1. — Nos Estados Unidos da América, por volta de 1850, a atenção pública
foi atraída para diversos fenômenos estranhos, que consistiam em ruídos,
pancadas e movimentos de objetos, sem causa conhecida. Muitas vezes
esses fenômenos se produziam espontaneamente, com persistência e intensidade
singulares; mas, também se observou que ocorriam mais particularmente
sob a influência de certas pessoas, que foram designadas pelo nome de
médiuns e que, de algum modo, os podiam provocar à vontade, o
que permitia a repetição das experiências.
Para isso os experimentadores se serviam sobretudo de mesas, não porque esse objeto fosse mais favorável do que outro, mas unicamente porque é móvel, mais cômodo e porque as pessoas se sentam mais fácil e naturalmente à volta de uma mesa do que em torno de qualquer outro móvel. Dessa maneira se obteve a rotação da mesa, depois movimentos em todos os sentidos, saltos, reviramentos, pancadas violentas, etc. A princípio esse fenômeno foi designado sob o nome de mesas girantes ou dança das mesas. n
Até então o fenômeno podia explicar-se perfeitamente por uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação de um fluido desconhecido e esta foi mesmo a primeira opinião que se formou. Não tardou, porém, que se reconhecessem efeitos inteligentes nesses fenômenos. Viu-se que o movimento obedecia a uma vontade; a mesa se dirigia para a direita, para a esquerda, para uma pessoa designada e, sob comando, se erguia sobre um ou dois pés, batia o número pedido de pancadas, marcava compasso, etc. Desde então ficou evidente que a causa não era puramente física e, conforme o axioma segundo o qual, se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente, concluiu-se que a causa daquele fenômeno devia ser uma inteligência.
2. — Qual seria a natureza de tal inteligência? Eis a questão. A primeira
ideia que surgiu foi a de que aquilo podia ser um reflexo da inteligência
do médium ou dos assistentes, mas bem depressa a experiência demonstrou
a sua impossibilidade, porque se obtinham coisas completamente estranhas
ao pensamento e ao conhecimento das pessoas presentes e mesmo em contradição
com suas ideias, sua vontade e seu desejo; a inteligência, pois, não
podia pertencer senão a um ser invisível. O meio de se assegurar do
fato era muito simples: tratava-se de entrar em conversação com esse
ser, o que foi feito por meio de certo número convencional de pancadas
significando sim ou não, ou designando as letras do alfabeto.
Obtiveram-se deste modo resposta às diversas questões formuladas e esse
fenômeno foi designado sob o nome de mesas falantes.
Todos os seres que se comunicaram dessa maneira, quando interrogados sobre a sua natureza, declaravam ser Espíritos e pertencer ao mundo invisível. Como os mesmos efeitos se reproduzissem em grande número de localidades, por intermédio de pessoas diversas, e, além disso, observados por homens muito sérios e muito esclarecidos, não era possível que todos eles fossem vítimas de uma ilusão.
3. — Da América o fenômeno passa para a França e para o resto da Europa,
onde, durante alguns anos, as mesas girantes e falantes
estiveram em moda e se tornaram o divertimento dos salões; depois, quando
se fartaram deles, deixaram-no de lado, em busca de outra distração.
O fenômeno não demorou a apresentar-se sob um novo aspecto, fazendo-o sair do domínio da simples curiosidade. Os limites deste compêndio não nos permitem acompanhá-lo em todas as suas fases, de modo que abordaremos, sem transição, o que ele oferece de mais característico, o que principalmente prendeu a atenção das pessoas sérias.
4. — Para começar, digamos, de passagem, que a realidade do fenômeno
encontrou numerosos contraditores. Uns, sem levarem em conta o desinteresse
e a honradez dos experimentadores, não viram naquilo mais que uma trapaça,
um hábil golpe de mágica. Os que nada admitem fora da matéria, que só
acreditam no mundo visível, que pensam que tudo morre com o corpo, os
materialistas, numa palavra os que se qualificam de espíritos fortes,
lançaram a existência dos Espíritos invisíveis na categoria das fábulas
absurdas, tacharam de loucos os que tomavam a coisa a sério e os carregaram
de sarcasmos e zombarias.
