do sentimento, a sensibilidade da consciência e o discernimento justo do bem e do mal.” (1)

A “grande fome” que se abateu sobre aquela terra indica o cansaço, a insatisfação, o fastio que os prazeres materiais, cedo ou tarde, produzem no ser. Chega, então, o momento em que a pessoa se revela faminta de bens espirituais, arde-lhe o desejo de ser bom, de melhorar-se.

Entretanto, nem sempre o Espírito mostra-se suficientemente forte para mudanças extremas. Faz-se necessário passar por um período de ajuste, que lhe conceda as condições apropriadas à verdadeira transformação espiritual. No texto em estudo, esse período está simbolizado no imenso sofrimento que vivenciou como apascentador de porcos. Importa considerar que não foi o trabalho, em si, que lhe causou sofrimento, pois nada há de indigno em cuidar de animais, mas as condições precárias em que se encontrava o Espírito daquele jovem. Sua queda moral foi profunda, destruindo-lhe qualquer vestígio de alegria ou prazer de viver, uma vez que, agindo para satisfazer os sentidos, sua existência assemelhava-se à dos animais, que são governados pelo instinto. Subjugado à lei de causa e efeito, colheu o que semeou, guiando-se apenas pelo uso do seu livre-arbítrio.

Precisou, todavia, chegar a um doloroso estado de carência espiritual para lembrar-se do Pai, da vida abençoada que tivera, um dia, no lar paterno. Esta foi, porém, a brecha espiritual que lhe permitiu reconhecer os erros cometidos, admitir a situação de indigência espiritual em que se encontrava e, arrependido, impor nova diretriz à sua existência. Reconhecemos, neste sentido, que há filhos pródigos de diferentes tipos na Humanidade.


Examinando-se a figura do filho pródigo, toda gente idealiza um homem rico, dissipando possibilidades materiais nos festins do mundo. O quadro, todavia, deve ser ampliado, abrangendo as modalidades diferentes. Os filhos pródigos não respiram somente onde se encontra o dinheiro em abundância. Acomodam-se em todos os campos da atividade humana, resvalando de posições diversas. Grandes cientistas da Terra são perdulários da inteligência, destilando venenos intelectuais, indignos das concessões de que foram aquinhoados. Artistas preciosos gastam, por vezes, inutilmente, a imaginação e a sensibilidade, através de aventuras mesquinhas, caindo, afinal, nos desvãos do relaxamento e do crime. Em toda parte, vemos os dissipadores de bens, de saber, de tempo, de saúde, de oportunidades… (12)

  • E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se. (Lc 15.17-24).

O conhecimento espírita nos faz ver, neste texto do Evangelho, o momento preciso em que o Espírito, cansado de sofrer, busca o amor celestial, reconhecendo-lhe a excelsitude. Este momento está representado na expressão “cair em si.” É instante de grande valor, pois indica que a criatura humana toma consciência do efetivo estado de evolução espiritual em que se encontra.


Este pequeno trecho da parábola do filho pródigo desperta valiosas considerações em torno da vida. Judas sonhou com o domínio político do Evangelho, interessado na transformação compulsória das criaturas; contudo, quando caiu em si, era demasiado tarde, porque o Divino Amigo fora entregue a juízes cruéis. […] Maria de Magdala pusera a vida íntima nas mãos de gênios perversos, todavia, caindo em si, sob a influência do Cristo, observa o tempo perdido e conquista a mais elevada dignidade espiritual, por intermédio da humildade e da renunciação. Pedro, intimidado ante as ameaças de perseguição e sofrimento, nega o Mestre Divino; entretanto, caindo em si, ao se lhe deparar o olhar compassivo de Jesus, chora amargamente e avança, resoluto, para a sua reabilitação no apostolado. Paulo confia-se a desvairada paixão contra o Cristianismo e persegue, furioso, todas as manifestações do Evangelho nascente; no entanto, caindo em si, perante o chamado sublime do Senhor, penitencia-se dos seus erros e converte-se num dos mais brilhantes colaboradores do triunfo cristão. […] Cai, contudo, em ti mesmo, sob a bênção de Jesus e, transferindo-te, então, da inércia para o trabalho incessante pela tua redenção, observarás, surpreendido, como a vida é diferente. (9)


É admirável observar que, a partir do instante em que teve consciência dos seus méritos e deméritos, o filho pródigo aliou o desejo de melhoria à ação, facilmente percebidos neste trecho do Evangelho: “Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai”.


