Ao folhear as páginas já amarelecidas do Diário da Tarde, jornal de São José do Rio Preto, na época dirigido pelo ilustre escritor e jornalista Nivaldo Carrazzone, mal sopitávamos a emoção de desdobrar na mente as cenas da tragédia que tanto marcou a comunidade Riopretense.
Muita inquietação, sofrimento e saudade, mas acompanhados por altas demonstrações de solidariedade, respeito e fraternidade que certamente mais assinalaram a dignidade comunitária no contexto das provações coletivas que compõem o livro das tribulações mais agudas da Humanidade. Na tragédia do Rio Turvo, ocorrida no dia 24 de agosto de 1960, Rio Preto mais se engrandeceu ante os olhos de toda a Nação que acompanhou as horas difíceis em que a cidade se fundiu num único e grandioso ser, integralmente dedicado ao socorro dos jovens que mergulharam nas águas do rio, então transformado na porta de passagem para 59 adolescentes alcançarem a vida imperecível…
17 anos incompletos! Aquela tarde era particularmente importante para WILLIAM; passara o dia todo ajudando o pai no Empório, aguardando com entusiasmo a viagem que empreenderia com os colegas da Escola Técnica de Comércio D. Pedro II, no início da noite.
Pouco antes das 19 horas, horário marcado para a saída dos ônibus que conduziriam os jovens da fanfarra do Grêmio Literário da referida escola até Barretos, para participarem das comemorações de seu aniversário de fundação, do portão da casa, os familiares acompanharam William até que dobrasse a esquina, na longa despedida em que os adeuses reuniram pela vez última o dedicado filho e seus pais e irmãos. Logo depois, um dos ônibus, que transportavam os jovens, mergulhou nas águas, provocando a morte de quase todos os seus ocupantes.
Do lamentável acidente ocorrido nas primeiras horas da noite de 24 de agosto de 1960, muito se falou e escreveu. São José do Rio Preto ficou por anos a fio mergulhada em atmosfera de angústia; as horas aflitivas da noite a dentro, em que abnegadas criaturas se desdobravam no içamento do ônibus e socorro das vítimas, como que se prolongaram indefinidamente, na visível amargura dos pais, irmãos e de toda a cidade, enfim, ante a perda dos promissores rapazes.
Contudo, a Misericórdia Divina foi plantando nos corações feridos dos familiares dos 59 jovens, novas flores de esperança e reconforto, reanimando-os para a vida; na íntima convicção de que seus filhos não morreram. Tão bons, na sua gárrula mocidade, apenas alçaram voos maiores, em direção às Paragens Celestiais, cujo ambiente, sem dúvida, enriqueceram ao som dos bumbos, caixas, repiques e cornetas, com o mesmo brilho da participação da famosa fanfarra dos alunos do Grêmio Literário da Escola Técnica de Comércio D. Pedro II, nos dias festivos de Rio Preto.
Para os pais de WILLIAM JOSÉ GUAGLIARDI, o socorro chegou sob a forma de consoladora mensagem mediúnica em que William colocou muita paz sobre a infeliz ocorrência, desdobrando novos ângulos do triste acidente, envolvendo-o, sem dúvida, com a bênção do reconforto e do esclarecimento que os ensinamentos de Jesus encerram.
ALGUMA COISA SOBRE WILLIAM
WILLIAM JOSÉ GUAGLIARDI nasceu em São José do Rio Preto no dia 3 de setembro de 1943, vindo a falecer a 24 de agosto de 1960.
Filho de Benedito Guagliardi e de Walkyria Zaccarias Guagliardi, deixou três irmãos: Marleine Guagliardi Seraphim, Benny Guagliardi e Osmir Guagliardi. Cursava o 2.º ano Técnico de Contabilidade, quando faleceu.
Jovem amoroso, cultivava como os pais, a religião espírita.
DEPOIMENTO
A respeito da mensagem de WILLIAM, recebida por Chico Xavier, dois meses e meio após a morte do jovem, assim se expressou sua mãe, D. Walkyria:
“Graças a Deus a mensagem do William trouxe-nos a mim, a meu marido e aos outros filhos, bastante conforto, pois se não tivesse ido ao Chico, creio que teria ficado louca, pois nada me consolava.” Diz, ainda D. Walkyria, que não conhecia o Chico. Esteve em Uberaba pela vez primeira, quando da psicografia do comunicado.
Alguns outros aspectos surpreendentes do recado que apresentamos a seguir, observaremos posteriormente.
Obtida através de Francisco Cândido Xavier, na noite de 14.11.1960, em Uberaba — Minas.
1 Querida mamãe, pelo seu carinho me abençoe.
2 Estou presente, rogando à senhora me ajude com a sua paciência.
3 Tenho sofrido mais com as lágrimas da senhora do que mesmo com a libertação do corpo… Isso, mamãe, porque a sua dor me prende à recordação de tudo o que sucedeu e quando a senhora começa a perguntar como teria sido o desastre, no silêncio do seu desespero, sinto-me de novo na asfixia.
4 Tenhamos calma e resignação. O que passou foi a lei a cumprir-se. Pode crer que nossas reuniões e preces funcionaram.
5 Quando vi que nós todos afundávamos no rio sem esperança na terra, apareceu em mim a esperança da grande vida e entreguei-me à vontade de Deus, conformado.