Outros, não podendo negar os fatos, e sob o império de uma determinada ordem de ideias, atribuíram os fenômenos à influência exclusiva do diabo, buscando, por esse meio, amedrontar os tímidos. Hoje o medo do diabo perdeu singularmente o seu prestígio; tanto se falou dele, pintaram-no de tantas maneiras, que todo mundo se familiarizou com essa ideia e muitos julgaram que deviam aproveitar a ocasião para verificarem o que o diabo era realmente. Daí resultou que, salvo um reduzido número de mulheres timoratas, a notícia da chegada do verdadeiro diabo tinha algo de atraente para os que só o tinham visto em pintura ou no teatro; para muita gente tal notícia foi um forte estimulante, de sorte que aqueles que tentaram, por esse meio, opor barreira às ideias novas, trabalharam contra o seu objetivo e, sem o quererem, se tornaram os seus agentes propagandistas, e tanto mais eficazes quanto mais fortes gritaram.
Os outros críticos não lograram maior sucesso, porquanto, aos fatos constatados, aos raciocínios categóricos, não puderam opor senão denegações. Lede o que publicaram e em toda parte encontrareis a prova da ignorância e da falta de observação séria dos fatos, e em parte alguma uma demonstração peremptória de sua impossibilidade. Toda a argumentação de que se serviram resume-se nisto: “Não creio; logo, não é verdade. Todos os que creem são loucos; só nós temos o privilégio da razão e do bom senso”. É incalculável o número dos adeptos feitos pela crítica séria ou galhofeira, porque em toda parte não se encontram senão opiniões pessoais, vazias de provas contrárias. Mas, prossigamos a nossa exposição.
5. — As comunicações por meio de pancadas eram lentas e incompletas.
Reconheceu-se que, adaptando um lápis a um objeto móvel: cesta, prancheta,
ou outro, sobre o qual se colocassem os dedos, esse objeto se punha
em movimento e traçava caracteres. Mais tarde reconheceu-se que tais
objetos não passavam de acessórios, perfeitamente dispensáveis. A experiência
demonstrou que o Espírito, agindo sobre um corpo inerte para o dirigir
à vontade, podia do mesmo modo atuar sobre o braço ou a mão para conduzir
o lápis. Surgiram, então, os médiuns escreventes, isto é, pessoas
que escreviam, involuntariamente, sob a impulsão dos Espíritos, aos
quais serviam assim de instrumentos e intérpretes. Desde então, as comunicações
não tiveram mais limites e a permuta de pensamentos pôde efetuar-se
com tanto mais rapidez e desenvolvimento quanto entre os vivos. Era
um vasto campo aberto à exploração, a descoberta de um mundo novo: o
mundo dos invisíveis, assim como o microscópio descobrira o mundo dos
infinitamente pequenos.
6. — Que são esses Espíritos? Que papel representam no Universo? Com
que objetivo se apresentam aos mortais? Tais as primeiras questões que
se tratou de resolver. Logo se ficou sabendo, por eles mesmos, que não
são seres à parte na criação, mas as próprias almas dos que viveram
na Terra ou em outros mundos; que essas almas, depois de se terem despojado
de seu invólucro corporal, povoam e percorrem o espaço. Já não se pode
duvidar disso, quando muitos reconhecem parentes e amigos entre essas
almas e com elas puderam conversar; quando aqueles que vêm dar a prova
de sua existência, demonstram que apenas seus corpos morreram, mas que
sua alma ou Espírito vive sempre, que estão perto de nós, vendo-nos
e observando-nos como quando vivos, cercando de cuidados aqueles a quem
amaram, cuja lembrança é, para eles, doce satisfação.
