O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice | Princípio | Continuar

Cartas de uma morta — Maria João de Deus


3


Reencontrando uma afeição do passado

(Sumário)

Tema principal

1. Muitos daqueles, que têm ouvido as explanações diversas quanto à vida dos Espíritos nos Planos da Erraticidade, fazem uma falsa concepção do vocábulo, imaginando que a existência errática nos Espaços se processa por jornadas intermináveis das entidades, sem um objetivo definido, sem uma organização que regule o fenômeno das suas atividades. 2 Essa maneira de encarar a questão não é verdadeira; a vida no Espaço decorre em um ambiente, que, pelas suas características fluídicas, escapa á vossa compreensão, já que, dentro do vosso meio de matéria muito condensada, vos faltam as leis da analogia para que possais estabelecer uma comparação.


E a vida prossegue sempre


2. Na vida do Espaço ainda existe a matéria, porém em condições totalmente diversificadas, em uma sutileza para vós inimaginável e constituindo verdadeira maravilha a sua adaptação à vontade dos Espíritos.

2 Lá também a sociedade se organiza, as suas leis predominam, as famílias se reúnem sob os imperativos das afinidades naturais, luta-se, estuda-se, no amálgama dos sentimentos que caracterizam o homem racional.

3 Em outras modalidades, pois, a vida prossegue e a única diferença é que a alma desencarnada não se vê tão compelida ao cansaço, em razão dos elementos de matéria rarefeita; 4 isso quanto às regiões da Erraticidade, porque, nos outros orbes, a existência segue o seu curso, de acordo com as suas modalidades específicas, submetendo-se o “EU” a essas forças diversificadas, como, por exemplo, sujeitamo-nos, na Terra, às suas leis físico-químicas.


Meus pulmões respiravam e meu coração pulsava


3. Em minha condição de alma pouco adiantada iniciei, pois, a minha vida de após a morte, nesse ambiente do espaço, que descrevi em minhas páginas anteriores. 2 Terminado, que foi, o tempo inolvidável em que divisava a figura sublime daquele mentor espiritual, que viera caridosamente balsamizar as minhas feridas e as daqueles que formavam a grande turba de meus companheiros pela saudade e pelo sofrimento, embora me sentisse relativamente feliz, experimentava-se o meu coração pungido pela angústia da distância, que me separava do mundo que eu deixara. 3 Os laços afetivos, os hábitos, os pequeninos nadas de minha existência estavam comigo inteiramente… 4 Um dos meus primeiros pensamentos foi o de estranheza que me causou, o compreender que havia morrido e conservar ao mesmo tempo o meu corpo, o qual, segundo o bom senso, estaria entregue à Terra. 5 Constatei que os meus pulmões respiravam e que o meu coração pulsava com absoluta normalidade. 6 Tais pensamentos afligiram-me. Contrariava-me o me achar mais ou menos só naquele ambiente, para o qual tinha sido arrebatada sem um preparo prévio. 7 É verdade que eu me via envolvida numa onda de simpatia por parte de quantos se abeiravam de mim; todavia, a minha angustiosa estranheza crescia a ponto de me fazer chorar.


O guia invisível


4. Nesse ínterim, elevei fervorosamente a minha prece a Deus, ouvindo, em resposta, a voz de um ser que me elucidava:

2 — “Maria, minha filha, estás ingressando na existência real!… esquece tudo quanto se relaciona com os teus dias na Terra. Busca atenuar a saudade, que te calcina, porque as portas do teu lar terreno fecharam-se com os teus olhos; 3 por enquanto não me podes ver, porém eu fui aquele que te orientou em meio dos labirintos do planeta que abandonaste; eu era a voz que falava à tua consciência nos instantes difíceis e fui o Cireneu que te amparou nos amargos transes da morte!… Acompanhei os teus passos quando te afastaste das trevas do sepulcro e a minha mão estava unida à tua, quando erravas na obscuridade da incompreensão.

4 Desde o momento bendito, quando entendeste em verdade a tua situação, tenho derramado claridades sobre a tua razão e sobre a tua fé. 5 Fazes bem em te voltares para Deus nas tuas dolorosas conjecturas; os pensamentos da criatura, concentrados n’Ele, em seu poder misericordioso, organizam as faculdades espirituais, concentrando as suas possibilidades para maior potência do raciocínio e do sentimento, atributos sublimes da existência das almas. 6 O teu corpo, cuja organização te infunde a mais profunda estranheza, é o envoltório de matéria quintessenciada, que constitui o invólucro sutilíssimo do Espírito.