Quando o filho pródigo deliberou tornar aos braços paternos, resolveu intimamente levantar-se. Sair da cova escura da ociosidade para o campo da ação regeneradora. Erguer-se do chão frio da inércia para o calor do movimento reconstrutivo. Elevar-se do vale da indecisão para a montanha do serviço edificante. Fugir à treva e penetrar a luz. Ausentar-se da posição negativa e absorver-se na reestruturação dos próprios ideais. Levantou-se e partiu no rumo do Lar Paterno. (8)


A atitude do pai ao reencontrar o filho não deve passar despercebida: “viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou.” A compaixão é o atributo divino que mais nos atinge, em qualquer estágio evolutivo. Reflete a misericórdia divina. A compaixão demonstra que o Criador Supremo não “[…] esperou que o filho se penitenciasse de rojo, não exigiu escusas, não solicitou justificativas e nem impôs condições de qualquer natureza para estender-lhe os braços; apenas aguardou que o filho se levantasse e lhe desejasse o calor do coração.”

  • E o seu filho mais velho estava no campo; e, quando veio e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele Che disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou e não queria entrar. E, saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredi o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado (Lc 15.25-32).

O filho mais velho ilustra, na história contada por Jesus, o exemplo do egoísmo.


A parábola não apresenta somente o filho pródigo. Mais aguçada atenção e encontraremos o filho egoísta. O ensinamento velado do Mestre demonstra dois extremos da ingratidão filial. Um reside no esbanjamento; o outro, na avareza. São as duas extremidades que fecham o círculo da incompreensão humana. De maneira geral, os crentes apenas enxergaram o filho que abandonou o lar paterno, a fim de viver nas estroinices do escândalo, tornando-se credor de todas as punições; e raros aprendizes conseguiram fixar o pensamento na conduta condenável do irmão que permanecia sob o teto familiar, não menos passível de repreensão. Observando a generosidade paterna, os sentimentos inferiores que o animam sobem à tona e ei-lo na demonstração de sovinice. Contraria-o a vibração de amor reinante no ambiente doméstico; alega, como autêntico preguiçoso, os anos de serviço em família; invoca, na posição de crente vaidoso, a suposta observância da lei Divina e desrespeita o genitor, incapaz de partilhar-lhe o justo contentamento. Esse tipo de homem egoísta é muito vulgar nos quadros da vida. Ante o bem-estar e a alegria dos outros, revolta-se e sofre, através da secura que o aniquila e do ciúme que o envenena. (13)


Ora, o amor verdadeiro não se ajusta aos padrões da contabilidade tradicional: é espontâneo, natural, não cobra, não exige. No entanto, aquele servidor, aparentemente correto, por estar presente de modo ostensivo na casa do Pai realizando as suas obrigações, revelou-se egocêntrico e intransigente, mesmo que as explicações concedidas pelo Pai fossem lógicas e ponderadas: “Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado.”

Verificamos, assim, que nem sempre o que permanece na “Casa do Pai”, cumprindo deveres e obrigações está, efetivamente, transformado no bem. Pode revelar-se mesquinho e egoísta, julgando-se único merecedor das atenções e cuidados do Pai. Da mesma forma, nem todo dissoluto — o que prioriza as sensações materiais em detrimento das conquistas espirituais — , é criatura má. Ele pode, inclusive, revelar virtudes que estão abafadas pelo gênero de vida que leva. Essas virtudes irão manifestar-se, no momento apropriado, servindo de recursos para admitir erros cometidos e reajustar condutas. Devemos reconhecer, em suma, que o filho pródigo é sempre alguém que “pecou, sofreu, amou. A dor despertou-lhe os sentimentos, iluminou-lhe a consciência, converteu-o. A humildade, essa virtude que levanta os decaídos e engrandece os pequeninos, exaltou-o, apagando todas as máculas do seu Espírito, então redimido.” (4)

O mesmo não aconteceu com o outro irmão. Isso nos faz recordar que Jesus, antes mesmo de contar esta parábola, afiançou: “Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”. (Lucas, 15.7)

