Na noite de 26 de abril de 1956, foi trazido à comunicação o Espírito de Raimundo Teixeira, n que sofreu aflitiva prova na alienação mental.
Os apontamentos do visitante, que foram alinhados sob a legenda “loucura e resgate”, valem igualmente a nosso ver, por precioso estudo no tema “reencarnação e justiça”.
1 Conduzido ao recinto por devotados Instrutores Espirituais, recomendam eles algo vos diga de minhas provas.
2 Entretanto, minhas dificuldades são quase insuperáveis para relacionar com a palavra os tremendos episódios de minha terrível experiência.
3 Sou uma alma pobre que ainda convalesce de aflitiva loucura no campo físico.
4 Não creio que o verbo articulado possa exprimir com segurança tudo aquilo que expresse meus estados emocionais.
5 Ainda assim, posso garantir-vos que tenho atravessado inimagináveis suplícios.
6 Por mais de vinte anos, fui vítima de flagelações e tormentos que culminaram em transes de pavoroso desespero, não pelas dores de origem material que me dilaceravam o corpo, mas sim porque, na condição de alienado mental, guardava, no fundo de meu ser, a consciência de todos os meus atos, embora não pudesse governar meus infelizes impulsos.
7 Perambulei no mundo à maneira de alguém que se visse sob o guante invencível de Inteligências perversas, como pode acontecer a um homem irremediavelmente prisioneiro de malfeitores, em sua própria moradia.
8 Por mais orasse, por mais anelasse o bem e por mais quisesse comandar a própria existência, os terríveis carcereiros das minhas atividades mentais compeliam-me a atitudes deploráveis que, de início, me angariaram o desafeto dos familiares mais queridos ao coração.
9 Era constrangido a práticas ignominiosas, impelido a pronunciar palavras que me afastavam toda e qualquer simpatia e a perpetrar atos que provocavam, em torno de mim, repugnância e temor.
10 E, por essa razão, relegado à atmosfera deprimente dos loucos, nela padeci não apenas os mais dolorosos processos de tratamento médico, como sejam, a insulinoterapia, a malarioterapia e o eletrochoque, mas também os bofetões de enfermeiros desapiedados e o poste de martírio, a camisa de força e a solidão.
11 Isso tudo sofri com a tácita aprovação de minha consciência, pois no íntimo me reconhecia culpado.
12 Colocava-me na situação de quantos me assistiam caridosamente e concluía que, na posição deles, infligiria a mim mesmo os mais duros castigos, de vez que os ocupantes de meu campo mental me impeliam à delinquência e ao desrespeito, ao insulto e à viciação.
13 Chorei tanto, que acredito haverem as lágrimas aniquilado os meus olhos encadeados a medonhas alucinações.
14 Amarguei tanto a vida que o sofrimento por fim me venceu diante das testemunhas implacáveis de minha dor — testemunhas que me acusavam sem que ninguém as ouvisse, que me espancavam sem que ninguém lhes presenciasse os assaltos, que me acompanhavam dia e noite sem que ninguém lhes pressentisse a presença.
15 E tamanho foi o meu infortúnio que, em me libertando do cárcere da prova, desarvorado e desiludido, pedi à Providência Divina, através de mil modos, que uma explicação me aliviasse o torturado raciocínio, porquanto, ainda mesmo fora do corpo carnal, a malta de perseguidores continuava assacando contra mim gritos soezes, tentando escravizar-me de novo a mente desditosa…
16 Foi, então, que, ao socorro de Instrutores Amigos, me vi em surpreendente retorno à condição em que me achava antes da internação na carne para a terrível provação da loucura…
17 Identifiquei-me em pleno Espaço, desolado e errante, cercado por centenas de verdugos que me buscavam o Espírito, impondo-me à visão tremendos quadros — quadros esses que, pouco a pouco, me reconduziram ao posto que eu deixara anteriormente, através da morte…
18 Sim, eu havia sido um juiz que abusara da dignidade do meu cargo.
19 Vi-me envergando a toga do magistrado, que me competia preservar impoluta, desfrutando invejável eminência social na Terra, mas enceguecido pelos interesses do grupo político a que me filiara, com desvairada paixão.
20 Torcia o direito para quase todos aqueles que me buscavam, tangidos pelas circunstâncias, conspurcando o tribunal que me respeitava, transformando-o em ominoso instrumento de crime e revolta, perversidade e miséria, desânimo e desespero, porque as minhas sentenças forjavam todos esses males.
Mas não consegui ludibriar a verdadeira justiça.
21 Deixando o veículo físico, as minhas vítimas se converteram em meus juízes e todas aquelas que me não podiam perdoar seguiram-me os passos na Esfera espiritual, tecendo-me a cadeia de tormentos inomináveis, a explodirem no pavoroso desequilíbrio com que ressurgi entre as criaturas humanas, na existência última.
22 Atravessei uma infância atormentada…
Para os médicos, eu não passava de pobre exemplar da esquizofrenia.
23 Alcancei a juventude tumultuária e triste dos que não possuem qualquer estabilidade de raciocínio para a fixação dos bons propósitos, e, tão logo atingi a maioridade, meus implacáveis acusadores senhorearam-me a estrada, conturbando-me a vida, e, desse modo, como alienado mental fui submetido ao julgamento de todos eles, experimentando, por mais de quatro lustros, flagelações e torturas que não posso desejar aos próprios Espíritos satanizados nas trevas.
24 Sou, assim, um doente desventurado procurando restaurar a si mesmo, depois de terrível inferno no coração.
Não acredito que a minha palavra possa trazer qualquer apontamento que induza ao consolo.
25 Entretanto, o juiz louco que fui, o juiz que impôs a si próprio horrenda enfermidade da alma, pode oferecer alguma advertência aos que manobram com a autoridade no mundo e a todos os que ainda podem recuar nas deliberações infelizes!…
26 Diante de mim vibra o Tempo, o grande julgador…
27 Possa a Divina Compaixão conceder-me com esse juiz silencioso, cujas palavras para nós são as horas e os dias do mundo terrestre, a oportunidade de ressarcir minhas faltas, porque, por enquanto, o juiz que dementou a si mesmo apenas ingressou na fase inicial do reajuste, da qual se transferirá para o campo expiatório, onde, face a face com as suas antigas vítimas, será obrigado a solver seus clamorosos débitos, ceitil por ceitil. ( † )
Deus seja louvado!…
Raimundo Teixeira