Geralmente se faz dos Espíritos uma ideia completamente falsa. Eles não são, como muitos imaginam, seres abstratos, vagos e indefinidos, nem alguma coisa semelhante a um clarão, a uma centelha. São, ao contrário, seres reais, tendo a sua individualidade e uma forma determinada. Deles se pode fazer uma ideia aproximativa pela explicação seguinte:
7. — Há no homem três coisas essenciais: 1º) a alma ou Espírito,
princípio inteligente no qual residem o pensamento, a vontade e o senso
moral; 2º) o corpo, envoltório material, pesado e grosseiro,
que põe o Espírito em relação com o mundo exterior; 3º) o perispírito,
envoltório fluídico, extremamente sutil, servindo de laço e intermediário
entre o Espírito e o corpo. O invólucro exterior está gasto e já não
pode funcionar, tomba e o Espírito se desprende dele, como o fruto e
a árvore se despojam de suas cascas; numa palavra, como deixamos uma
velha roupa imprestável. É o que se chama a morte.
8. — A morte, portanto, não passa da destruição do invólucro grosseiro
do Espírito. Só o corpo morre, o Espírito não. Durante a vida o Espírito
se acha, de certo modo, comprimido pelos laços da matéria a que está
unido e que muitas vezes lhe paralisa as faculdades. A morte do corpo
o liberta desses laços. O Espírito se desprende deles e recobra a liberdade,
como a borboleta ao sair da crisálida; mas só deixa o corpo material,
conservando o perispírito, que constitui para ele uma espécie de corpo
etéreo, vaporoso, imponderável para nós e de forma humana, que parece
ser a forma padrão. Em seu estado normal, o perispírito é invisível,
mas o Espírito pode fazê-lo sofrer certas modificações que o tornem
momentaneamente acessível à vista e mesmo ao tato do homem, como sucede
com o vapor condensado. É assim que algumas vezes se nos podem mostrar
nas aparições. É por meio do perispírito que o Espírito atua sobre a
matéria inerte e produz os diversos fenômenos de ruído, de movimentos,
de escrita, etc.
9. — Para os Espíritos, as pancadas e os movimentos são meios de que
se servem para atestarem a sua presença e chamarem sobre si a atenção,
absolutamente como faz uma pessoa que bate para advertir que alguém
está ali. Há as que não se limitam a ruídos moderados, indo ao extremo
de produzirem barulho semelhante ao da louça que se quebra, ao de portas
que se abrem e se fecham ou ao de móveis que se derrubam.
Mediante pancadas e movimentos convencionais, puderam exprimir seus pensamentos, mas a escrita lhes oferece o meio mais completo, mais rápido e mais cômodo, razão por que o preferem. Assim como podem formar caracteres, podem guiar a mão para que trace desenhos, escrever música, executar um trecho musical num instrumento. Em síntese, na falta de seu próprio corpo, que já não possuem, servem-se do médium para se manifestarem aos homens, de maneira sensível.
Os Espíritos podem ainda manifestar-se de várias maneiras, entre outras pela visão e pela audição. Certas pessoas, chamadas médiuns audientes, têm a faculdade de ouvi-los, podendo assim conversar com eles; outros os veem: são os médiuns videntes. Os Espíritos que se manifestam à visão em geral se apresentam sob forma análoga à que tinham em vida, porém vaporosa; doutras vezes essa forma assume todas as aparências de um ser vivo, a ponto de causar ilusão tão completa que por vezes são tomados por indivíduos de carne e osso, com os quais se pode conversar e trocar apertos de mãos, sem que se suspeite tratar-se de Espíritos, até que estes subitamente desapareçam.
A visão permanente e geral dos Espíritos é muito rara, mas as aparições individuais são bastante frequentes, sobretudo no momento da morte; é como se o Espírito recém-desprendido se apressasse em tornar a ver seus parentes e amigos, como que para os avisar de que acaba de deixar a Terra e dizer-lhes que continua a viver. Aquele que recolher suas lembranças verá quantos fatos autênticos deste gênero, dos quais não se dava conta, ocorrem consigo não só à noite durante o sono, mas em pleno dia, no mais completo estado de vigília. Outrora esses fatos eram encarados como sobrenaturais e maravilhosos e eram atribuídos à magia e à feitiçaria; hoje, os incrédulos os lançam à conta da imaginação. Mas, desde que a ciência espírita lhes deu a explicação, sabe-se como se produzem e que não escapam da ordem dos fenômenos naturais.
10. — Ainda há os que acreditam que os Espíritos, pelo simples fato
de serem Espíritos, devem possuir a soberana ciência e a suprema sabedoria.
