1 Finados. Noite. Em lúgubres acentos,
Passa ululando horrenda ventania,
Cantochão estendendo a névoa fria
Na cidade dos vermes famulentos.
2 Avançam larvas com medonha fúria,
Insensíveis ao fausto das legendas,
Congestionando o chão aberto em fendas,
No pungente festim da carne espúria.
3 Dormem anjos de pedra sobre as lousas…
Dos mausoléus ao solo miserando,
Choram rosas e goivos, irmanando
A poeira da carne e o pó das cousas.
4 De aprimorados nichos e capelas
Que definem o brio dos coveiros,
Envolvendo ciprestes e salgueiros,
Sai o cheiro de morte que há nas velas.
5 O doloroso pio das corujas,
Como sinal soturno em fim de festa,
Da glória humana é tudo quanto resta
Nos mármores que guardam cinzas sujas.
6 Ao nosso olhar, no quadro em desconforto,
Estranhos círios luzem comovidos:
São as preces vazadas nos gemidos
De quem sofre no mundo amargo e morto.
7 São as flores do pranto agro e sem nome
Que a saudade verteu, desfalecida,
Atrelada à esperança de outra vida
Para a vida de angústia que a consome.
8 Aqui, apelos desconsoladores
Lembram noivas e mães infortunadas…
Mais além, petições desesperadas
Trazem consigo o fel das grandes dores.
9 Desce, porém, do Espaço almo e profundo
A luminosa e bela romaria
Dos mortos que renascem na alegria
Em socorro dos mortos deste mundo.
10 Chamas divinas da Divina Chama,
Entrelaçam-se em torno à Terra obscura,
Despertando os que jazem na amargura
Dos sepulcros carnais de treva e lama.
11 Trazem cantando o lábaro fremente
Do amor universal que tudo aquece,
Clamando para a dor da humana espécie:
— Somos filhos de Deus eternamente.
12 Finados!… Grita a morte estranha e crua
Na química fatal do transformismo.
Mas, transposto o cairel do grande abismo,
Eis que a Vida Infinita continua…
Augusto dos Anjos
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