O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Voltei — Irmão Jacob


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Esclarecimentos

(Sumário)

1. Acordando do estranho torpor em que me afundara, não conseguiria dizer quanto tempo repousei. Não classificava por sono comum o estado diferente em que permanecera imobilizado. Tratava-se de um repouso desconhecido. 2 Meu corpo espiritual jazia prostrado no leito acolhedor; contudo, achava-me numa atmosfera reveladora e surpreendente. As imagens não vagueavam imprecisas, à feição do que acontece no sono vulgar, em que a pessoa, findo o sonho, é incapaz de qualquer consulta aos registos da memória.

3 Ali, os quadros que se haviam sucedido, claros e firmes, demoravam-se amplamente marcados em minha recordação.

Vi-me em criança, na terra em que nasci e recapitulei a peregrinação do Velho Mundo para a América, com uma riqueza de particularidades que me espantava, como se fossem acontecimentos da véspera.

4 Revi, naquela maravilhosa e inexplicável digressão da mente, afetos preciosos e abracei meus pais, viajando através de lugares desconhecidos…


REANIMADO


2. Ao despertar, reencontrei o Irmão Andrade junto de mim. Creio ter-me-ia ele aplicado recursos fluídicos para que se me revigorassem as energias.

Não me achava refeito de todo; entretanto, que alegre sensação de leveza eu experimentava agora.

2 Senti-me remoçado, otimista, contente.

Marta fez coro nos votos de felicidade com o estimado benfeitor que me prestava assistência.

Em poucos minutos verifiquei, admirado, a necessidade de alimento.

Não experimentava a aflição dos estômagos famintos da Esfera carnal. Sentia, no entanto, determinado enfraquecimento que sabia, de antemão, sanável pela ingestão de algum recurso líquido.

3 Minha filha compreendeu o que se passava porque daí a instantes me trazia pequeno recipiente com certo suco de plantas de minha nova moradia.

Sorvi-o com alguma dificuldade, nele encontrando delicioso sabor.

A anemia cedeu como por encanto.

4 Encontrei bom ânimo para efetuar indagações. Não desconhecia que em me reerguendo para contemplar o lindo dia a resplandecer lá fora outra vida me aguardava, intensa e diferente.

Inevitáveis interrogações martelavam-me o cérebro e julguei oportuno valer-me dos préstimos do Irmão Andrade, de modo a formulá-las sem delonga.

Consultei-o quanto às probabilidades dos esclarecimentos que eu desejava e, de bom grado, colocou-se ao meu dispor para as elucidações precisas.


O REPOUSO ALÉM DA MORTE


3. Contei-lhe que ao descansar não tive a impressão de dormir, qual o fazia no corpo de carne. Permanecera sob curiosa posição psíquica, em que jornadeara longe, contemplando pessoas e paisagens diversas. Supunha, assim, não ter estado num sono propriamente dito.

Escutou-me atenciosamente, explicando-me, em seguida, que o repouso para os desencarnados varia ao infinito.

2 O Espírito demasiadamente ligado aos interesses humanos acusa a necessidade de amplo mergulho na inconsciência quase total depois da morte. A ausência de motivos nobres, nos impulsos da individualidade, estabelece profunda incompreensão na alma liberta das teias fisiológicas, que se porta, ante a grandeza da espiritualidade superior, à maneira do selvagem recém-vindo da floresta perante uma assembleia de inteligências consagradas às realizações artísticas; quase nada entende do que vê e do que ouve, demonstrando a necessidade de compulsório regresso à tribo da qual se desligará vagarosamente para adaptar-se à civilização. 3 Também os criminosos e os viciados de toda sorte, com o Espírito encarcerado nas grades das próprias obras escravizantes, não encontram prazer nas indagações espirituais de natureza elevada, reclamando a imersão nos fluidos pesados e gravitantes da luta expiatória, em que a dor sistemática vai trabalhando a alma, qual buril milagroso aprimorando a pedra. 4 Para as entidades dessa expressão, impõe-se torpor quase absoluto, logo após o sepulcro, em vista da falta provisória de apelos enobrecedores na consciência iniciante ou delinquente. Finda a batalha terrena, entram em período de sono pacífico ou de pesadelo torturado, conforme a posição em que se situam, período esse que varia de acordo com o quadro geral de probabilidades de reerguimento moral ou de mais aflitiva queda que os interessados apresentam. 5 Terminada essa etapa, que podemos nomear de hibernação da consciência, os desencarnados desse tipo são reconduzidos à carne ou recolhidos em educandários nos Círculos inferiores, com aproveitamento de suas possibilidades em serviço nobre, não obstante de ordem primária.

6 Não ocorre o mesmo com o Espírito médio, portador de regular cultura filosófico-religiosa e sem compromissos escuros na experiência material; quanto maior o esforço das almas dessa espécie por atenderem aos desígnios divinos, no campo físico, mais vasta é a lucidez de que se fazem dotadas nas Esferas de além-túmulo.

7 Enquanto a mente das primeiras é requisitada ao fundo abismo das impressões humanas, ao qual se agarram à semelhança de ostras à própria concha, a mente das segundas busca elevar-se, tanto quanto lhes permitem as próprias forças e conhecimentos. O descanso, pois, além da morte, para as criaturas de condição mais elevada, deixa, assim, de ser imersão mental nas zonas obscuras do mundo para ser voo de acesso aos domínios superiores da vida.