É um erro que a experiência não tardou em demonstrar. Entre as comunicações
dadas pelos Espíritos, algumas são sublimes pela profundeza, pela eloquência,
pela sabedoria, pela moral e que só exalam bondade e benevolência; mas,
ao lado dessas, outras há muito vulgares, levianas, triviais, mesmo
grosseiras, pelas quais o Espírito revela os mais perversos instintos.
É, pois, evidente que não podem emanar da mesma fonte e que, se há bons
Espíritos, também há os maus. Não sendo os Espíritos senão as almas
dos homens, naturalmente não podem tornar-se perfeitos tão só porque
deixaram seus corpos. Enquanto não hajam progredido, conservam as imperfeições
da vida corporal, razão por que se nos apresentam em todos os graus
de bondade e de maldade, de saber e de ignorância.
Geralmente os Espíritos sentem prazer em se comunicarem conosco. Para eles é uma satisfação constatarem que não foram esquecidos; descrevem de bom grado suas impressões ao deixarem a Terra, sua nova situação, a natureza de suas alegrias e sofrimentos no mundo em que se encontram: uns são muito felizes, outros desgraçados, alguns sofrem mesmo tormentos horríveis, segundo a maneira como viveram e o emprego bom ou mau, útil ou inútil que fizeram da vida. Observando-os em todas as fases de sua nova existência, conforme a posição que ocuparam na Terra, o gênero de morte, seus caracteres e hábitos como homens, chega-se a um conhecimento, se não completo, pelo menos muito preciso do mundo invisível, para nos darmos conta do nosso estado futuro e pressentirmos a sorte feliz ou desgraçada que nos espera.
11. — As instruções dadas pelos Espíritos de ordem elevada sobre todos
os assuntos que interessam à Humanidade, as respostas que deram às questões
que lhes foram propostas, recolhidas e coordenadas cuidadosamente, constituem
toda uma ciência, toda uma doutrina moral e filosófica, sob o nome de
Espiritismo. O Espiritismo é, pois, a doutrina fundada na existência,
nas manifestações e nos ensinos dos Espíritos. Essa doutrina se
acha exposta de modo completo em O Livro dos Espíritos, quanto
à parte filosófica, e em O Livro dos Médiuns, quanto à parte
prática e experimental. Pela análise que a seguir faremos dessas obras,
pode-se julgar a variedade, a extensão e a importância das matérias
que elas encerram.
Já vimos que o Espiritismo teve o seu ponto de partida no fenômeno vulgar das mesas girantes. Como, porém, esses fatos falam mais aos olhos do que à inteligência e despertam mais a curiosidade do que o sentimento, uma vez satisfeita aquela, o interesse por eles diminuiu, tanto mais que não eram compreendidos. Outra foi a reação quando a teoria lhes veio explicar a causa, sobretudo quando perceberam que das mesas girantes, com as quais durante algum tempo se divertiram, surgia toda uma doutrina moral que fala à alma, dissipando as angústias da dúvida, satisfazendo a todas as aspirações deixadas na incerteza por um ensinamento incompleto acerca do futuro da Humanidade, as pessoas sérias acolheram a nova doutrina como um beneficio e, desde então, longe de declinar, ela cresceu com incrível rapidez. No espaço de três ou quatro anos, congregou, em todos os países do mundo, sobretudo no seio das classes esclarecidas, inúmeros partidários, que aumentam diariamente numa proporção extraordinária, de tal sorte que hoje se pode dizer que o Espiritismo conquistou direito de cidadania. Está assentado em bases que desafiam os esforços dos seus adversários, mais ou menos interessados em combatê-lo; e a prova disso é que os ataques e críticas não têm retardado a sua marcha um só instante: isto é um fato atestado pela experiência e para o qual os antagonistas jamais puderam encontrar explicação. Os espíritas dizem simplesmente que, se ele se propaga, a despeito da crítica, é que o acham bom e preferem o seu raciocínio ao dos seus contraditores.
