O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Cartas de uma morta — Maria João de Deus


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Os desencarnados na guerra

(Sumário)

Tema principal

1. A grande dificuldade dos desencarnados, para se fazerem compreendidos no tocante às modalidades da sua nova existência com todos os seus pormenores, reside justamente na ausência de termos comparativos; faltam-lhes, em se manifestando, nesse sentido, a lei analógica a fim de que se possa assimilar devidamente o que digam. 2 Muitas vezes, para darmos a ideia do que seja a nossa vida, com os detalhes da nossa habitação, é preciso que recorramos às imagens que a terra nos oferece, a tudo quanto o homem, em sua situação temporária, tem guardado na sua retina.


Construções e ambientes de transição que lembram os da Terra


2. Nos Planos adjacentes ao mundo, contudo, a vida espiritual transcorre em um meio ambiente semelhante ao da vida terrena.

2 Suas construções, à base de uma substância para vós desconhecida, têm, mais ou menos, as disposições que aí se observam; todavia, nas menores coisas , há um carácter de transição, obrigando o Espírito a elevar suas aspirações e seus interesses para o Alto.

3 Nos locais em que me encontrava temporariamente, muitos departamentos havia que se preparavam às pressas. Decorações, ornamentos, objetos, tudo ali se achava e se confundia, dando uma ideia perfeita de grandes estabelecimentos hospitalares organizados cuidadosamente.


A chegada, no Além, dos desencarnados na guerra


3. Surpreendida, vim a saber que aqueles preparativos se destinavam aos recém-desencarnados da última grande guerra; n e não foi ainda sem surpresa que vi chegarem os primeiros ocupantes daqueles leitos alvos, que se perdiam nas vastas enfermarias, graciosas e confortáveis, não sabendo explicar por que razão havia necessidade daquele cenário, mundano em demasia, onde nada faltava, nem mesmo os instrumentos de técnica operatória.

2 De instante a instante eis que uma leva de macas chegava, conduzida por almas solícitas e devotadas.

3 Se muitos hospitais de sangue são preparados na Terra, nos infaustos dias de lutas fratricidas, mais ainda são as organizações congéneres nos Planos da Erraticidade. Nem todos, porém, daqueles que desencarnam, abrigam-se em semelhantes lugares, havendo situações especiais, privativas daqueles que a elas fizeram jus.


A carinhosa recepção


4. Admirei a delicadeza com que os seres espiritualizados recebiam os seus irmãos egressos dos combates onde centenas de vidas jovens eram ceifadas impiedosamente. Eram, assim, recolhidos com a maior bondade, como se fossem feridos penetrando nos hospitais comuns da Terra.


O derradeiro apelo da vida material


5. Muitos daqueles, que ali ingressavam, manifestavam o seu pavor à morte, rogando em altos brados que os livrassem de perecer. Solicitavam socorro e auxílio, suplicando, aos que os assistiam, que lhes prolongassem a vida em favor da noiva idolatrada, dos pais carinhosos e queridos, dos seres inesquecíveis que haviam ficado à mercê do abandono e do infortúnio.

2 Era para mim singularmente interessante ouvir-lhes essas rogativas, porquanto desconhecia ainda todo o poder do corpo somático sobre a inteligência recém-desencarnada.


A convalescença dos desencarnados


6. Eram todos tratados com inexcedível carinho e as suas amargas queixas obtinham réplicas afetuosas e animadoras promessas.

2 Alimentação, tratamento, tudo se assemelhava estreitamente ao que se pode verificar na face do orbe, até mesmo certas bagatelas que constituíam motivos de prazer para alguns, como o uso do tabaco ou de beberagens preferidas.

3 Tudo era ali confeccionado por entidades zelosas para que se preparassem convenientemente para a ciência do que de fato ocorria. 4 Paulatinamente recuperavam suas forças perdidas; e os que se mantinham num estado, que podemos classificar como o da convalescença, eram separados dos demais companheiros.