7 Impressiona-te o fato de haveres abandonado a tua forma corporal, conservando uma idêntica; é que não foste esclarecida o bastante sobre o problema do organismo espiritual, que, tomando as células vivas no imenso laboratório das forças universais, compila o conjunto de elementos precisos à sua tangibilidade no orbe terráqueo. 8 O teu corpo material constituía somente uma veste, que se estragou na voragem do tempo. Considera essa verdade para que te escudes no necessário desapego das coisas mundanas.”


Os pais da Terra não são os criadores e sim os zeladores


5. — “E meus filhos?” — inquiri mentalmente, comovida, entre prantos.

2 — “Ah! compreendo — murmurou o meu guia invisível — as tuas hesitações e os teus escrúpulos… Louvo a afetividade do teu coração amoroso e sensibilíssimo, porém faz-se mister que tudo encares sensatamente, aceitando com resignação os ditames da vontade divina.

3 Aqueles a quem emprestaste o potencial das tuas energias orgânicas e que representavam, como teus filhos, o grande tesouro de amor do teu coração, são, como somos, as criaturas do Pai de infinita misericórdia. 4 Os pais da Terra não são criadores, são zeladores das almas, que Deus lhes confia no sagrado instituto da família. Os seus deveres são austeríssimos, enquanto é do alvedrio superior a sua permanência na face do globo; mas, aquém das fronteiras da carne, é preciso que considerem os seus filhos como irmãos bem amados. 5 É necessário que se alheiem às suas lutas e às suas dores, porque o trabalho e o sofrimento são leis imperantes no planeta, a prol do seu próprio resgate e redenção psíquica. 6 Nem todos sabem cumprir as suas obrigações paternais e eu te felicito pelo teu constante desejo em bem cumpri-las. Se bem souberes proceder dentro da nossa grande família das almas, ser-te-á permitido velar pela tua pequena família humana, no minúsculo recanto de terra em que viveste.

7 Vence, pois, o teu mal-estar interior como tens triunfado das mais rudes provas morais!…”


Perturbadoras perguntas


6. Escutei enlevada aquela voz dulcíssima, que me embalava com as suas tonalidades maviosas e enxuguei minhas lágrimas, sentindo-me mais bem disposta a afrontar a minha nova situação.

2 Ao meu lado outras almas se conservavam, umas abatidas e silenciosas, outras retirando-se em companhia de Espíritos fraternos. Acudiram-me então ao cérebro, esvaído pelo acúmulo de emoções, as mais perturbadoras perguntas. 3 Eu estaria ali sozinha, em relação aos seres amigos que me haviam precedido no Além? Não poderia reconhecer uma das passadas afeições da Terra? Antes do meu regresso às paragens siderais, não havia voltado a elas quem fora a minha mãe idolatrada?


Minha mãe, a grande consolação


7. Entregue a essas amargas inquirições, vi-me pequenina e senti a sensação das lágrimas maternas orvalhando na infância as minhas faces. 2 Recordava-me dos menores detalhes do lar, quando experimentei sobre os ombros o contato de umas mãos veludosas. Ergui repentinamente o meu olhar e, oh maravilha! vi minha mãe a contemplar-me com a melhor das expressões de ternura e de amor.

3 Ah! senti-me compensada, nesse momento inesquecível, de todos os infortúnios que houvesse sofrido; uma sensação inexprimível de júbilo dominou-me o íntimo ao lembrar-me dos amargores da Terra longínqua! Nesse instante, toda a minha existência estava concentrada naquela afeição reencontrada para a ventura imortal. 4 Meus temores, minhas esperanças, meus afetos, minha longa saudade, tudo estava ali nos meus prantos de intensa alegria; aquela, que representara para mim na Terra o anjo do amor maternal, também se sentia sob o império de grande emoção. Compreendi que os nossos Espíritos há muito tempo se haviam unido na milagrosa teia das vidas sucessivas; caí então nos seus braços amorosos e misturamos os soluços de nossos peitos.
— “Minha mãe — consegui exclamar — poderá haver maior felicidade do que esta?…

5 Senti-me envolvida na onda simpática do seu caridoso olhar, ao mesmo tempo que lhe ouvi a voz repassada de infinita doçura: — “Maria, estás fatigada pelas emoções consecutivas… vem descansar um pouco ao meu lado, aqui, filha, junto ao meu coração!…”

6 Ah! minhas pálpebras cerraram-se então para um sono brando e tranquilo e adormeci como um pássaro minúsculo, que repousasse sob a proteção carinhosa de umas grandes asas…


Maria João de Deus


Texto extraído da 2ª edição desse livro - 1937. Revista e aumentada pelo autor.
Há uma imagem da 1ª edição - 1935.

Abrir