8 Finalizando a resposta, o Irmão Andrade asseverou que certas individualidades, não obstante exaustas no supremo instante do transe final, libertam-se da matéria grosseira e colocam-se a caminho de Esferas divinizadas, com absoluta lucidez e sem necessidade de qualquer repouso tonificante, qual o compreendemos, em vista do nível de sublimação espiritual que já atingiram.


RECEBENDO EXPLICAÇÕES


4. Quando comentei a dolorosa surpresa que tivera ante a paisagem escura e perturbada que atravessáramos, o Irmão Andrade ouviu-me sem protestos e afirmou que realmente eram contristadores os reflexos da mentalidade humana em torno da Crosta Planetária, acentuando, todavia, que a verificação não fornecia razões de alarme, de vez que, se um homem respira cercado pelas irradiações dos próprios pensamentos, o mundo, — casa dos homens, — se reveste das emanações mentais da maioria de seus habitantes. 2 A residência do servo operoso revela-lhe as qualidades superiores no trato e aprimoramento do lar, ao passo que o domicílio do trabalhador ocioso anuncia-lhe a ignorância e a preguiça no abandono ou no lixo com que se caracteriza. 3 Vivendo encarnados no Planeta quase dois bilhões de individualidades humanas [em 1948], esclareceu o benfeitor que mais de um bilhão é constituído por Espíritos semicivilizados ou bárbaros e que as pessoas aptas à espiritualidade superior não passam de seiscentos milhões, divididas pelas várias famílias continentais.

4 Torna-se fácil, portanto, avaliar a extensão do serviço regenerativo além do túmulo, considerando-se que homem algum se transforma instantaneamente.

Compreensíveis, desse modo, se tornam as sombras que rodeiam a moradia da mente encarnada e as extensas organizações socorristas em que copioso número de missionários abnegados exercitam o amor e a renúncia, a piedade e a tolerância, entre milhões de Espíritos de baixa condição, à espera dos benefícios da lei reencarnacionista ou em aprendizado de virtudes rudimentares.

5 De relance, entendi a enormidade dos serviços redentores que se operam a distância da matéria carnal e experimentei imenso alívio!

Sim, havia trabalho, trabalho, trabalho…

Meditando, reconhecia que perdera tempo na Terra, mas algum lugar da vida nova me reservaria serviço salvador.

6 Quanto reconforto em semelhante perspectiva! Pedi, logo após, ao amigo que me elucidava, esclarecimentos quanto à volitação.

Se o nosso grupo conseguira manter-se, acima da substância inferior, flutuando na direção do Alto, por que não pudéramos sobrevoar o abismo, sem utilizar a ponte iluminada?

7 Afável, o Irmão Andrade explicou que o feito seria perfeitamente cabível se o grupo estivesse integrado apenas por entidades adestradas na vida espiritual, com as faculdades da volitação plenamente desenvolvidas, acentuando, porém, que a maioria dos recém-desencarnados que nos acompanhavam, longe estavam de ampliar as próprias possibilidades nesse terreno, pela densidade das paixões, embora sublimáveis, de que eram portadores. 8 Em tais condições de desequilíbrio, seriam facilmente atraídos pelas forças temíveis das trevas, como náufragos que desconhecem a arte da natação. Em vista disso, com Bezerra à frente e utilizando as energias de vários companheiros, estabelecera-se determinada média de força volitante para todos os necessitados, que se amparavam aos irmãos mais aptos, fenômeno esse que se assemelha ao da distribuição das energias valiosas, mas limitadas, de um dínamo elétrico.

9 E na vida livre, — concluiu o benfeitor paciente, — o magnetismo pessoal divino, humano ou perverso é uma fonte geratriz das mais importantes, nas expressões do bem ou do mal.


O PROBLEMA DO ESQUECIMENTO


5. Quando o benfeitor terminou, indaguei então acerca do meu próprio estado íntimo. Já que findara minha existência no veículo de carne, por que não reentrar na posse do passado? Por que razão não lembrava o período anterior ao meu retorno à carne? Por que me surpreendia, ante os espetáculos da vida livre, se da vida livre me ausentara, um dia, a fim de reencarnar-me? Não seria a morte simples regresso da alma ao pátrio lar? Em que causas se me enraizaria o esquecimento?

2 O Irmão Andrade ouviu-me sereno e informou que a reencarnação e a desencarnação constituem vigorosos e renovadores choques para o ser e que se, em alguns casos, era possível o reajustamento imediato da memória, quando a criatura já atingiu significativo grau de elevação, na maior parte das vezes a reabsorção das reminiscências se verifica muito vagarosa e gradualmente, evitando-se perturbações destrutivas.

3 Podemos simbolizar a mente numa casa susceptível de povoar-se com valores legítimos ou transitórios, quando não esteja atulhada de inutilidades e viciações. Alimentando-se na Crosta da Terra com muitas ideias e paixões não perduráveis, aproveitadas pelo Espírito apenas por material didático, a não ser em processo expiatório para esvaziar-se do mal ou da ilusão, não lhe é possível o mergulho indiscriminado no pretérito, medida essa que lhe seria ruinosa, mormente na ocasião em que se desenfaixa do corpo denso de carne.

4 Explicou que alguns companheiros usam excitações e processos magnéticos para adquirirem a lembrança avançada no tempo; no entanto, de acordo com a própria experiência, aconselhava submissão aos recursos da Natureza, de modo a retomarmos o pretérito com vagar, sem alterações de consequências deploráveis, até que, um dia, plenamente iluminados, possamos conquistar a memória integral nos Círculos divinos.


Irmão Jacob


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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