Irmão Celestino — Manuel Augusto Fracon Borges
1 Meu querido pai Aristides, estou presente, em companhia de minha avó Rita, n a fim de trazer-lhe o meu abraço, extensivo à mãezinha Ilda e a toda a nossa gente.
2 Compreendo o seu desejo de alguma notícia autêntica de seu filho, que já se habituara, desde muito tempo, à ideia da mortificação.
3 O senhor compreende que a irmã Rita de Cássia n e eu tomamos votos religiosos por vocação, e sou agradecido ao respeito com que me aceitou o pedido de aprovação para que eu me unisse aos irmãos do Mosteiro de São Bento. n
4 Pai, a vida religiosa é uma bênção, mas qual ocorre a toda concessão do Pai Celestial, é uma bênção crivada de espinhos, para que se aprenda paciência e humildade.
5 Confesso-lhe que não me arrependi da escolha feita, porquanto comecei a ver muitos de meus companheiros de infância, atraídos para costumes e comportamentos que os seus exemplos de pai e os sacrifícios da mãezinha Ilda nos faziam crer que nunca poderiam ser nossos.
6 Não fugi do mundo, mas procurei um meio de não me desviar da fé em Deus, internando-me no mundo vasto dos livros, que me premiaram os esforços com a luz de conhecimentos que muito me serviriam na caminhada.
7 Achava-me a poucos passos da condição de monge, n quando certa estafa me impeliu a aceitar a ideia de meus superiores para o descanso de alguns dias na paisagem sossegada de Itanhaém.
8 Viajei, convencido de que voltaria com melhoras, mas, de quando a quando, sentia o coração mais descompassado a prenunciar desequilíbrio.
9 Repousei quanto pude, mas, em certa manhã, depois de minha visita ao mar, voltei para a nossa casa no intuito de estudar e refazer-me com mais segurança.
10 Acontece, porém, que precisei sair novamente, e, de passagem pela praia, quando admirava a criação de Deus nos quadros da Natureza, fixando o pensamento entre o céu, a terra e as águas, algo sucedeu por dentro de mim, dando-me a ideia de que o coração parara de repente, à feição do relógio ao qual faltasse a corda precisa.
11 Caí ali na paisagem solitária e linda, sem receio e sem qualquer ideia definida de que me achava no término do tempo marcado para o corpo.
12 A hora da maré alta me buscou o corpo inerme, e o resto o senhor e a minha mãe já sabem.
13 Acordei no Mosteiro para onde me conduziram o corpo sem vida, e assisti com emoção aos rituais de despedida.
14 Refleti na volta impraticável à nossa casa para que o meu instrumento gasto encontrasse o repouso na terra abençoada em que nascera, mas a direção do Mosteiro me honrava com o acolhimento, ali mesmo em São Paulo, e ainda consegui ver a mãezinha Ilda, que orava e chorava, pedindo para mim o amparo de Deus.
15 Era tudo aquilo um instante de emoção intensa, e minhas lágrimas também se desataram no agradecimento a Nosso Senhor Jesus-Cristo pela concessão que me faziam.
16 No próprio Mosteiro, atravessei longa convalescença, até certificar-me de que o órgão da vida se me restabelecera, e, presentemente, continuo em serviço na própria instituição, com estudos especiais sobre a ação do pensamento religioso nas diretrizes que lhe cabe tomar, ante as imposições naturais da ciência.
17 Não sei a que fim chegaremos dentro das minuciosas análises a que nos dedicamos, no entanto, aguardo o melhor para as obras da fé.
18 Compreendo que me comunico, através de um instrumento mediúnico, mas ainda não tenho conhecimento especializado sobre a mediunidade e o mundo novo.
19 Pesa, sobre nós todos, a densa atmosfera das ameaças de uma guerra entre os povos considerados de vanguarda, e estou compromissado no exame da situação atual, ante a luz de nossos princípios.
20 De qualquer modo, as vantagens do ecumenismo nos abre a vida mental para novas realizações em matéria de fé unificada, com liberdade de interpretação para os diversos movimentos do Cristianismo, e, considerando o alto volume de almas interessadas em renovação íntima, sem perda do sistema de adoração e confiança em Deus, o mínimo passo que consigamos dar em nossos empreendimentos, se reveste de essencial importância para a Cristandade.
21 Mantenho a maior simpatia pela Doutrina Espírita-Cristã, n que pretende restaurar a simplicidade dos companheiros de Jesus, nos primeiros séculos, e desejo o mais amplo êxito a esse movimento de confraternização e boa vontade, mas ainda não estou desvinculado de meus encargos junto ao Mosteiro.
22 A vovó Rita e Superiores diversos, examinaram comigo a conveniência de lhes ofertar notícias minhas, e estas notícias estão aqui, com os meus sentimentos de respeito filial sempre intactos no coração.