12. — Todavia, o Espiritismo não é uma descoberta moderna. Os fatos
e os princípios sobre os quais ele repousa se perdem na noite dos tempos,
pois que deles se encontram traços nas crenças de todos os povos, em
todas as religiões, na maioria dos escritores sagrados e profanos; apenas
os fatos, incompletamente observados, muitas vezes foram interpretados
de acordo com as ideias supersticiosas da ignorância e ninguém havia
deduzido todas as suas consequências.
Com efeito, o Espiritismo se funda na existência dos Espíritos; mas, não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, desde que há homens há Espíritos. O Espiritismo nem os descobriu, nem os inventou. Se as almas ou Espíritos podem manifestar-se aos vivos é que isso está na Natureza e, assim, desde todos os tempos eles o puderam fazer. É por isso que em todos os tempos e por toda parte se encontra a prova dessas manifestações, abundantes, sobretudo nas narrações bíblicas. O que é moderno é a explicação lógica dos fatos, o conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, o seu papel e o seu modo de ação, a revelação do nosso estado futuro; enfim, sua constituição em corpo de ciência e de doutrina, com as suas diversas aplicações. Os Antigos conheciam os princípios, os Modernos conhecem os detalhes. Na Antiguidade, o estudo desses fenômenos era privilégio de certas castas, que só os revelavam aos iniciados em seus mistérios. Na Idade Média, os que com eles se ocupavam ostensivamente eram tidos por feiticeiros e queimados; mas, hoje, não há mistérios para ninguém e já não se queimam as pessoas. Tudo se passa em plena luz e todos podem esclarecer-se e praticar, uma vez que há médiuns por toda parte.
A própria Doutrina que os Espíritos hoje ensinam nada tem de novo. Encontramo-la fragmentada na maioria dos filósofos da Índia, do Egito e da Grécia, e toda inteira nós ensinos do Cristo.
13. — Que vem fazer então o Espiritismo? Vem confirmar, mediante novos
testemunhos, demonstrar, por fatos, verdades desconhecidas ou mal compreendidas,
restabelecer o verdadeiro sentido das que foram mal interpretadas.
É verdade que o Espiritismo nada ensina de novo. Mas, não será alguma coisa o provar ele de maneira patente, irrecusável, a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo, sua individualidade após a morte, sua imortalidade, as penas e recompensas futuras? Quanta gente acredita nessas coisas, mas com um vago sentimento de incerteza, dizendo no seu foro íntimo: “Se, contudo, não fosse assim?” Quantos têm sido levados à incredulidade por lhes haverem apresentado o futuro sob um aspecto que sua razão não podia admitir? De nada valerá ao crente vacilante poder dizer a si mesmo: “Agora tenho certeza?” e o cego afirmar: “Agora vejo a luz?” Pelos fatos e pela sua lógica, o Espiritismo vem dissipar a ansiedade da dúvida e reconduzir à fé os que dela se afastaram. Revelando-nos a existência do mundo invisível que nos cerca e em meio do qual vivemos sem o suspeitarmos, ele nos dá a conhecer, pelo exemplo dos que viveram, as condições da nossa felicidade ou da nossa desgraça futuras; explica a causa de nossos sofrimentos na Terra e a maneira de os suavizarmos. Sua propagação terá por efeito inevitável a destruição das doutrinas materialistas, que não podem resistir à evidência. O homem, convencido da grandeza e da importância de sua existência futura, que é eterna, a compara com a incerteza da vida terrena, que é tão curta, e se eleva pelo pensamento acima das mesquinhas considerações humanas. Conhecendo a causa e o objetivo de suas misérias, suporta-as com paciência e resignação, porque sabe que são o meio de chegar a um estado melhor. O exemplo dos que vêm do além-túmulo descrever suas alegrias ou suas dores, provando a realidade da vida futura, prova, ao mesmo tempo, que a justiça de Deus não deixa vício algum sem punição e nenhuma virtude sem recompensa.
14. — Acrescentemos, enfim, que as comunicações com os entes queridos
que perdemos proporcionam doce consolação, provando não só que eles
existem, como ainda que deles estamos menos separados do que se estivessem
vivos e num país estranho.
Em resumo, o Espiritismo suaviza o amargor das aflições da vida; acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os terrores do futuro, detém o pensamento de abreviar a vida pelo suicídio. Por isso mesmo, torna felizes os que dele se compenetram e esse é o grande segredo de sua rápida propagação.
15. — Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades
fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as
penas e as recompensas futuras, independentes de qualquer culto particular.
Seu objetivo é provar, aos que negam ou duvidam, que a alma existe,
que sobrevive ao corpo e experimenta após a morte as consequências do
bem ou do mal que tenha feito durante a vida corporal. Ora, isto é de
todas as religiões. Como crença nos Espíritos, ele é igualmente de todas
as religiões, assim como é de todos os povos, visto que, onde quer que
haja homens, há almas ou Espíritos; que as manifestações são de todos
os tempos, achando-se seus relatos em todas as religiões, sem exceção.
Pode-se, portanto, ser católico, grego ou romano, protestante, judeu
ou muçulmano, e crer nas manifestações dos Espíritos; por conseguinte,
ser espírita. A prova disto é que o Espiritismo tem aderentes em todas
as seitas. Como moral, é essencialmente cristão, porquanto a que ele
ensina não é senão o desenvolvimento e a aplicação da do Cristo, a mais
pura de todas, cuja superioridade não é contestada por ninguém, prova
evidente de que ela é a lei de Deus. Ora, a moral é para uso de todo
o mundo.
Independendo de qualquer forma de culto, não prescrevendo nenhum e não se ocupando com os dogmas particulares, o Espiritismo não é uma religião especial, visto que não tem sacerdotes, nem templos. Aos que lhe perguntam se fazem bem em seguir tal ou qual prática, responde: “Se credes que vossa consciência o exija, fazei-o; Deus leva sempre em conta a intenção. Numa palavra, ele não se impõe a ninguém; não se dirige aos que têm fé e a quem esta fé basta, mas à numerosa categoria dos indecisos e dos incrédulos; estes, ele não os arrebata à Igreja, visto que, no todo ou em parte, dela já se separaram moralmente; apenas os leva a percorrer três quartos do caminho, para nela entrarem, cabendo a ela fazer o resto” n
16. — É verdade que o Espiritismo combate certas crenças, tais como
a eternidade das penas, o fogo material do inferno, a personalidade
do diabo, etc. Mas também é certo que essas crenças, impostas como absolutas,
só têm gerado incrédulos, em todos os tempos e ainda hoje. Ao dar a
esses dogmas e alguns outros uma interpretação racional, o Espiritismo
reconduz à fé os que dela se afastaram, prestando, desse modo, um serviço
à religião. É por isso que um venerável eclesiástico dizia a este respeito:
“O Espiritismo faz crer em alguma coisa; ora, mais vale crer em alguma
coisa do que não crer absolutamente em nada”.
17. — Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, não se pode
negar os Espíritos sem negar a alma. Admitidas as almas ou Espíritos,
a questão, reduzida à sua expressão mais simples, é esta: “As almas
dos que morreram podem comunicar-se com os vivos?” O Espiritismo responde
pela afirmativa e o prova por fatos materiais. Que prova se poderá dar
de que isso não é possível? Se é, todas as negações do mundo não impedirão
que assim seja, desde que não se trata nem de um sistema, nem de uma
teoria, mas de uma lei da Natureza. Ora, contra as leis da Natureza
a vontade do homem é impotente. Querendo ou não, não há como deixar
de aceitar as suas consequências e a elas conformar as nossas crenças
e hábitos.
[1]
[Vide O
Livro dos Médiuns.]
[2] N. do T.: A respeito desta passagem, Allan Kardec torna mais claro ainda o seu pensamento neste trecho: “O Espiritismo não se dirige aos que têm uma fé qualquer e a quem esta fé basta, mas aos que não a têm ou que duvidam, e lhes dá a crença que lhes falta, não mais particularmente a do Catolicismo, do Protestantismo, do Judaísmo ou do Islamismo, mas a crença fundamental, base indispensável de toda religião. Aí termina o seu papel. Estabelecida esta base, cada um é livre para seguir a rota que melhor satisfaça à sua razão.” (Vide o trecho final da nota de rodapé nº 3 da Revista Espírita de setembro de 1867. No livro impresso pela FEB nota de rodapé nº 18, à pág. 120 do livro.)