Primeiras noções do Além


7. Recebiam, então, uma vaga noção da verdade, observando fenômenos interessantes, operados por sua vontade sobre as matérias circunstantes, cuja maleabilidade os assombrava.

2 Frequentemente, esclarecidos mestres lhes dirigiam a palavra como apóstolos da paz, em excursão nos departamentos militares.


Que é a vida senão amor?


8. Lembro-me de que, certa vez, quando um elevado mentor espiritual exaltava os benefícios da fraternidade, um dos ouvintes interpelou-o:
— “Não se pode pregar a paz em tempo de guerra!

2 — “Que é a vida, meu filho, senão amor? E poderá haver amor sem paz? — replicou-lhe docemente o apóstolo. 3 — Foi a maldade dos homens que engendrou a guerra, dizimadora dos ideais e das existências. As fúrias da impiedade varrem quase todas as extensões da Terra e os corações se dilaceram ao sopro frio da adversidade!… 4 Poderia Deus, em sua misericórdia, sancionar esses crimes nefandos? Para sua infinita bondade não existem franceses ou alemães; há filhos bem amados da sua sabedoria e do seu amor.”


Os mortos anônimos, o soldado desconhecido


9. Houve, porém, na grande assembleia, que ouvia aquela voz estranha, um surdo clamor de protesto.

“— Serenai o vosso ânimo! — objetou-lhes calmamente. 2 — Em vão levantais o vosso clamor de protesto. Ouvi-me. Tendes vos preparado convenientemente para saber a verdade. Já não podeis integrar as fileiras de combatentes que fornecem mão forte à política nefasta da incompreensão das leis divinas. 3 Para a Terra, em cuja face presumis continuar, sois os mortos anônimos, sois o soldado desconhecido. 4 Aprouve à magnanimidade da Providencia que aqui fôsseis acolhidos suavemente, sem abalos prejudiciais. Vossos corpos estão muito distantes, no regaço da Terra benfazeja, estraçalhados por forças cegas e assassinas!

5 Ingressastes em outra vida. Compete-vos, portanto, esquecer os vossos dias aniquilados pelo ódio execrando!

6 Considerai a lei de amor que deve unir todas as almas como laço eterno e sacrossanto!”


Glorificação do Espírito imortal


10. Então, como se estivesse em ação um misterioso poder, a atmosfera transmutou-se, afigurando-se-me haver se rasgado uma grande nuvem.

2 Uma paisagem maravilhosa desenhou-se na imensidade; muitas mães estendiam seus braços amorosos aos filhos sempre lembrados: muitos seres caros, chorando de emoção e alegria, vinham ao encontro daqueles corações tomados de espanto e de receio.

3 Uma estrada florida desdobrou-se sobre as nossas cabeças e um hino vibrante se ouviu nas vibrações do éter. Era uma glorificação da ventura do Espírito imortal, onde havia sonoridades indescritíveis.

4 “Oh! Senhor do Universo, vós, que criastes todas as coisas , concedestes-lhes a beleza da imortalidade!

5 Sede bendito por todos os séculos dos séculos, pela dor que nos redimiu e nos lavou todas as culpas, pelas lutas onde adquirimos experiência e denodo moral, pelo vosso amor intraduzível que nos legou todas as felicidades imorredouras!

6 Como é grande, Senhor, o júbilo do nosso último dia na Terra, se só em vós buscávamos amparo e consolação, repouso e fortaleza, carinho e proteção!”


A suprema homenagem


11. Todas as vozes então se reuniram num coro inigualável e, naquele dia, presenciando o esclarecimento de algumas almas que, daquela hora em diante, se tornaram em ativas colaboradoras da beneficência sideral, assisti a uma das mais comovedoras homenagens prestadas à bondade do Criador.


Maria João de Deus



Nota — Referências à guerra de 1914.

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Texto extraído da 2ª edição desse livro - 1937. Revista e aumentada pelo autor.
Há uma imagem da 1ª edição - 1935.

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