23 Pai amigo e benfeitor sempre querido, peça por mim a bênção de minha mãe, e receba o afeto reverente e cada vez mais vivo do seu filho que se fez o Irmão Celestino, n a fim de apagar-se para aprender a servir a Jesus, e que se sente, no intimo, de acordo com as leis de Deus, que nos determinam honrar os nossos pais, e se sente sempre o seu filho do coração,
Irmão Celestino
ontem o seu menino sempre amigo —,
Manuel
Entrevistamos os senhores pais de Irmão Celestino, Sr. Aristides Borges de Araújo, distinto contabilista, ex-funcionário do antigo Banco Hipotecário, na década de 40, guarda-livros da empresa “Lavoura e Comércio”, e de D. Ilda Fracon Borges, em sua residência, na tarde de 20 de outubro de 1985.
Inicialmente, informou-nos o Sr. Aristides que, pessoalmente, não conhecia o médium Chico Xavier, admirando-o muito, mas com a desencarnação do filho, de forma considerada misteriosa, resolveu procurá-lo, deixando com ele, Chico Xavier, apenas o nome do seu Manuel.
Seis meses depois, retorna ao Grupo Espírita da Prece, ainda amargurado por admitir, no íntimo, que Irmão Celestino tivesse sido assassinado (o seu corpo fora encontrado no mar, mas sem água nos pulmões).
Ao aproximar-se do médium de Emmanuel, este lhe disse:
“— O seu filho, Sr. Aristides, é um Espírito muito adiantado. Nós é que precisamos dele. Ele não tem inimigos, nem na Terra, nem na Espiritualidade. O senhor está pensando que ele morreu não de morte natural, mas pode guardar isto: a morte dele se deu por colapso. Não houve nada de anormal. É assim mesmo: os bons vão logo para o Outro Lado. Nós é que ficamos aqui, cumprindo o tempo necessário.”
Naquela noite, 7 de dezembro de 1984, para alegria do Sr. Aristides e de D. Ilda, eis que se comunica o Espírito de Irmão Celestino, revelando-se ele mesmo, com tantas citações que somente ele poderia fazer, particularidades que o médium desconhecia por completo.
“Para mim, — disse-nos D. Ilda — bastou que ele começasse por falar na avó Rita, ele, o amor dos amores, dela.” O jornal Lavoura e Comércio, n de 3 de abril de 1984, assim se expressou, noticiando a desencarnação de Irmão Celestino:
“Faleceu no dia 24 de março recém-findo, em Itanhaém, no Litoral Paulista, o Irmão Celestino, no século Manoel Augusto Fracon Borges, Monge Beneditino, residente no Mosteiro de São Bento.”
Depois de afirmar que nasceu no dia 17 de junho de 1961, fez seus estudos no Colégio Diocesano de Uberaba, e que os seus restos mortais foram sepultados a 2 de abril, no Mosteiro onde vivia, acrescenta:
“Aos 15 anos de idade, levado por irresistível vocação, ingressou na Ordem Beneditina, colocando-se inteiramente a serviço de Deus e de sua Igreja, desde 1976. (…)
Falecido aos 23 anos de idade, deixa, entretanto, uma lição de devotamento à Religião e de catolicismo integral, vivendo exclusivamente para o cumprimento de seus deveres e obrigações como Monge Beneditino, como discípulo de São Benedito que procurava, com vivo empenho, orientar-se de acordo com as diretrizes deixadas pelo grande Santo da Igreja Católica.”
1 — “Minha avó Rita”: Sra. Rita Oliveira dos Santos avó paterna, natural de Patrocínio, Minas, desencarnada, aos 76 anos de idade, em Uberaba, a 5 de julho de 1963. “Havia por parte dela,” — disse-nos Sr. Aristides — “loucura pelo neto.”
2 — “A irmã Rita de Cássia”: Única irmã do comunicante, também religiosa, Irmã Margarida Maria do Sagrado Coração, do Mosteiro das Carmelitas de Uberaba, autora de belíssimo cartão que endereçou ao irmão, pouco tempo antes de sua passagem para o Plano Espiritual.
3 — Mosteiro de São Bento: Ordem dos Beneditinos, em São Paulo, Capital.
4 — “Achava-me a poucos passos da condição de monge…”: Já havia feito os primeiros votos. Faltavam seis meses para completar a tarefa. Cursava Teologia.
5 — “Mantenho a maior simpatia pela Doutrina Espírita-Cristã que pretende restaurar a simplicidade dos companheiros de Jesus, nos primeiros séculos, e desejo o mais amplo êxito a esse movimento de confraternização e boa vontade, mas ainda não estou desvinculado de meus encargos junto ao Mosteiro.”: A este respeito, disse-nos o Sr. Aristides: “Eu, também, admiro o Espiritismo e o Catolicismo, e de ambos retiro o melhor para pôr em prática junto à Humanidade maior.”
