Na noite de 8 de setembro de 1955, recolhemos a mensagem de P. Brandão, n um amigo desencarnado que fora anteriormente socorrido por nossos Benfeitores em nosso templo de reconforto espiritual.
No início de nossas tarefas, na noite mencionada, havíamos lido por tema de meditação a palavra do Divino Mestre, em que nos recomenda: — “Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás a caminho com ele.” ( † ) E o comunicante amigo reportou-se à citação evangélica a fim de trazer-nos a sua experiência, repleta de material para nossos estudos em torno do ser e do destino.
1 Meus amigos.
O texto que nos serviu de meditação nesta noite foi aquele das palavras de nosso Divino Mestre: — “Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás a caminho com ele.” ( † )
2 Certamente por isso determinam nossos orientadores algo vos fale de minha agoniada experiência.
3 Há dois anos, precisamente, tomei contato convosco. Nessa época, não passava de um infeliz psicopata, fora do corpo físico.
4 Triste duende da aflição na noite da angústia, carregava comigo todos os remanescentes da queda moral a que me despenhara.
5 Com o auxílio da palavra edificante e da oração fervorosa, senti que o Evangelho do Cristo me transformava…
6 Clareou-se-me a vida íntima e, amparado por braços amigos, fui conduzido a uma instituição de saúde espiritual.
Por dez meses consecutivos, submeti-me a tratamento.
7 Revigorado, compareci diante de observadores e analistas de nosso Plano, junto dos quais o serviço de socorro iniciado em vosso templo, a meu benefício, encontrou a continuação necessária.
8 Subordinado a operações magnéticas, minha memória religou-se ao passado próximo e revi-me na existência última, encerrada há trinta anos.
9 Nos primeiros lustros do século corrente, era eu um rapaz egoísta e leviano, amigo da aventura e adversário do trabalho.
10 Desposei uma jovem rica e inexperiente, com o simples propósito de surripiar-lhe a herança, já que o velhinho, que me seria sogro por alguns dias, abeirava-se do sepulcro, por ocasião de meu matrimônio.
11 Filha única e órfã de mãe, após o decesso do genitor minha mulher viu-se dona de considerável fortuna, que tratei de chamar a mim.
12 Valendo-me de uma procuração que me permitia atuar com plenos poderes, vendi-lhe as propriedades e reuni, em meu nome, a importância de novecentos contos de réis, e abandonei-a, fugindo para a Europa.
13 A volúpia do ouro e do prazer entonteceu-me a consciência.
14 Por cinco anos, mantive-me entre o jogo e a dissipação, até que, finalmente, a miséria e a tuberculose me bateram à porta.
15 Esmagado por atrozes desilusões, regressei ao Brasil, no entanto, surpreendido, vim a saber que minha esposa, incapaz de resistir à extrema pobreza a que fora por mim relegada, confiara-se ao prostíbulo, encontrando a morte num asilo de moléstias contagiosas, poucos dias antes de minha volta ao Rio.
16 Foi, então, que o remorso terminou a obra que a moléstia começara.
17 Em tempo breve, as aflições conscienciais me desligaram do vaso físico.
18 Fantasma do arrependimento e da culpa, deambulei sem consolo nas trevas de minha própria vida mental.
19 Não encontrava outras visões que não fossem aquelas de minha companheira a acusar-me ou de meus erros a se erguerem, indefinidamente, diante de meus olhos.
20 Sofri muito, até que o socorro divino me atingisse o coração desarvorado.
21 Tornando ao governo próprio e acordado para os deveres do reajuste, vi-me imbuído da sincera disposição de recuperar-me.
22 Esperançoso, perguntei por meu futuro, mas nossos Instrutores foram unânimes em declarar que ninguém avança sem saldar suas dívidas.
23 Atordoado, perguntava a mim mesmo por onde recomeçar.
24 A verdade, porém, surgia clara aos meus olhos.
A esposa desprezada era meu credor número um…
25 Busquei-a, ansiosamente, contudo, mais infortunada que eu mesmo, permanece ainda anestesiada na delinquência, imantada a cúmplices de ações reprováveis, em furnas tenebrosas das regiões inferiores.
26 Ela, porém, é o meu credor principal, e, em razão disso, é o ponto básico de minha restauração.
27 Implorei o socorro da Compaixão Divina e, por intermédio daqueles heróis da beneficência que nos assistem, obtive permissão para nova romagem de luta, junto daquela que espezinhei.
28 Tomá-la-ei sob minha responsabilidade e transportá-la-ei para o cadinho da experiência humana, em meus braços, inconsciente qual se encontra.
29 Renasceremos juntos no berço carnal, amparados por um coração materno que já se dispôs a recolher-nos.
30 Seremos irmãos gêmeos, filhos de um parto duplo.
Ser-lhe-ei o guardião, o tutor e o amigo.
31 Em plena meninice, sofrerá ela as inibições orgânicas que, pouco a pouco, interná-la-ão num leito de amargura em que possa retificar os desequilíbrios perispiríticos e, assegurando-lhe a manutenção e o consolo, atenderei à regeneração de que necessito.
32 Conquistarei dificilmente o pão de cada dia para nós ambos.
Renunciarei a quaisquer vantagens nas lides materiais.
33 Nem aspirações mundanas realizadas, nem sonhos de felicidade atendidos, no aprendizado novo que me cabe desenvolver.
34 Envergarei a túnica do operário desfavorecido e sacrificado, para descobrir no trabalho a essência da redenção.
E, devotado e contente, montarei guarda à companheira que caiu por minha culpa.
35 Ser-me-á irmã torturada e querida, por quem devo adiar a concretização de qualquer esperança, no que se refira à minha ventura pessoal.
36 Entretanto, não lhe sou devedor de simples patrimônio moral, mas, perante as Leis Divinas, devo-lhe, ainda, dinheiro terrestre em moeda brasileira.
37 Compete-me restituir-lhe a importância que lhe pertencia, acrescida com juros de mora, que pagarei, vintém por vintém, até que nos desvencilhemos do cárcere de nossos débitos, recuperando, enfim, a oportunidade de progredir que, formosa, nos sorria no alvorecer deste século.
38 Minha palavra, pois, nesta noite, é um adeus e um agradecimento, constituindo igualmente, em nome das Leis de Deus, uma lição que devemos aproveitar.
39 “Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás a caminho com ele.” n
Quem puder compreender, compreenda, porque o tempo funciona para nós todos, dentro dos mesmos princípios.
40 Envolvendo, assim, os nossos benfeitores em meu agradecimento, espero abraçar-vos, de novo, amanhã, em Plena Eternidade.
Que Deus nos abençoe.
P. Brandão
[1] Mateus, 5.25. — Nota do Organizador.