Dessa forma, a recepção que o pai deu ao filho pródigo traduz-se em lição inesquecível: a alegria do acolhimento ao filho mais jovem, o melhor vestido, o anel e as alparcatas, assim como o banquete, a festa e a música foram concessões que expressam a misericórdia divina, perante as propostas de mudança dos que, sob os fundamentos da humildade, se arrependem. Por outro lado, essa boa receptividade provoca ciúme e inveja no filho mais velho, que ainda não se encontrava livre do ciúme, da inveja e do egoísmo, julgando-se o único merecedor dos cuidados e atenção do genitor. Trata-se de uma atitude mesquinha e rancorosa do primogênito, que busca justificá-la por meio da alegação pueril de jamais ter se afastado do lar.


O Pródigo, a seu ver, deve ser excluído do lar. […] O mal do Egoísta é muito mais profundo, está muito mais radicado que o do Pródigo. Este tem qualidades ao lado dos defeitos. Aquele não tem vícios, mas igualmente não tem virtudes. […] O Egoísta não esbanja os dons: esconde-os, como o avarento esconde as moedas. Não mata, porém é incapaz de arriscar um fio de cabelo para salvar alguém. Não rouba, mas também não dá. Não jura falso, mas não se abalança ao mais ligeiro incômodo na defesa dum inocente. Seus atos e atitudes são invariavelmente negativos. Tais pecadores acham-se, por isso, mais longe de Deus que os demais, apesar das aparências denunciarem o contrário. (3)


O egoísta encontra muitas dificuldades para levar avante os propósitos da própria melhoria espiritual, uma vez que raramente considera as necessidades e as virtudes do próximo.


O egoísta insula-se de todos pela influência de seus próprios pensamentos. É orgulhoso, é sectário. Separa-se dos demais porque se julga perfeito. Jacta-se intimamente em não alimentar vícios, mas nenhuma virtude, além da abstenção do mal, nele se descobre. É um cristalizado: não suporta as consequências dos desvarios, mas não goza dos prazeres da virtude. Sua conversão é mais difícil que a de qualquer outra espécie de pecadores. A presunção oblitera-lhe o entendimento, ofusca-lhe as ideias. Imaginando-se às portas do céu, dista ainda dele um abismo. Supõe-se um iluminado, e não passa de um cego. (5)


Sendo assim, guardemos este sábio conselho do benfeitor espiritual Emmanuel: “Se te sentes ligado à Esfera Superior por teus atos e diretrizes, palavras e pensamentos, não te encarceres na vaidade de ser bom. Não te esqueças, em circunstância alguma, de que Deus é Pai de todos, e, se te ajudou para estares com ele, é para que estejas com ele, ajudando aos outros.” (11)



 

ANEXO


Citação de Mateus 7.7,8



ORIENTAÇÕES AO MONITOR: Dividir a turma em grupos para leitura, troca de ideias e elaboração de um resumo a respeito dos assuntos desenvolvidos na interpretação do texto evangélico. Pedir-lhes, em seguida, que apresentem as conclusões do resumo, em plenário. Citar exemplos — e solicitar outros aos participantes — que ilustrem as características dos dois filhos citados na parábola.



Referências:

1. CALLIGARIS, Rodolfo. Parábolas evangélicas. 9. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Item: A ovelha, a dracma e o filho pródigo, p. 96.

2. VINÍCIUS (Pedro Camargo). Nas pegadas do mestre. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Item: O pródigo e o egoísta, p. 22-23.

3. Idem, ibidem - p. 23.

4. Idem - Item: Por que será? p. 24.

5. Idem, ibidem - p. 24-25.

6. Idem - Na seara do mestre. 9. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2000. Item: Parábola do filho pródigo, p. 41.

7. Idem, ibidem - p. 41-43.

8. XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 35. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 13 (Ergamo-nos), p. 41.

9. Idem - Capítulo 88 (Caindo em si), p. 229-230.

10. Idem - Palavras de vida eterna. Pelo Espírito Emmanuel. 33. ed. Uberaba: Comunhão Espírita Cristã, 2005. Capítulo 97 (Pai e amigo), p. 211.

11. Idem - Capítulo 98 (Filho e censor), p. 213.

12. Idem - Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 24 (Filhos pródigos), p. 63-64.

13. Idem - Capítulo 157 (O filho egoísta), p. 329-330.


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