Trecho importantíssimo este, tanto quanto os três parágrafos anteriores, de quem, bastante jovem, na Terra, já versava o Inglês, o Francês, o Italiano e o Grego.
Vejamos o que afirma Allan Kardec, num opúsculo que saiu à luz, a 15 de janeiro de 1862 — O Espiritismo em Sua Mais Simples Expressão —: n
“Do ponto de vista religioso o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras, sendo, porém, independente de qualquer culto em particular. Seu objetivo é provar àqueles que negam, ou que duvidam, que a alma existe, que ela sobrevive ao corpo e que sofre, após a morte, as consequências do bem ou do mal que praticar durante a vida corpórea: o objetivo de todas as religiões. (…)
O Espiritismo, independente de qualquer forma de culto, não aconselhando nenhum e não se preocupando com dogmas particulares, não constitui uma religião especial, pois não possui nem sacerdotes nem templos. Aos que lhe perguntam se fazem bem em seguir tal ou tal prática, apenas responde: “Se sua consciência aprova o que você faz, faça-o: Deus sempre considera a intenção”. Numa palavra, o Espiritismo nada impõe a ninguém. Não se destina aos que têm fé, e a quem esta fé é suficiente, mas à numerosa classe dos inseguros e dos incrédulos. Não os afasta da Igreja, porquanto já estão dela moralmente afastados, de modo total ou parcial. Mas os leva a fazer três quartos do caminho para nela entrarem; cabe à Igreja fazer o resto.” ( † )
Na Revista Espírita n de janeiro de 1863, respondendo a um leitor de Bordeaux que interpelava Kardec sobre a parte final do segundo parágrafo que transcrevemos acima, assim se expressa o ínclito Codificador:
“Pelas provas patentes que ele (o Espiritismo) dá da existência da alma e da vida futura, base de todas as religiões, é a negação do materialismo e, consequentemente, se dirige aos que negam ou duvidam. E bem evidente que os que não creem em Deus nem na alma não são católicos, judeus ou protestantes, seja qual for a religião em que nasceram, inclusive o Budismo e o Islamismo. Ora, pela evidência dos fatos, são levados a crer na vida futura com todas as suas consequências morais; a seguir são livres de adotar um culto que melhor lhes convenha à razão ou à consciência. Aí, porém, termina o papel do Espiritismo; ele ajuda a fazer os três quartos do caminho; transpor o passo mais difícil — o da incredulidade. Aos outros cabe fazer o resto.” ( † )
6 — “Do filho que se fez o Irmão Celestino”: O nome adotado na vida religiosa, Manuel retirou-o de um tio paterno — Celestino — ídolo da família, desencarnado, também de colapso, no Rio Paranaíba, em 1936.
Um passo que, a nosso ver, deverá trazer muito conforto aos pais e mães que, de um momento para outro, se veem despojados da presença física de um ou mais filhos jovens, em consequência da desencarnação deles, é o seguinte:
“Pesa, sobre nós todos, a densa atmosfera das ameaças de uma guerra entre os povos considerados de vanguarda, e estou compromissado no exame da situação atual, ante a luz de nossos princípios.”
Pelo que se pode depreender, Irmão Celestino, obedecendo aos desígnios da Vida Superior, se viu convocado a trabalhar com Jesus, na Espiritualidade Maior, e nada há de mais consolador para os seus genitores, que continuam suas tarefas neste mundo.
Ao leitor interessado nas comunicações mediúnicas dos Apóstolos do Cristo; de Santos da Igreja Católica; teólogos; fundadores de religiões e pastores protestantes, nas obras de Allan Kardec e nas recebidas pelo médium Chico Xavier, recomendamos a leitura de Irmã Vera Cruz, n principalmente a Parte II, psicografada pelo médium de Emmanuel.
Elias Barbosa
[8] Lavoura e Comércio, Ano LXXXV, Número 21.756, Uberaba, Terça-feira, 3 de abril de 1984, p. 3.
[9] Allan Kardec, O Espiritismo em Sua Mais Simples Expressão in Iniciação Espírita, Traduções de Joaquim da Silva Sampaio Lobo e Cairbar Schutel, Revisão, apresentação e notas de J. Herculano Pires, Edicel, São Paulo, s/d, pp. 21-22.
[10] Allan Kardec, Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos Sexto Ano— 1863, Trad. de Júlio Abreu Filho, Edicel, São Paulo, 1965, p. 18.
[11] Francisco Cândido Xavier Elias Barbosa, Vera Cruz (Espírito), Irmã Vera Cruz, IDE, Araras, SP, 1ª edição, 1980.