6 Notei que companheiros me agarravam como a me pedirem socorro para voltar à tona, no entanto, mamãe, embora não pudesse falar, eu pensava… Pensava que Deus não dá pedras aos filhos que pedem pão, ( † ) que a Providência Divina só faz o bem… 7 Recordei as conversações do papai e o carinho da senhora e fiz, no fundo da alma, a prece derradeira do corpo… 8 Não havia tempo para chorar. Senti-me sufocado, mas pouco a pouco, notei que mãos amigas me davam passes de leve e dormi.
9 Não tenho noção do acidente como desejaria, mas estou informado de que saberei tudo quando estiver mais sereno. 10 Asseguro, porém, que ninguém teve culpa. Nem nosso motorista amigo, nem nosso Genésio. n Mamãe, nada fizeram que pudesse provocar a situação.
11 Foi a dívida do passado que surgiu na máquina em movimento. Mais tarde conversaremos nisso. Ainda tenho a cabeça dolorida e só venho até aqui, trazido pelo senhor Schutel n que me acolheu para rogar à senhora calma e oração.
12 Pelo amor de Deus, mãezinha, não chore mais e nem pense que será melhor morrer para encontrar-nos. 13 Estaremos juntos no serviço da nossa fé. É preciso reconhecer isso. Osmir, Benny e Marleine n ao lado do papai precisam muito de seu carinho na Terra. E não estarei longe.
14 Tudo que a senhora puder fazer para auxiliar os meninos necessitados, faça com amor e devotamento. 15 Ajude, mamãe, a compreensão de todos os nossos amigos em Rio Preto. Se eu puder pedir alguma coisa, rogo para que o nosso motorista seja desculpado. Tenho visto alguns dos meus companheiros e todos os que tenho visto rogam a mesma coisa. 16 Vamos todos orar pedindo a Deus compreensão e coragem. Senhor Schutel, vovó Mariquinha e D. Mariquinha Perche n estão me ajudando, pois ainda estou assim como um doente precisando recuperar-se. 17 Estou bem, somente aflito com sua aflição. 18 Peço à senhora agradecer às nossas bondosas amigas D. Clementina, Carlito e Tia Dulce Zacarias n as orações com que tanto me confortaram.
19 Hoje não posso escrever mais. Senhor Schutel pede para eu encerrar esta carta que ele me auxiliou a escrever.
20 Para a senhora, mamãe, para o querido papai e todos os nossos o coração carinhoso e reconhecido do seu filho que lhe pede paz e confiança em Deus.
William José Guagliardi
ESCLARECIMENTOS
Sobre as notícias psicografadas 80 dias após o falecimento de William José Guagliardi
1 — Houve, na época, críticas ao motorista, Yoshiyuki Hayashi, que sobreviveu ao acidente, e ao organizador da viagem, Genésio Fabrini, Presidente do Grêmio Literário e Esportivo D. Pedro II, entidade que congregava os alunos da Escola Técnica de Comércio Pedro II e à qual se achava vinculada a distinta fanfarra que em dois ônibus viajava naquela noite de 24 de agosto de 1960 para Barretos. Genésio faleceu no acidente.
2 — Schutel — Cairbar Schutel, conceituado espírita, falecido no início do século. Atuou particularmente na região da Araraquarense, tendo fixado residência em Matão, onde fundou a Revista Internacional do Espiritismo.
3 — Irmãos de William.
4 — Vovó Mariquinha e D. Mariquinha Perche — Esta, abnegada senhora que residiu em Matão, conhecida nos meios espíritas. Aquela, avó materna do William, já falecida.
Curioso, como lembraria da avó do William, e de seu apelido afetivo, e como saberia estar ela desencarnada, se nem os pais e irmãos do próprio jovem, Chico conhecia? É a pergunta que se impõe, para melhor compreendermos a clareza e a autenticidade do intercâmbio mediúnico.
5 — D. Clementina Carlito e Tia Dulce Zaccarias — Também nomes desconhecidos do médium, como aliás era a própria família Guagliardi. D. Clementina Carlito era à época uma senhora enferma que D. Walkyria, mãe do William, socorria semanalmente. Dulce Zaccarias, tia materna, era muito ligada ao jovem desencarnado. De fato, ambas as senhoras fizeram muitas preces por William, como se vê na comunicação. Podemos entender por essa passagem simples, mas repleta de revelações, o porquê dos Espíritos enfatizarem o valor da prece, como ponto de ligação entre os dois Planos de Vida.
Finalmente, para que o leitor sinta melhor a autenticidade desta mensagem de William, vamos lembrar que sua mãe, D. Walkyria, não conhecia Chico Xavier e sequer o cumprimentou antes do recebimento das palavras do filho, pois o Centro onde na época atuava o querido médium, estava, como sempre, repleto. Destacamos na carta psicografada a citação de nomes do total desconhecimento do Chico, como vovó Mariquinha, Osmir, Benny (assim mesmo, com dois N e Y!!!), Marleine, D. Clementina Carlito e D. Dulce Zaccarias.
Ao leitor, deixamos as conclusões…
Caio Ramacciotti
[1] Essa mensagem foi publicada também em 1970 pelo IDE e é parte da 23ª lição do
livro “Presença de Chico Xavier.”