Aqueles que se entregam às lides espiritistas encontram, comumente, surpresas consoladoras e emocionantes.
Visitáramos, várias vezes, Maria da Conceição, n pobre moça que renascera paralítica, muda e surda, vivendo por mais de meio século num catre de sofrimento, sob os cuidados de abnegada avó.
Nunca lhe esqueceremos os olhos tristes, repletos de resignação e humildade, e que a morte cerrou em janeiro de 1954, como quem liberta dos grilhões da sombra infortunada criatura desde muito sentenciada a terríveis padecimentos. Pois foi Maria da Conceição a nossa visitante, no encerramento das tarefas da noite de 30 de junho de 1955. Amparada por Benfeitores da Espiritualidade, falou-nos em lágrimas de sua difícil experiência.
1 Filhos de Deus, que a paz do Senhor seja a nossa luz.
2 Enquanto permanecemos no corpo de carne, não conseguimos, por mais clara se nos faça a compreensão da justiça, apreender-lhe a grandeza em toda a extensão.
3 Admitimos a existência do Inferno que pune os transgressores e acreditamos no braço vingador daqueles que se entregam ao papel de carrascos de quantos se renderam ao sorvedouro do crime.
4 Raras vezes, porém, refletimos nos tormentos que a consciência culpada impõe a si própria, além-túmulo.
5 Fascinados pelo mundo exterior, dormitamos ao aconchego da ilusão e não nos recordamos de que, um dia, virá o despertar no mundo de nós mesmos.
6 A morte arranca-nos o véu em que nos ocultamos e ai de nós quando não temos por moldura espiritual senão remorso e arrependimento, vileza e degradação.
7 Achamo-nos em plena nudez, diante do autojulgamento, e somente assinalamos os quadros e gritos acusadores que nascem de nossa própria alma, exprimindo maldição.
8 Nossos olhos nada mais veem senão o painel das lembranças amargas, os ouvidos não escutam outras palavras que não as do libelo por nós e contra nós, e, por mais vagueemos com a ligeireza do pensamento, através de milhares de quilômetros no espaço, encontramos simplesmente a nós mesmos, na vastidão do tempo, confinados ao escuro e estreito horizonte de nossa própria condenação.
9 Os dias passam por nós como as vagas do mar, lambendo o rochedo na solidão que lhe é própria, até que os raios da Compaixão Divina nos dissipem as sombras, ensejando-nos a prece como caridosa luz que nos clareia a furna da inconsequência.
10 É então que a Bondade do Senhor interfere na justiça, permitindo ao criminoso traçar mentalmente a correção que lhe é necessária.
11 E o delinquente sempre escolhe a posição das vítimas que lhe sucumbiram às mãos, bendizendo a reencarnação expiatória que lhe faculta o reexame dos caminhos percorridos.
12 Trazida até aqui por nossos Benfeitores, falo-vos de minha experiência.
13 Sou a vossa irmã Conceição, que volta a fim de comentar convosco o impositivo da consciência tranquila perante a Lei.
14 Administrais o esclarecimento justo às almas desgarradas do trilho reto e determinam nossos Instrutores vos diga a todos, encarnados e desencarnados, daquele esclarecimento vivo que nos é imposto pelas duras provas da vida, quando não assimilamos o valor da palavra enquanto é tempo!…
15 Paralítica, surda, muda e quase cega, não era surda para as vozes que me acusavam, na profundez de minhas dores da consciência, não era paralítica para o pensamento que se movimentava a distância de minha cabeça flagelada, não era muda para as considerações que me saltavam do cérebro e nem cega para os quadros terrificantes do plano imaginativo…
16 Dama vaidosa e influente da Corte de Filipe II, na Espanha inquisitorial, reapareci neste século, de corpo desfigurado, a mergulhar nos próprios detritos, corpo que era simplesmente a imagem torturada de minhalma, açoitada de angústia e emparedada nos ossos doentes, para redimir o passado delituoso.
17 Durante mais de cinquenta anos sucessivos, por felicidade minha experimentei fome, frio, enfermidade e desprezo de meus semelhantes… Em toda a existência, como bênção de calor na carne devastada de sofrimento, não recebi senão a das lágrimas que me escorriam dos olhos…
18 Mas a doutrinação regeneradora que não recolhi da palavra de quantos me ampararam noutro tempo, com amoroso aviso, fui constrangida a assimilá-la sob o rude tacão de atrozes padecimentos.
19 Quando a lição do Senhor é recusada por nossos ouvidos, ressurge invariável, em nós mesmos, na forma de provação necessária ao reajuste de nossos destinos.
20 Dirigindo-me, assim, a vós outros que me conhecestes o leito atormentado no mundo e a vós que me escutais sem a vestimenta física, rogo devoção e respeito para com o socorro moral de Jesus através daqueles que lhe distribuem os dons de conhecimento e consolação.
21 Quem alcança a verdade, sabe o que deve fazer.
22 Submetamo-nos ao amor de Deus, enquanto há tempo de partilhar o tempo daqueles que mais amamos, a fim de que a dor não nos submeta, implacável, obrigando-nos a partilhar o tempo da dificuldade e da solidão.
23 Essa tem sido para mim a mais severa advertência da vida. Com o Amparo Divino, entretanto, sinto que o meu novo dia nasceu.
24 Aprendamos, pois, a ouvir e a refletir, sem jamais esquecer que o Amor reina, soberano, em todos os círculos do Universo, recordando, porém, que a Justiça cumprir-se-á, rigorosa, na senda de cada um.
Maria da Conceição