S.L. [Sem local] Em 14 de junho de 1936.
Dentro das atividades da Justiça absoluta que nos rege o destino das criaturas humanas, não somente à individualidade estão afetos os problemas de reparação necessária pelas provas expiatórias. As coletividades, igualmente, são objeto dessas provações redentoras. Daí nascem os quadros dolorosos que a humanidade assiste, por vezes, no seio de determinados povos.
A Espanha atual, arena de luta de elementos inovadores, com as suas profundas antinomias políticas, é bem um exemplo para a minha asserção. É verdade que a península, com esses movimentos revolucionários, representa uma afirmação peremptória de falência do ideal católico-romano para dirigir as atividades dos povos.
Repleta de igrejas, cheia de conventos, povoada de organizações religiosas, a Espanha é a região do planeta onde os dogmas dos bispos romanos encontraram mais guarida e maior amplitude.
Mas as grandes dores que crucificam o coração do povo espanhol têm as suas profundas causas nos crimes da organização inquisitorial, fundada pelo papa Inocêncio IV † e que na pátria de Cervantes, como em nenhuma outra, estendeu-se terrivelmente, amargurando almas, destruindo esperanças, aniquilando vidas e matando corações.
A Espanha de Filipe II, † o infeliz organizador da “armada invencível” que a natureza fez soçobrar nas costas da Inglaterra, tem suas grandes dívidas para com a Justiça incorruptível que legisla do Infinito, acima de todos os partidos exclusivistas das nações do mundo. Aí viveram os maiores Torquemadas † do planeta.
Os Arbués n aí estiveram, sufocando a liberdade e torturando os espíritos. Ações nefastas foram perpetradas na sombra.
Na soledade dos claustros foram levados a efeito movimentos terríveis, ad majorem Dei gloriam. n
Os sons de sinos dos mosteiros abafaram muitos soluços e muitas agonias no silêncio pesado das prisões.
Os instrumentos abomináveis da Inquisição, que os vossos museus hoje conservam como objetos curiosos e dignos de estudos, ali foram inventados e multiplicados de maneira assombrosa.
Todavia, Deus está sempre no leme do barco imenso da vida, conforme a assertiva de um de vossos pensadores, e chegou um momento em que a longa série de abusos clericais teve o seu fim.
Contudo, os profundos deslizes das coletividades foram registrados.
Os gemidos de quantos sucumbiram sob os flagícios dos tribunais de Madrid, de Sevilha, de Granada, ficaram vivos no espaço, reclamando justiça e misericórdia. Todos os quadros tenebrosos desse passado execrável são agora revividos. A comoção revolucionária domina a nação inteira. Frades e monjas são fuzilados em massa.
Levadas pelas depredações do extremismo, as duas falanges antagônicas, objetivando a posse do poder, cometem toda a sorte possível de barbaria. Senhoras virtuosas são assassinadas estupidamente. Jovens e crianças são trucidados pela onda de morticínio e arrasamento.
Os julgamentos sumários dão oportunidade às mais injustas sentenças de morte.
Nas portas das igrejas, penduram-se cadáveres ensanguentados, e nas ruas, às vezes, é necessário o concurso do querosene para consumir os elementos putrefatos de corpos inermes.
Nos desfiladeiros de Madrid, as blasfêmias misturam-se com os prantos das preces sinceras e, diante dessa paisagem de horror, pergunta-se por Deus e por Sua Misericórdia.
Semelhante cena de desolação representa, de fato, uma terrível imagem apocalíptica, assinalando a transformação necessária dos tempos. Todavia, em tudo isso, reina a Justiça, a soberana e incorruptível Justiça.
Deus não é estranho, na Sua infinita Bondade, às desgraças e às expiações que laceram as almas dos homens e dos povos, porém essas amarguras são necessárias para a ablação dos Espíritos, no abençoado batismo do sofrimento e da dor.
Riam os cépticos das grandes verdades, mas a Justiça se processa sem o concurso de nenhum homem. Guardai-vos do mal para que ele não vos atinja. Lembrai-vos da boa e da má semente. ( † )
No mistério insondável da germinação, elas são origem de milhares de frutos.
Felizes todos aqueles que souberam efetuar a necessária escolha.
Emmanuel
[1] Essa mensagem, diferindo nas palavras marcadas, foi publicada originalmente em 2007 pela editora VL e é a 23ª lição do livro “Deus conosco.” — Esse capítulo foi restaurado: Texto restaurado.
[2] N. E.: Pedro de Arbués † (1441-1485) foi um oficial da inquisição espanhola assassinado em 1485, por dois judeus. Fora nomeado inquisidor provincial no reino de Aragão, em 1484, por Torquemada, o grande inquisidor de Castela.
[3] N. E.: Ad majorem Dei gloriam: para maior glória de Deus (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.)